Por André Bernardo
No começo dos anos 2000, o cineasta francês Vincent Moon – nome artístico de Mathieu Saura – ficou famoso ao criar uma nova estética para vídeos musicais. No exterior, ele dirigiu clipes de bandas como Arcade Fire e R.E.M; no Brasil, voltou suas lentes para nomes como Tom Zé, Ney Matogrosso e Elza Soares. Em 2013, durante sua segunda visita ao país, Vincent teve o insight de criar o projeto Híbridos, que traça um panorama da espiritualidade brasileira. Às voltas com outros trabalhos, porém, ele se viu obrigado a guardar a ideia para depois.
Passado um ano, Vincent voltou ao Brasil e, em parceria com a fotógrafa Priscilla Telmon, desengavetou o projeto. Juntos, os dois percorreram as cinco regiões do país e, munidos de suas respectivas câmeras, registraram festas católicas, cultos evangélicos, sessões espíritas, cerimônias indígenas e uma infinidade de outras manifestações religiosas típicas da nossa terra. “Nosso objetivo é criar uma experiência imersiva para o espectador. Queremos propor a ele uma jornada espiritual em direção aos ritmos místicos do sincretismo religioso. Queremos revelar as mais profundas expressões da alma do Brasil”, ambiciona o artista.
Em dois anos de trabalho etnográfico-experimental, Vincent e Priscilla registraram 60 diferentes cerimônias. Algumas bem tradicionais – como Círio de Nazaré, Festa de Iemanjá e Folia de Reis –, outras nem tanto – como Bumba Meu Boi, Santo Daime e Vale do Amanhecer. Outras, ainda, desconhecidas do grande público, como Casa Fanti Ashanti, Fraternidade Kayman, Jurema Sagrada, Povo Mehinaku e Sri Prem Baba. “Não somos capazes de dizer qual dos 60 rituais mais chamou nossa atenção. Todos eles, sem exceção, são peças de um quebra-cabeça maior, tão difícil de ser montado quanto fascinante de ser experimentado”, descreve Vincent.
Um convite para entender o Brasil
Sempre que se deparavam com um novo rito, Vincent e Priscilla seguiam a mesma metodologia: captavam imagens, faziam entrevistas e gravavam sonoridades – sempre de maneira intimista e com o mínimo de interferência. Se registrar os 60 rituais levou em torno de dois anos, editar o material bruto durou um ano e meio. Dele pretendem extrair, entre outros, um documentário, um livro de fotografias, álbuns digitais dos áudios das cerimônias e 60 curtas – um para cada ritual. São esses curtas, aliás, que vão dar vida ao Telas Nômades, plataforma digital que vai funcionar como uma biblioteca sobre rituais sagrados e músicas religiosas.
O site Telas Nômades, que conta com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural, “é um dos principais desdobramentos de Híbridos”, observa a produtora Fernanda Abreu. “O maior desafio é organizá-lo de maneira poética e acessível para o grande público.” Embora esse banco de dados ainda esteja em fase de produção, Vincent e Priscilla explicam que a ideia é separar os rituais por estados. Cada página terá seu próprio layout, com direito a um curta-metragem, uma galeria de fotos e um texto assinado pela antropóloga Mayra Fonseca, especialista em brasilidade. “Híbridos é um convite para entender o Brasil de hoje, distante dos clichês”, afirma o cineasta.
No momento, Vincent e Priscilla estão na Europa, divulgando Híbridos – Telas Nômades em uma pequena turnê por diversas capitais, como Paris, Berlim e Copenhague. Na volta ao Brasil, prevista para outubro, os dois vão lançar o projeto, nos mais variados formatos, em todo o país. Além do lançamento da plataforma digital, o projeto inclui performances de cinema ao vivo e instalações imersivas em telas múltiplas. “Nosso principal objetivo é celebrar a riqueza da cultura brasileira e a importância de cuidar melhor dela”, afirma o mais brasileiro dos cineastas franceses.