por Cristiane Batista

O Dia Mundial da Poesia, 21 de março, foi instituído em 1999 durante a 30a conferência geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em Paris, para promover a identidade e a diversidade linguística, seus autores, o intercâmbio entre culturas de todo o mundo e o poder do fazer poético como instrumento de união e contestação. 

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Nos livros, nas ruas, nos muros, em pedaços de papel esquecidos em um bar ou jogados ao vento; projetadas no espaço público, impressas nos mais variados materiais, na cabeça e na alma das pessoas que a fazem e a leem, a poesia inspira, respira novos ares e ganha mais fãs e seguidores a cada dia. Na internet, vem expandindo (ainda mais) sua força em forma de pequenos textos e vídeos, stories e postagens que têm ficado cada vez mais populares, com o engajamento de seus autores e leitores.

Dois celulares estão em cima de uma plataforma de madeira, que parece uma mesa. Ambos os aparelhos mostram a tela no Instagram. No canto direito da imagem vemos o pedaço de uma planta.
Na internet, a poesia tem expandido sua força em forma de pequenos textos e vídeos, stories e postagens que têm ficado cada vez mais populares, com o engajamento de seus autores e leitores (imagem: divulgação)

A multiartista @verenasmit coloca seu trabalho no Instagram desde 2012. “São quase dez anos publicando uma espécie de diário imagético. É de fato o que penso e sinto, e de certa forma é acolhedor entender que o meu sentimento esbarra no outro. Que não somos diferentes. Sempre foi uma troca rica saber que cada vez mais as pessoas querem acompanhar, curtir e compartilhar”, conta ela, hoje com 139 mil seguidores.

“Não sou otimista  mas tenho esperança
como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro

(Verena Smit)

Mulher branca está de pé diante de um gaveteiro branco. Ela está séria, tem cabelos longos, lisos e castanhos claros. Ela usa um macacão preto e está com uma das mãos no bolso. Em cima do gaveteiro, há um cesto de palha cheio de cartazes enrolados dentro dele.
A multiartista Verena Smit coloca seu trabalho no Instagram desde 2012. “São quase dez anos publicando uma espécie de diário imagético" (imagem: acervo pessoal)

Seus poemas concretos são expostos na plataforma e também no espaço público, como o lambe Tudo vai passar e as instalações de arte-iluminação O sonho é eterno e Ficaremos bem (?) nas ruas de São Paulo (SP), que na pandemia se tornaram um meio ainda mais eficaz de divulgar mensagens, atingindo quem estava em casa e as via pela janela ou, ainda, do carro. “A palavra é algo forte, que pode abraçar e também afastar, mas você a entende. Não é algo conceitual, ela faz parte do nosso dia a dia”, explica Verena.

Outra que aposta em seu cotidiano como inspiração é a escritora @ezter_liu, que publica seus “poemas-posts” como um exercício de escrita, feitos para caber em um card. “Escrever se parece muito com reagir às coisas. Como uma resposta que eu dou ao que me provoca, me angustia, me entristece, me enfurece. Acaba sendo um crossfit de criatividade: acordar, ter uma ideia, escrever e postar”, conta ela.

Foto preto e branca mostra mulher com o olhar fixo no horizonte, para o lado esquerdo da imagem. Ela usa cabelos pretos e cacheados na altura dos ombros. Carrega muitos gravetos, que estão à frente do seu corpo, em cima dos braços.
Ezter Liu aposta em seu cotidiano como inspiração , publicando seus “poemas-posts” como um exercício de escrita, feitos para caber em um card (imagem: acervo pessoal)

Autora dos livros Vermelho alcalino (Porta Aberta Editora Independente, 2015), Das tripas coração (Cepe Editora, 2018, coletânea de contos vencedora do 5o Prêmio Pernambuco de Literatura) e Breves fogueiras (2021, publicado com incentivo da Lei Aldir Blanc), Ezter aprova a comunicação instantânea com respostas imediatas: “Sinto-me amiga de infância de gente que nunca vi pessoalmente. Tudo que me volta é afetivo e construtivo (pelo menos por enquanto); as pessoas ‘repostam’ e eu fico feliz, porque é como se a gente estivesse sentindo o mundo de um jeito parecido”, relata. “Uma das coisas mais bonitas que eu recebi foi: ‘Liu, te ler organiza a minha raiva’.”

No entanto, a poeta diz fazer distinção entre o que escreve para as redes sociais e o conteúdo de seus livros, já que os posts são influenciados pela urgência natural da internet e precisam de um formato mais rápido e conciso, enquanto o livro tem outra construção, livre de pressa, com mais cuidado, revisão e outra intencionalidade. Ela aponta: “O Instagram não é a plataforma ideal para a poesia e, por isso, acho que é onde a poesia deve estar. Essa subversão do espaço é interessante e tem força. Usar um lugar que privilegia imagem para disseminar a palavra é uma guerrilha”.

“ANTES DO FIM, em dias como hoje, de chuva súbita...
Trago os calendários, as previsões do tempo e as torrentes internas que fazem escrever.
Cada um sabe onde guarda seus entulhos, seus tremores... Enfim.”

(Ezter Liu)

Victor de Abreu encampou essa trincheira após sofrer um acidente e ser diagnosticado com tetraplegia. Entre uma e outra sessão de fisioterapia, passou a acompanhar grupos e páginas na internet dedicadas a poemas e frases de motivação. Criou o seu próprio perfil e, desde 2014, dá voz a outras pessoas ligadas ou não à literatura. O @becodopoeta oferece espaço pago para que qualquer pessoa possa publicar seus versos, com layout padronizado por Abreu e liberdade editorial. Hoje conta com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram e 300 mil participantes em um grupo no Facebook: “O que vivi, essa experiência de quase morte, me ajudou a entender o meu propósito”, reflete.

