Em Pouso Alegre, cidade localizada ao sul do estado de Minas Gerais e a segunda mais populosa da região, fica o Observatório Luneta, que atua em ações culturais e empreendedorismo no município. Conversamos com a jornalista Mariana Sayad, cofundadora do Observatório, sobre as atividades desenvolvidas no local, os grandes eventos que estão acontecendo na região e os desafios de implementação de políticas culturais na cidade, além das potencialidades dos atores locais para as práticas culturais e artísticas.

Mariana é formada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi/SP, com especialização em História, Sociedade e Cultura pela PUC/SP e MBA em Bens Culturais: Cultura, Economia e Gestão pela FGV/SP. Fez extensão universitária em Acessibilidade em Ambientes Culturais, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Produtora cultural há 15 anos, chefiou o Departamento do Patrimônio Histórico e Cultural e dirigiu o Centro de Artes e Esportes Unificados (CEU) da Secretaria Municipal de Cultura de Pouso Alegre entre 2015 e 2016. Atualmente é editora do site Cultura Não É Perfumaria e da coluna Roda de Cultura do jornal O Estado de Pouso Alegre.

Como surgiu a ideia de criar o Observatório Luneta?

A ideia do Observatório surgiu quando eu ainda trabalhava na Secretaria Municipal de Cultura de Pouso Alegre, pois havia (e ainda há) uma carência muito grande de indicadores da cultura na cidade, que dificulta planejar ações, criar políticas públicas e até mesmo divulgar eventos culturais e artísticos na cidade.

Apesar de Pouso Alegre ter uma vocação natural para as artes e a cultura, não há ofertas de cursos de gestão cultural e de oficinas, e existem poucos profissionais trabalhando nesta área de produção e gestão. Então, no começo de 2017, depois de sair da secretaria, eu, o Marcelo Educa e a Júlia Lopes nos unimos e criamos o Observatório Luneta, que tem essa ideia de fomentar a cultura, evidenciar os ativos culturais da cidade, trabalhar a questão do empreendedorismo e com a economia criativa, que é o nosso forte. Hoje, o Marcelo saiu do Observatório para fazer o mestrado, então estamos eu e a Júlia. Uma de nossas principais ações é o site Cultura Não É Perfumaria, em que evidenciamos a cultura e a arte da região do Sul de Minas. Mostramos o que não aparece nos grandes veículos de comunicação, abrimos espaço para os artistas e empreendedores locais. O site já é uma referência na área em várias regiões, inclusive com pedidos de expandirmos nossa atuação para outros estados.

Outra ação é o Agora É que São Elas, um encontro mensal entre mulheres empreendedoras para discutir sobre negócios, trocar experiências, fazer contatos, conectar. É uma ação de grande impacto, pois gera muitos negócios e parcerias e realmente transforma as pessoas que participam. Já fizemos várias edições em Pouso Alegre – uma durante o Hack Town deste ano – e vamos fazer uma em Santa Rita do Sapucaí. O projeto vai crescer com a criação de um programa voltado para mulheres empreendedoras para abordar os três pilares: economia criativa, gestão financeira e comunicação. Realizamos também workshops de gestão cultural, economia criativa e empreendedorismo por diversas cidades.

Por fim, fazemos curadorias em eventos. Fizemos isso em um café em Pouso Alegre, em shows intimistas de artistas da cidade, para no máximo 20 pessoas, e aplicamos a mesma ideia em alguns festivais da região, como o Hack Town. O principal objetivo é evidenciar a cultura e a arte da região do Sul de Minas, principalmente os artistas independentes.

Painel Empreendedores Criativos em Três Pontas-MG, 2018. (imagem: Mariana Sayad/ Acervo Pessoal)

Vocês utilizam alguma ferramenta para avaliar o impacto das ações que são desenvolvidas pelos profissionais?

Não utilizamos ainda nenhuma ferramenta específica, pois conseguimos avaliar o impacto com o site Cultura Não É Perfumaria, que nos dá alguns dados bem interessantes nas áreas da cultura e da arte. Em todas as entrevistas que realizamos com artistas, produtores e empreendedores da área da cultura, perguntamos sobre passado e presente da cultura, sobre o consumo do entrevistado de bens culturais, sobre como financia seus projetos e em qual região atua mais. Além de colocar essas informações nas entrevistas, estamos registrando isso e compondo um panorama geral da cultura nos últimos anos em Pouso Alegre e região. Podemos, com essas informações, entender melhor os impactos de algumas leis de incentivo em determinada época e quais foram os projetos de maior e menor impacto.

No Agora É que São Elas estamos começando a avaliar esses impactos, pois em cada encontro as participantes nos trazem suas conquistas e seus desafios. Isso é muito bom, pois direciona os próximos passos, além de fortalecer a rede e a comunicação.

Além de colocar essas informações nas entrevistas, estamos registrando isso e compondo um panorama geral da cultura nos últimos anos em Pouso Alegre e região. Podemos, com essas informações, entender melhor os impactos de algumas leis de incentivo em determinada época e quais foram os projetos de maior e menor impacto.

O Hack Town, maior evento de inovação do Brasil, aconteceu no início de setembro deste ano em Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais. A programação foi composta de 300 atrações que aconteciam simultaneamente ao longo de quatro dias. Como foi a mesa Música Regional: do Regional ao Rock Rural, da qual você participou ao lado dos músicos instrumentistas Ricardo Vignini e Zé Helder do Moda de Rock?

