Por André Bernardo
Exatos 156 anos separam duas travessias pelos rincões do Ceará. A mais antiga, iniciada em 1859, levou dois anos e cinco meses para ser concluída e entrou para a história como a primeira expedição científica 100% brasileira. Já a segunda, em 2017, durou 15 dias e faz parte do projeto Brasis, um dos selecionados do programa Rumos Itaú Cultural 2015-2016. O que as duas têm em comum? A segunda, empreendida pelos pesquisadores Érico Araújo Lima, Leonardo Mouramateus e Yuri Firmeza, procura recriar, artisticamente, trechos da primeira.
Em janeiro deste ano, Érico, Leonardo e Yuri percorreram dez cidades do interior do Ceará, como Quixadá, Juazeiro e Sobral, e desbravaram diferentes paisagens geográficas, políticas e culturais. “O coronelismo ainda é, como em boa parte do Brasil, uma violência avassaladora. Mas há também muitos modos de resistir, o que nos manteve sempre com uma alegria ativa”, relata Érico. Boa parte da expedição foi registrada em vídeo. “Cada cidade nos desafiava a pensar quais imagens seriam produzidas, que materiais seriam colecionados. No primeiro dia em cada uma delas, nós nos dirigíamos à casa de alguém com quem já tínhamos estabelecido um contato prévio. Cada uma dessas pessoas se tornou um elo de relação com o espaço”, explica Érico.
A ideia de transformar a primeira expedição científica brasileira em um projeto multimídia que engloba uma exposição de artes visuais ganhou vida quando Jacqueline Medeiros, curadora e coordenadora de artes visuais do Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza, disponibilizou um exemplar do livro Comissão Científica do Império: 1859-1861. Organizada pela historiadora Lorelai Kury, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a obra foi lançada em 2009, como parte das comemorações pelos 150 anos da famosa expedição.
Personagem ilustre a bordo
Batizada de Comissão Científica de Exploração, a caravana que deu origem ao projeto Brasis foi concebida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a mais importante instituição científica dos tempos do Império, e financiada por Dom Pedro II. Entre os seus objetivos estavam a realização de pesquisas nas áreas de botânica, zoologia, geologia, etnografia e astronomia e a coleta de amostras de pedras, insetos e plantas.
A expedição foi chefiada pelo botânico Francisco Freire Alemão e composta de nomes como o do físico Guilherme Capanema, o do ornitólogo Manoel Ferreira Lagos e o do matemático Giácomo Raja Gabaglia. Uma curiosidade: o poeta e historiador Gonçalves Dias, famoso graças ao poema “Canção do Exílio” – aquele do “Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá...” –, também integrou a caravana.
“Ficamos contagiados pela travessia e começamos a nos perguntar a respeito das possibilidades de investigação para o campo das artes”, afirma Érico. “A Comissão foi ricamente estudada por historiadores e rendeu vasto material de estudos. Nosso trabalho é ligado à curiosidade de uma expedição, mas não tem o desejo de esquadrinhar um território. Mergulhamos em livros de história, diários dos viajantes, aquarelas dos pintores da expedição. Temos a inquietação de transformar esse mergulho não em um estudo histórico ou antropológico, mas em uma experiência estética”, completa Érico.
A “experiência estética” a que Érico se refere pode ser dividida em três partes: filme, exposição e seminário. “O momento atual é o de montagem do filme e de elaboração de ideias para a instalação”, avisa. Em agosto, eles promoverão um seminário, O Trabalho das Ruínas: Genealogias, Ficções, (Re)montagens, com pensadores de diferentes campos do saber, como geógrafos, filósofos e escritores, para discutir as muitas questões suscitadas pelo projeto. “Nossa intenção é ter finalizado, até outubro, um filme para exibir na Mostra Rumos do Itaú Cultural. E, no próximo ano, pretendemos fazer uma exposição em Fortaleza.”