O artista visual e curador Binho Ribeiro comenta a expressão artística das ruas como um portal para novas frentes de atuação. Para pensar a cena do grafite na cidade de São Paulo, o Observatório conversou com um dos pioneiros do movimento no Brasil.

Binho Ribeiro é artista visual e faz grafite desde os anos 1980. Além de seu trabalho autoral, assina a curadoria de projetos como o Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (Maau) e a Bienal Internacional Graffiti Fine Art, hoje a mais completa bienal de arte urbana do mundo. Confira alguns trechos da conversa.

Binho Ribeiro (imagem: @binho3m)

Inspirações

Já desenhava desde criança, fiz cursos de desenho, quadrinhos, pintura. Sempre tive contato com arte. Também andava de skate, dançava break, tinha uma vontade de fazer diferente, e o grafite foi o que mais me questionou e me abriu um caminho. Entre 1984 e 1986, comecei a escolher o que eu queria para mim; sabia que queria ser artista, e a possibilidade de estar na rua e pintar grande, com todas as aventuras e emoções envolvidas, fez com que eu me apaixonasse pelo grafite.

O processo artístico, a escolha dos temas abordados e dos espaços para as intervenções

Para mim, acaba acontecendo tudo de forma muito orgânica, o lugar é que me propõe o que devo fazer. Dentro das minhas possibilidades, acabo me identificando com um caminho ou outro – algo mais abstrato, surrealista etc. Depende ainda do diálogo que quero estabelecer, se quero falar mais com jovens ou com crianças, com pessoas que tenham uma ligação maior com o grafite...

Diálogo do trabalho artístico com a cidade e os espaços para trocas e experimentação

Gosto muito quando minha pintura se encaixa na cidade. Gosto mais quando as pessoas tiram suas próprias conclusões a respeito dela.

Não sei se o grafiteiro pensa diretamente em termos de divulgação. Ele está colocando sua arte e seu nome na cidade, expondo suas ideias, de certa forma. Não é como se ele ficasse esperando ser convidado para participar, mas o lugar diz para ele algo que o motiva a pintar – independentemente de autorização, de ser um projeto pessoal ou encomendado. É uma coisa muito particular. Às vezes o espaço motiva a fazer uma pesquisa mais aprofundada, às vezes o trabalho acontece de forma extremamente espontânea. O interessante é que o fato de você estudar muito determinado espaço não vai fazer com que a obra fique melhor ou pior. Às vezes você espontaneamente consegue fazer um trabalho que não poderia ser feito com meses de estudo.

Grafites de Binho Ribeiro no centro da cidade de São Paulo (imagem: @binho3m)

O Museu Aberto de Arte Urbana (Mauu) e os critérios adotados na seleção dos artistas

O Mauu está localizado numa região muito bacana da Zona Norte de São Paulo. Em frente dele tem uma Etec com vários cursos, inclusive de artes. Tem o Parque da Juventude; uma ciclovia fantástica que cruza todo o espaço; a Biblioteca de São Paulo; as estações de metrô Santana, Carandiru e Tietê, com a rodoviária. Só a quantidade de carros que passam ao lado já o torna o espaço cultural mais visitado do mundo. As pessoas estão toda hora vendo um painel ou pesquisando nas redes sociais quem é determinado artista.

Acredito que em alguns anos o Mauu terá uma atenção maior do público, no sentido do benefício desse espaço para a cidade. Também é um benefício para os artistas que participarão de projetos desse tipo, com um cachê bacana; o espaço ainda possibilita trazer artistas internacionais com boa assistência, com jovens da região atuando como guias.

O Mauu foi um projeto, ou melhor, um ataque suicida que contou com a participação de diversos artistas. Grafitamos as colunas e fomos conduzidos para o departamento de polícia, perdemos todo o material e iniciamos o processo burocrático de pedir autorizações do Metrô, da Prefeitura e do Governo.

Conseguimos o primeiro apoio para o Mauu em 2010. Em 2011, junto com o Chivitz, iniciamos os processos de conquista desse espaço e de absolvição de todos os detidos – a acusação de crime ambiental não foi constatada porque estávamos levando melhorias para o ambiente. A partir daí fizemos um projeto sob curadoria minha e do Chivitz, considerando nomes que deveriam estar presentes naquele primeiro momento, artistas da região que participaram de alguma maneira da história do espaço e também jovens artistas. Não tivemos todos os renomados, mas conseguimos trazer grandes nomes e dar oportunidade para diversos jovens talentos. Essa foi a forma como conduzimos as outras ocupações, com menos patrocínio e seguindo um formato de mutirão.