A escritora Camila Lordelo também resolveu transformar seu talento em negócio. Criou, em 2014, o @euliricas, projeto de publicação autoral que tem como lema a frase: “Onde puder, poesia”. Lá, compartilha seus textos com imagens que reforçam seu conteúdo a partir de elementos como textura, luz, posição e proporções. “Penso que tão importante quanto falar de poesia é fazer sentir a poesia”, diz. Seu trabalho transita entre escrita e forma, palavra e superfície. “Transformo a poesia que vejo/sinto em escrita, em coisa, em imagem, e crio peças que carregam meus versos e espalham poemas por aí”, conta. Além das publicações, ela imprime seus poemas em acessórios e objetos de decoração graças a uma parceria com artesãos e ateliês. O legado da experiência? “Poder presenciar milhares de pessoas se aproximarem da poesia. São histórias de superação, de perdas, de recomeços, de reconstrução, de resistência. Gente que sobreviveu à morte com a ajuda de um poema, gente que partiu deste mundo escolhendo carregar uma de nossas peças no peito. É muito forte, é muito grande! Se no início elas distraidamente buscavam só o objeto, hoje, oito anos depois, elas buscam o poema. O poema, agora, é o desejo: para mim, essa é a grande festa”, comemora Camila, hoje com 55.200 seguidores/clientes em potencial.

Mulher branca, magra e de cabelo pretos, longos e lisos aparece sentada. Ao fundo da imagem, uma parede branca. A mulher veste calça preta e regata também preta. Ela usa um colar prateado, com uma medalha, na altura dos seios.
A escritora Camila Lordelo criou, em 2014, o @euliricas, projeto de publicação autoral que tem como lema a frase: “onde puder, poesia” (imagem: acervo pessoal)

“palavra a pairar - e a fazer-nos, por um instante, parar.

agora,
em mim,
só o que virá vive
livre,
livre,
livre
deixar se escrever o poema. permitir que emoldure o instante. para ver a beleza é preciso, antes, senti-la.”

(Camila Lordelo, @euliricas)

Camila é fã do escritor @francisco.mallmann, autor de Haverá festa com o que restar (Urutau, 2018), Língua pele áspera (7Letras, 2019) e Tudo o que leva consigo um nome (José Olympio, 2a edição, 2021). O artista atua na interseção entre poesia, dramaturgia, artes visuais, performance e crítica de arte. “Gosto de pensar como as linguagens podem se atravessar sem ser ilustrativas – como, juntas, elas podem ser outra coisa. Eu acho que esta é uma das pesquisas: tentar descobrir sempre outra coisa”, diz ele.

Mallmann é de uma geração que conheceu a internet durante a adolescência. Participou de blogs, fotologs, comunidades no Orkut e conversas no MSN. “De algum modo, me formular como alguém que escreve e deseja escrever, que cria em poesia, que tem a palavra como material de trabalho, se deu bastante mediado por essas ferramentas que nos fizeram chegar às redes sociais e ao modo como a gente as usa hoje”, analisa.

Homem está sentado em um banco em formato de barril. Ele tem os cabelos muito compridos e usa duas tranças, que estão para a frente. Ele também usa óculos de grau com armação transparente. Está olhando para o lado direito, usa calça xadrez cinza e preta, além de camisa de manga comprida preta, para fora da calça.
Francisco Mallmann atua na interseção entre poesia, dramaturgia, artes visuais, performance e crítica de arte (imagem: Luana Navarro)

Sua relação com o Instagram começou em 2019, com uma conta fechada em que compartilhava com pessoas próximas o que estava lendo, vendo e ouvindo. Com o tempo, passou a escrever regularmente, e a ferramenta permitiu alcançar um público muito maior. Hoje, com apenas 101 publicações, seu perfil ostenta 31.600 seguidores. “Há muitas pessoas escrevendo, experienciando a escrita, a leitura, e isso é muito bonito – dessacralizar a palavra, emancipá-la, fazê-la parte da vida, dos dias, das atividades. Percebo, sim, que isso gera curiosidade, desejo, vontades, aproximações. Gosto de interagir com quem porventura se aproxima do trabalho por ali, mas tenho estado mais atento ao compartilhamento. Nunca criei para as redes sociais e nunca achei que elas fossem um ‘fim’. Meu trabalho não acontece ali – ele acontece bem distante dali. Mas eu o exponho ali. Acho importante que a gente olhe para isto, modos de subsistência, criação de interesse, formação de público – mas acho muito desonesta e precária a lógica dos números, do alcance e da suposta legitimidade que algo muito ‘curtido’ tem”, opina.

“Cuidado com as pessoas que
caem aos pés de outras pessoas
por tropeço pressão baixa
desmaio amor
e outras fatalidades”

(Francisco Mallmann)

Na pandemia, Mallmann viveu gráficos instáveis: da avidez pela leitura, poesia e escrita ao silêncio profundo, com uma impossibilidade de se relacionar com as palavras. “Acho que todos nós nos lançamos a certa radicalidade requerida pelas circunstâncias – e, sim, nesse sentido, acho que a poesia ampara e avoluma essa radicalidade da vida, porque se faz junto com ela”, reflete. “Se a poesia salva? Não. A poesia faz vibrar – o que salva, às vezes, é esse tremor.”

Para conhecer!

https://www.instagram.com/verenasmit/

https://www.instagram.com/euliricas/

https://www.instagram.com/becodopoeta/

https://www.instagram.com/ezter_liu/

https://www.instagram.com/francisco.mallmann/

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