Por Cristiane Batista

siameses, quarto livro de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira, é o segundo volume de uma trilogia em composição. É sequência de as visitas que hoje estamos (Editora Iluminuras, 2012) e precede a sombra, que a cada dia ganha um novo capítulo. “Tempo virá em que escreverei uma página, apenas. E ficarei nela até o juízo final, descontente do resultado”, conta ele.

Como os outros, siameses é um romance que está sendo produzido em estrutura fragmentária, com diálogos entrecortados, falas inacabadas, capítulos que podem ter apenas um parágrafo, narrativas que se misturam a poemas ou imagens. Também em comum entre todos, as letras minúsculas nos títulos chamam atenção. “Uso desde 1983, quando comecei a escrever peixe e míngua (publicado em 2003 pela editora Nanquim). Brincava dizendo que os homens andavam minúsculos, que a época era minúscula”, explica o autor.

O projeto ganhou fôlego com a publicação de as visitas que hoje estamos. A obra recebeu críticas elogiosas da imprensa nacional ao questionar o próprio gênero romance dentro (e expandindo-se) da literatura, dando voz aos inúmeros recortes geográficos e políticos do país. “A ideia do novo romance é justamente dar continuidade à investigação desse mapeamento artístico, tratando de nossas questões e, por que não dizê-lo, dos limites da própria literatura. Ele desenvolverá um longo diálogo que deve ser, ao mesmo tempo, um novo romance e fragmento do romance anterior. Ambos os livros deverão ser lidos como uma única obra e, ao mesmo tempo, outras tantas, reproduzindo no conteúdo e na forma o teor de uma série de unidades fragmentadas que caracterizam o nosso povo e o nosso país”, explica Ferreira.

O trabalho investiga a diversidade de linguagens e saberes de um Brasil ao mesmo tempo urbano e rural. Se em as visitas que hoje estamos temos um panorama abrangente do território nacional, o campo e a cidade, em uma profusão de vozes que compõem um painel horizontal do país, como num grande coro disperso no espaço e, por isso mesmo, condenado à dissonância, em siameses a narrativa é focada em uma pacata cidade do interior de São Paulo e o autor procura verticalizar o enredo dentro de si mesmo. “Quero as vozes dentro das vozes. Enredos sobrepostos a enredos”, diz Ferreira.

Na trama, o narrador, operário de uma indústria familiar fundada na década de 1950, conta os bastidores da vida de um casal “muito grudado”, segundo as fofocas do povo, entre 1981 e 2005, do início do relacionamento até uma tragédia que permanece em suspense até a parte final da obra. Somente ele e o leitor, seu cúmplice, sabem o que de fato aconteceu aos dois. Como pano de fundo e uma das direções da construção da narrativa, temos a história do país no período, considerando as rupturas históricas que para o autor permanecem como “fraturas incuráveis”.

Alguns personagens aparecem nas três obras em momentos e cenários diferentes. Tudo fruto da imaginação, observação e vivências do autor, apontado por Alfredo Monte, doutor pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo (USP), como “atento ao infinito e ao quintal a um só tempo”.

Ferreira nasceu na cidade de Mococa, interior de São Paulo, e aos 8 anos encheu meio caderno com a história de um mundo subterrâneo para onde as pessoas fugiam em razão de uma invasão alienígena. Adolescente, mudou-se para a capital, depois se formou em letras na USP e foi morar na cidade de Arceburgo, Minas Gerais, onde mantém com a esposa uma papelaria e leciona aulas de redação e interpretação de texto presenciais e por Skype a públicos diversos que compreendem desde estudantes pré-vestibular a candidatos a concursos públicos. “Eles gostam de saber que sou escritor. Como escritor, trato da vida. E até de literatura, parte boa dela. Mas somente uma parte...”, conta.

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