Por Patrícia Colombo

Tendo em mente as possibilidades que a internet oferece a projetos no campo do audiovisual, a cineasta catarinense Liliana Sulzbach transformou seu documentário A Cidade, de 2012, em uma plataforma transmídia chamada A Cidade Inventada. Lançado em 2014, o trabalho é agora aperfeiçoado com o apoio do programa Rumos Itaú Cultural.

No filme de 2012, Liliana registrou o cotidiano de alguns dos 35 moradores – todos idosos – da Colônia Itapuã. Localizada a 60 quilômetros de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a região, que já chegou a abrigar quase 1.500 pessoas, foi usada a partir dos anos 1940 para isolar compulsoriamente indivíduos portadores de hanseníase – doença infecciosa antigamente conhecida como lepra. Após a descoberta da cura para a enfermidade, nos anos 1970, uma nova política estabeleceu que os “pacientes” poderiam retornar ao convívio social – mas a medida não levava em conta o estigma da doença e o fato de que a maior parte daquelas pessoas nem sequer contava com parentes e dificilmente arranjaria emprego. Foi então que surgiram as chamadas “internações sociais”, com o Estado se responsabilizando pelo cuidado dos que, mesmo curados da moléstia, se encontravam em condição de desamparo.

Alguns dos atuais habitantes da Colônia Itapuã | Foto: Francisco Ribeiro
Alguns dos atuais habitantes da Colônia Itapuã | Foto: Francisco Ribeiro

 

O documentário apresenta as personagens da cidadezinha com uma espécie de sutileza impressionantemente dura. Não há espaço para melodrama, mas sim para um retrato delicado de pessoas que se viram seguindo a vida em um ambiente no qual a solidão dá o tom. “Não sabia como abordar o tema porque, quando tocava mais diretamente no assunto com as pessoas, elas choravam demais. Indo por essa linha, teríamos um resultado muito apelativo”, explica Liliana. “Foi então que caiu a minha ficha. O lugar era exuberante e notei que a melhor opção seria justamente mostrar essa beleza, que dá uma sensação idílica, e aos poucos ir revelando o que acontece lá dentro. Minha ideia era não fazer perguntas, não conduzir, simplesmente colocar a câmera fixa num ponto e deixar rolar.” A linguagem fotográfica estática, com quadros mais amplos, ajudou a mostrar o marasmo presente naquele local parado no tempo.

Para a internet

Avaliando-se as imagens registradas ao longo das quase duas semanas em que a equipe do documentário se hospedou na Colônia Itapuã, nasceu a ideia inicial de um site interativo que fornecesse informações que não entraram no corte final. Mas o projeto acabou se expandindo. “A gente não queria só disponibilizar o filme e alguns extras”, diz Liliana. “Pensamos em um projeto que exigisse uma nova abordagem da estrutura do filme. Voltamos lá, gravamos mais materiais, colhemos outras informações e desenvolvemos essa plataforma com uma nova narrativa.”

Segundo a diretora, A Cidade Inventada é um trabalho ambicioso, mas necessário em termos de mercado, já que conteúdos desse tipo há tempos vêm sendo produzidos no exterior. A primeira versão da página, lançada em 2014, ainda não contava com tradução para o inglês e não funcionava muito bem em smartphones e tablets. O apoio do programa Rumos, então, permitiu o aperfeiçoamento técnico e a internacionalização da plataforma. “Existem festivais e fundações do exterior que já trabalham com esse formato ‘transmídia’ de audiovisual”, comenta Liliana. “Com a versão em inglês do site daremos outra dimensão ao projeto. Nos Estados Unidos, por exemplo, também existiam esses tipos de comunidade, como o Leprosário Nacional de Carville, na Louisiana.” A versão expandida e internacional de A Cidade Inventada estreia no dia 17 de abril de 2017.

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