Por Adriana Ferreira Silva

Aos 74 anos, Adamor Lobato Ribeiro lembra com detalhes o dia em que se tornou um chorão. Nascido em Anajás, na Ilha de Marajó, o paraense é filho de um comerciante ribeirinho que vivia de trocar mercadorias. “Eu tinha uns 7 anos quando papai chegou em casa com uma vitrola, um aparelho à corda, e vários discos de 78 rotações. Até então, não tínhamos rádio e eu não sabia quem era Pixinguinha, Garoto, Waldir Azevedo, Luperce Miranda. A música que eu conhecia era a tocada nas festas do interior”, conta ele. “Como meu pai tinha ciúme do equipamento, eu ouvia escondido o [violonista] Garoto e, por causa do nome, pensava que era um menino como eu.”

O chorão Adamor Lobato Ribeiro, que finalizou seu sexto álbum com o apoio do programa Rumos | foto: divulgação
O chorão Adamor Lobato Ribeiro, que finalizou seu sexto álbum com o apoio do programa Rumos | foto: divulgação

 

Inspirado pela música instrumental desses bambas, Adamor começou a praticar num banjo artesanal, feito por um tio, e nunca mais parou. Transformou-se em Adamor do Bandolim. Hoje ele está entre os principais artistas de choro no país – e seu sexto álbum, realizado com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural, é lançado no final de maio de 2017. Batizado de Minha Lavra, o disco é uma parceria entre o veterano e o conjunto Engole o Choro, formado por ex-alunos da Universidade Estadual do Pará (Uepa), em Belém.

Parceria

O Engole o Choro foi criado em 2013 por Igor Sampaio (cavaco), então estudante de matemática, Luany Ferreira (flauta transversal) e Kauê Lobato (violão), ambos graduados em música, para interpretar um repertório de clássicos de compositores como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Ernesto Nazareth. A curiosidade pela produção local levou o quinteto – que se completa com Edimar Silva (pandeiro) e Hewerton Barros (violão) – a pesquisar composições de autores paraenses, entre eles Adamor do Bandolim e os violonistas Albert Cordeiro e Azarias Cardoso, instrumentistas que a banda descobriu frequentando endereços como a Casa do Gilson, tradicional reduto de chorões e sambistas na capital do Pará.

O grupo Engole o Choro, que acompanha Adamor nas faixas do disco | foto: divulgação
O grupo Engole o Choro, que acompanha Adamor nas faixas do disco | foto: divulgação

 

A amizade que os rapazes estabeleceram com Adamor nasceu em 2014, quando o grupo participou da oficina Choro do Pará, projeto criado em 1996 pela Fundação Cultural do Estado do Pará. “Apresentamos ao Adamor versões de músicas dele que costumávamos tocar em nossos shows”, lembra Kauê. A identificação foi imediata e eles passaram a acompanhar o veterano em alguns espetáculos. Foi do próprio bandolinista a ideia de fazer o CD. “O nome do disco é uma referência ao fato de Adamor ser um lavrador de choros”, conta Kauê. “Cada ensaio, cada sessão de gravação é como se fosse uma aula com um mestre da cultura popular.”

O álbum tem 13 faixas, que vão do choro tradicional a canções com referências do frevo, do marcha-rancho, do samba e até do ragtime (variação do jazz). “O choro paraense tem influência de ritmos caribenhos tocados no Pará, como as guitarradas, e do jazz”, diz Kauê. Todas inéditas, as composições foram escritas por Adamor. “Cada uma tem uma história”, diz o bandolinista. “Por exemplo, ‘Lembranças do Meu Lugar’ foi feita para uma amiga de infância. Ela visitou o local onde meu pai trabalhava, em Anajás, que está abandonado, e me disse que, se pudesse, iria restaurá-lo. Isso me deixou muito emocionado; então, a primeira inspiração que tive dediquei a ela.”

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Minha Lavra tem ainda a participação de artistas como o contrabaixista Albert Cordeiro, o trio de percussão Manari e o bandolinista Luiz Pardal. “Nunca imaginei que minha paixão fosse me transformar numa referência”, diz Adamor, que se tornou músico profissional na década de 1970, mas só lançou seu primeiro disco, Chora Marajó, em 1993 – ele foi funcionário dos Correios, onde atuou por mais de 20 anos até se aposentar, na década de 1980; paralelamente, tocava em bares, casas de shows e eventos. “O gênero subsiste aqui porque a gente faz por amor”, garante.

Já o Engole o Choro planeja enveredar pelo cancioneiro de outros conterrâneos: o próximo projeto do quinteto é o songbook Chorinhos e Chorões do Pará – que resgata composições de Luiz Pardal, Albert Cordeiro, Paulo Moura e do próprio Adamor. Um ciclo virtuoso que promete revelar ainda muitas pérolas desses chorões.

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