Agora conseguimos um pouco mais de apoio a partir do selo do Maau como Ponto de Cultura do Governo. Acho que isso aumenta a possibilidade de transformar o espaço de fato num museu aberto de arte urbana, com diversas atividades programadas e com foco também na realização de atividades socioculturais, por conta da questão dos jovens da região. Pela proximidade do Terminal Rodoviário Tietê e por oferecer proteção da chuva, virando um grande ponto de moradores de rua, o espaço se torna uma espécie de cidade alternativa embaixo do metrô. Isso, atrelado à falta de apoio da Prefeitura, impossibilita que a gente consiga restaurar alguns trechos, por isso esperamos que haja um projeto grande.

Quanto ao mapeamento de artistas, tenho envolvimento com arte urbana há mais de 30 anos. Durante dez anos, fiz uma revista para a Editora Escala e tive o prazer de conhecer artistas do Brasil inteiro e de me conectar com muitos outros, dos cerca de 50 países que conheci. Como nós do Maau não tivemos muito apoio nos últimos anos, dependo que os artistas convidados tenham independência suficiente para que não precisemos cuidar da alimentação, do material, da estrutura.

A ideia é estender esse projeto para outros lugares, porque na verdade ele é um grande piloto, um modelo que serve para diversas áreas, e acredito que outras pessoas possam usá-lo como base para abrir seus próprios caminhos. Isso já acontece, por exemplo, no Rio de Janeiro e em Kassel, na Alemanha.

Reconhecimento dos artistas no exterior e o mercado setorial

Precisamos de artistas abrindo o caminho, nas diversas áreas, para que os jovens tenham oportunidades de forma real. Você tem um leque muito grande de possibilidades no grafite, e fazer com que o jovem perceba que aquilo dialoga com a alma dele pode desviá-lo de situações de crime ou de violência.

Mostrando quão legal é o grafite, abrimos caminho para que as pessoas se dediquem à ilustração, ao desenho, seguindo para a tatuagem, a engenharia, a decoração e outras áreas. Todos os artistas acabam se envolvendo com a sociedade, seja como ativistas culturais, seja como organizadores de eventos, por exemplo. Eles não necessariamente vão apresentar trabalhos no museu ou numa galeria. Nenhuma área artística dá certeza de sucesso; na verdade, elas são vistas como algo mais terapêutico do que profissionalizante. Acho que esse papel do grafite ainda é pouco analisado pelas classes de poder ligadas aos campos educacionais.

Grafite de Binho Ribeiro (imagem: @binho3m)

Recorte de gênero e formação

Normalmente, onde existe uma ONG há uma concentração de energia, e o grafite também já está bastante inserido na cultura local. Se você pegar, por exemplo, a Gol de Letra e diversas outras instituições, verá que existe uma célula bastante atuante do grafite. Isso nas comunidades do Rio de Janeiro é bastante comum, o grafite sempre dialogou com os jovens. Em São Paulo, o projeto Matéria Rima, de Diadema, trabalha com o grafite e traz uma galera bacana, tem vários cursos, às vezes a pessoa chega pelo grafite e descobre muitas outras coisas. Tem o Pimp My Carroça, que traz visibilidade para os carroceiros da cidade; o Arte e Cultura na Kebrada, que reúne vários artistas ligados ao grafite e deu origem a um festival anual no Jardim Maia. O evento ocupava duas ruas, hoje são dez quarteirões, e agrega em torno de 10 mil pessoas. Onde tinha um terreno abandonado hoje tem um jardim cuidado pelos moradores; as ruas estão mais limpas, pois os moradores estão cuidando delas. Você percebe que a autoestima do lugar mudou.

Agora, pensando no recorte de gênero, nas artistas urbanas e grafiteiras mulheres, só conheço a Rede Nami, no Rio de Janeiro.

Sobre a Bienal Internacional Graffiti Fine Art

O maior desafio foi fazer um megaevento sem recursos. Os convidados internacionais e de outros estados vieram com recursos próprios, pois não conseguimos patrocinar.

Já o maior mérito foi fazer uma das exposições mais fantásticas do Memorial da América Latina, com recorde de público, programações voltadas para surdos, visitas de várias escolas. Espero que a quinta edição, em 2020, conte com mais apoio para sua realização.

Grafite versus preconceito

Creio que o grafite sofre o mesmo que outras formas de arte. O rock’n’roll, por exemplo, sofreu muito até ser considerado arte, ou música. Mas o grafite também conquista muitas coisas em decorrência desse preconceito, pois isso nos motiva a mostrar algo melhor, a nos superar, como os muros que são feitos para que a gente tenha que pulá-los.

Veja também

Grafite e memória

O grafite é uma realidade incontestável na maioria dos grandes centros urbanos. Por meio da escrita e dos desenhos em muros, pontes e prédios, os artistas ou interventores de rua expressam ideias, sentimentos e posicionamentos políticos