“O samba é meu dom
Aprendi bater samba ao compasso do meu coração
De quadra, de enredo, de roda, na palma da mão
De breque, de partido-alto e o samba-canção

O samba é meu dom
Aprendi dançar samba vendo samba de pé no chão

No Império Serrano a escola da minha paixão
No terreiro, na rua, no bar, gafieira e salão

O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Ataulfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Donga, Ciro e João Gilberto

O samba é meu dom
Aprendi muito samba com quem sempre fez samba bom
Silas, Zinco, Aniceto, Anescar, Cachinê, Jaguarão
Zé com Fome, Herivelto, Marçal, Mirabeau, Henricão

O samba é meu dom
É no samba que eu vivo do samba que eu ganho meu pão
É no samba que eu quero morrer de baquetas na mão
Pois quem é do samba meu nome não esquece mais não”

“O Samba É Meu Dom” (Wilson das Neves/Paulo César Pinheiro)

Foto: Mariana Beltrame
Foto: Mariana Beltrame

 

Na letra da música “O Samba É Meu Dom”, um retrato do baterista, percussionista, compositor e cantor carioca Wilson das Neves. Conhecido pelo bordão "Ô sorte", com o qual é saudado no meio artístico, esse imperiano (nome dado aos componentes da escola de samba Império Serrano, do Rio de Janeiro) de coração, que comemorou 80 anos de vida em 2016 e conta com mais de seis décadas de trajetória artística, já acompanhou grandes nomes da música nacional e internacional, como Elizeth Cardoso, Tom Jobim, Elza Soares, Chico Buarque, Elis Regina, Sarah Vaughan e Michel Legrand.

Para “revelar” aos brasileiros esse virtuoso instrumentista, compositor e cantor, assim como a importância de sua história para a música brasileira, o cineasta mineiro Cristiano Abud, da Abuzza Filmes, deu início em 2009 às filmagens do documentário O Samba É Meu Dom, selecionado pelo programa Rumos 2015-2016. O projeto, um longa-metragem sobre a vida e a obra de Wilson das Neves, ainda em fase de edição, captou durante quatro anos (de 2009 a 2012) mais de 30 horas de imagens do artista em diversas situações e locais – como nos palcos, na Marquês de Sapucaí, em casa e ao lado de parceiros, entre eles Chico Buarque.

De acordo com Abud, a ideia do longa surgiu quando ele foi apresentado ao produtor cultural Alexandre Segundo, que já havia produzido vários shows de Wilson das Neves e pretendia lançar uma biografia sobre o artista. “Até que essa biografia evoluiu para um documentário”, conta. “O Alexandre começou a fazer esse trabalho e foi em busca de uma produtora que quisesse entrar no projeto. Eu já conhecia o senhor Wilson como espectador e apreciador da obra dele [...] Foi afinidade mútua. Senti que poderia participar dessa história e, assim, começamos.”

O cineasta e diretor, que ainda não conhecia Wilson das Neves pessoalmente, lembra que o primeiro encontro com o baterista aconteceu como de surpresa. “O produtor musical Geraldinho Magalhães entrou em contato com Alexandre para avisar que o senhor Wilson estava indo ao estúdio para gravar um novo trabalho naquela hora. Ele disse que, se nós quiséssemos captar as imagens, seria uma ótima oportunidade”, relembra. “Nesse momento fui conhecer Wilson das Neves de verdade. Mas já gravando, chegando ao estúdio e registrando a realização do disco [Pra Gente Fazer Mais um Samba (2009)]”.

A partir daí, Abud e a equipe passaram a acompanhar o artista. “Gravamos sempre que possível, registrando a história dele entre 2009 e 2012”, explica o diretor. “Só paramos porque a quantidade de material que tínhamos era enorme, já que a carreira do senhor Wilson não parou, vide os prêmios que ganhou [como o de Melhor Álbum de Samba na 25a edição do Prêmio da Música Brasileira, em 2014, com Se Me Chamar, Ô Sorte] e sua participação recente na abertura das Olimpíadas [nos Jogos Olímpicos Rio 2016, Wilson das Neves se apresentou no Maracanã reverenciando grandes sambistas e tocando um instrumento de percussão próprio, ao lado do passista Thawan Lucas, de 8 anos]. ”

“Fizemos um recorte da vida dele, acompanhando tudo com muita intensidade. Tivemos o privilégio de poder gravar um show do Chico Buarque em 2012 em grande parte por causa da parceria que ele tem com o senhor Wilson”, conta Abud. “Há muita coisa bacana nesses registros, como a vez em que pudemos acompanhar a Império Serrano no Sambódromo, em 2011. Fomos autorizados a desfilar com a escola e a gravar no meio dela. Foi uma experiência incrível também.”

Perguntado sobre como Wilson das Neves pode ser definido em uma frase após esses anos todos de convivência, Abud responde que “como um ser humano especial. Uma pessoa que, por onde passa, todo mundo trata com muito respeito e admiração. Geralmente, é difícil você ter esse tipo de reação, unânime. Mas todo mundo esteve sempre de portas abertas, sempre falando o melhor possível dele. Isso é marcante”.

O documentário O Samba É Meu Dom, da Abuzza Filmes, está atualmente em fase de fechamento de pesquisa e roteiro de edição. A previsão de lançamento, de acordo com o diretor, é abril de 2017, ainda como parte das comemorações dos 80 anos de vida desse gênio das baquetas, o grande mestre Wilson das Neves.

Trajetória

Prestigiado internacionalmente em seu instrumento – a bateria –, por músicos, crítica e público, e tendo gravado diversos discos instrumentais, Wilson das Neves ainda hoje parece pouco conhecido por aqui. O artista tocou em várias formações e foi um dos fundadores do grupo Os Ipanemas, formado em 1960 por ele e Astor Silva (trombone), Luiz Marinho (contrabaixo acústico), Neco (violão) e Rubens Bassini (percussão), tendo lançado um LP homônimo em 1964 – o primeiro de Wilson das Neves –, uma mistura de ritmos africanos, jazz, samba e bossa nova. O sucesso do quinteto no Brasil, porém, não foi imediato; somente após o reconhecimento internacional é que o grupo realizou seus primeiros shows no país.

Em 1996, incentivado por sua gravadora, Wilson das Neves começou a cantar. Assim que trocou “de lado no palco”, passando de trás da bateria para a frente do microfone, ganhou destaque e foi o vencedor, em 1998, do Prêmio Sharp (atual Prêmio da Música Brasileira) na categoria Sambista Revelação, aos 62 anos de idade. Desde então não parou mais, fazendo novas parcerias e sendo agraciado com muitos outros prêmios por seus discos e suas canções – além de receber uma indicação ao Grammy Latino em 2005, na categoria Melhor Álbum de Samba/Pagode com Brasão de Orfeu (2003).

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