O Hack Town foi sensacional. Neste ano, aconteceu uma conferência de music business com a presença bem forte de produtores, músicos, técnicos e sempre com a tecnologia por trás. Então, levar a música regional para esse contexto foi incrível, pois foi ela que inaugurou a música independente no Brasil, foi uma das pioneiras também em gravar discos no Brasil, pouca gente sabe disso. O Moda de Rock foi uma surpresa que só quem estava no Casarão femto pôde ver. Essa é a magia do Hack Town.

Como produtora cultural, você consegue identificar a criação de espaços alternativos, a formação de coletivos ou de grupos independentes? Existe alguma ação da Secretaria de Cultura para fomentar a discussão sobre esses espaços ou grupos?

Hacktown em Santa Rita do Sapucaí, 2018. (imagem: Mariana Sayad/ Acervo Pessoal)

Não existe uma ação contínua de fomento de espaços alternativos e grupos independentes. Existem ações pontuais, tímidas, mas existem. Nos dois últimos anos, a Superintendência de Cultura criou novos espaços públicos para a cultura, como o Centro Cultural, que funciona no mesmo prédio que a biblioteca municipal e a sede da Superintendência. Também reformou a Casa de Cultura e deslocou a Galeria Artigas para lá, que é o principal espaço de exposição de artes visuais da cidade. Então, em termos de espaços públicos institucionais, até tem, embora sejam poucos para uma cidade de quase 148 mil habitantes, que tem um fluxo enorme de pessoas durante a semana, por causa das empresas e indústrias instaladas no município, além de diversos coletivos culturais e associações de arte e cultura.

Pouso Alegre não é mais uma cidadezinha, cresceu, e a cultura precisa de mais espaços para acontecer. No entanto, os alternativos enfrentam muitos desafios com a fiscalização, que é calcada em uma legislação muito antiga que não dialoga em nada com o empreendedorismo e a inovação. Um exemplo é a Casa 282, que a Júlia Lopes, sócia do Observatório Luneta, criou em 2017. Lá era a casa onde ela morava, e ela alugava a sala e um dos quartos para pequenas palestras, workshops, aulas e shows acústicos, com a ideia de fomentar a cultura, a arte e os novos negócios. A fiscalização fechou o espaço dizendo que lá estava caracterizado como casa de eventos, isso sem diálogo ou chance de recurso.

Mas a Júlia e eu agora continuamos fazendo isso. Transformamos a Casa 282 em um conceito que pode ser aplicado em qualquer espaço, pequeno ou grande. A ideia é que uma casa pode ser mais do que uma casa, assim como uma escola, um hotel, um restaurante. Todo espaço pode ser compartilhado e virar uma boa alternativa para eventos culturais, como exposições, shows acústicos, palestras e por aí vai.

Transformamos a Casa 282 em um conceito que pode ser aplicado em qualquer espaço, pequeno ou grande. A ideia é que uma casa pode ser mais do que uma casa, assim como uma escola, um hotel, um restaurante. Todo espaço pode ser compartilhado e virar uma boa alternativa para eventos culturais, como exposições, shows acústicos, palestras e por aí vai.

Pensando no cenário cultural da região de Pouso Alegre, quais são os maiores desafios para a implementação de políticas culturais?

Atualmente, podemos dizer sem o menor receio que o cenário cultural de Pouso Alegre existe apesar do poder público. Por aqui, a Prefeitura extinguiu a Lei de Incentivo à Cultura via renúncia fiscal. Acabou também com os desfiles de Carnaval das escolas de samba da cidade. Depois de ter tirado os artistas de rua, o poder público voltou a trás e o Conselho Municipal de Cultura está elaborando uma proposta de lei para regulamentar esses artistas. O Teatro Municipal da cidade está fechado há anos.

Contudo, vamos ao lado bom: Pouso Alegre tem Plano Municipal de Cultura, faz parte do Sistema Nacional de Cultura e tem uma comunidade cultural bem forte e atuante. Como aqui tem o Conservatório Estadual de Música, a cultura acontece com ou sem o poder público, pois a cidade tem muitos artistas visuais, músicos, artesãos, dançarinos, atores, uma infinidade de artistas. Acredito que o maior desafio seja a falta de diálogo entre o poder público e as pessoas que trabalham com a arte e a cultura, sem julgamento por posicionamento político, de modo que as políticas públicas sejam pensadas para as pessoas mesmo. Além disso, outro desafio é a falta de uma identidade cultural da cidade, muito bombardeada com a de massa, com o cenário local um pouco sufocado.

Acredito que o maior desafio seja a falta de diálogo entre o poder público e as pessoas que trabalham com a arte e a cultura, sem julgamento por posicionamento político, de modo que as políticas públicas sejam pensadas para as pessoas mesmo.

Nas cidades ao redor, temos bons exemplos acontecendo, como Poços de Caldas, que investe bastante em cultura, pois sabe da força disso para a cidade e para o fomento ao turismo. Outro exemplo é Santa Rita do Sapucaí, que agora está investindo em economia criativa na cidade toda. Cachoeira de Minas tem valorizado bastante a questão das bandas de coreto, por exemplo. Itajubá é um caso parecido com Pouso Alegre, mas lá eles têm um teatro maravilhoso e aberto. Hoje, com o Observatório Luneta, conseguimos transitar em todas essas cidades, propor parcerias e realizar projetos itinerantes, além de termos indicadores, conhecermos produtores locais e artistas e fortalecermos muito a rede da cultura e a arte da região.

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