Em entrevista ao Observatório, a produtora Sonia Kavantan fala sobre os diferentes modos de financiamento de projetos artísticos e culturais, analisa a formação profissional de artistas e gestores e comenta sua experiência como pesquisadora para o programa de fomento Rumos Itaú Cultural, que, em sua última edição (2013), foi profundamente reformulado, passando a apoiar iniciativas que não necessariamente se enquadram nas regras dos tradicionais editais.
Em outubro de 2014, Sonia participou, em Janaúba (MG), da Semana de Gestão e Políticas Culturais, série de encontros realizada pelo instituto em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais.
Observatório: Qual a sua opinião a respeito dos editais de financiamento à cultura?
Sonia: Os editais são fundamentais por ser uma porta de entrada no sistema de financiamento da produção cultural – principalmente para projetos que não possuem o perfil de captação da iniciativa privada. Para o artista e o pequeno produtor, no entanto, a grande problemática é justamente o elevado número de editais lançados anualmente. Muitas vezes o pequeno produtor ou o artista independente, que se produz, não dá conta de fazer sua inscrição com qualidade em todos esses editais enquanto mantém seu dia a dia de trabalho. Talvez uma centralização desses editais, futuramente, possa resolver um pouco essa questão. Entidades que queiram colocar recurso na área de cultura poderiam compor editais conjuntos. Isso facilitaria muito a vida do artista e do produtor.
E quanto aos outros modelos de financiamento, como o crowdfunding [financiamento coletivo]?
São ótimos porque dão uma liberdade muito grande e o produtor artístico pode fazer seu projeto como ele realmente o idealizou. Muitas ideias acabam sendo adaptadas para se adequar às regras de determinados editais, e essas formas de financiamento direto, por sua vez, permitem que os projetos se apresentem para o público como realmente são. Hoje em dia, há cada vez mais produtores que lançam mão do crowdfunding, mas, ao mesmo tempo, não temos tanta gente com recursos disponíveis para entrar como financiador. É, portanto, um processo que ainda tenta encontrar um equilíbrio. Precisa de ajustes, claro, mas é uma grande alternativa para quem não quer depender quase que exclusivamente de verba pública ou leis de incentivo.
A respeito da profissionalização do setor da cultura, quais são as principais necessidades para a formação do gestor e do produtor cultural?
Hoje, no campo de gestão pública, ainda temos um cenário formado por muitos gestores culturais que vieram da área de educação. Isso ocorre com maior frequência na esfera municipal, em que muitas vezes as secretarias de cultura e educação são conjuntas. Nesses pequenos municípios ainda falta muito entendimento, para o gestor de cultura, da área artística em si. Questões como formação de público e ampliação de espaço para manifestações culturais ainda são pensadas de acordo com um modelo paternalista, coisa que não ocorre nos grandes centros, onde temos pessoas mais preparadas para atuar na gestão cultural.
Quanto ao produtor cultural, são tantas as atividades e as áreas de atuação existentes que, por mais que esse profissional tenha acesso à informação, ele não consegue dar conta de tudo. O que falta para o produtor é justamente se especializar na questão da gestão – não só no que diz respeito à obtenção de recursos para desenvolver seu trabalho, mas também à capacidade de fazer mais com menos. Ainda não existem, no Brasil, muitos cursos universitários na área de gestão cultural, e aqueles que formam artistas passam poucas informações ligadas à área de produção. Temos um caminho educacional, um caminho da prática, mas precisamos também de uma mudança de mentalidade para que tenhamos pessoas mais bem preparadas para os dias de hoje.
Você enxerga alguma mudança recente na cadeia da produção cultural?
Acredito que sim. A primeira questão a se destacar diz respeito ao entendimento da área econômica da cultura. Isso foi um grande avanço, pois fez com que as produções artísticas e culturais passassem a ser organizadas a médio e longo prazos. Esse entendimento econômico faz com que se pense em gestão, e não somente na produção de um único evento ou produto. Hoje, essa consciência pode ser notada, com maior frequência, nos coletivos, nos quais muitas pessoas trabalham juntas por um período maior de tempo.
Outra questão é a relação entre artista, produtor, gestor e patrocinador, que deu um importante e profundo salto qualitativo nos últimos anos. O ponto que ainda deve ser mais bem compreendido, em minha opinião, talvez seja o público, que tem apresentado mudanças com uma velocidade muito grande. Hoje ele tem outras expectativas, várias pessoas passaram a ter mais recursos para pagar por lazer... Conseguimos trazer essas pessoas para a área da cultura? Falta uma reflexão nesse sentido. O vale-cultura serve como um começo para essa conversa, mas ainda tem muita coisa a ser feita. São muitos agentes e, quando conseguimos unir todos eles de uma maneira respeitosa, temos uma produção interessante, e não só eventos públicos na área da cultura. Se sairmos dos grandes centros e formos ao interior veremos uma realidade muito diferente da que pode ser percebida nas capitais, onde a inclusão do público nesse debate é muito mais importante do que a formação de plateias.
O que você tem a dizer sobre sua experiência como pesquisadora no projeto Rumos 2014?
Foi uma experiência deliciosa. A quantidade e a diversidade de propostas recebidas foram fantásticas. O que a gente percebe é que a abertura proporcionada pelo programa intensificou uma reflexão que já existe há algum tempo: quanto produtores e artistas têm deixado, em razão dos tradicionais editais, a palavra projeto ser mais importante que a palavra ideia? Aprendemos a formatar projetos, e estamos dando menos atenção à ideia criativa.
Muitas pessoas ouvidas pela pesquisa disseram, até mesmo, que adoraram o novo formato do Rumos, mas preferem se inscrever em editais com formulários mais fechados, pois já sabem lidar com eles. O Rumos nos mostrou que precisamos voltar a dar mais atenção à ideia criativa e ao seu planejamento independentemente da visão do avaliador ou do patrocinador. Até porque, de acordo com aqueles que analisam projetos, vemos hoje uma grande quantidade de trabalhos pouco ousados e muito parecidos uns com os outros. Entramos em um círculo vicioso, afinal, se não apresentamos ideias mais ousadas não forçamos os editais a mudar e abrir possibilidades para novos tipos de projeto.