O desafio de interagir com estranhos pelas ruas da cidade
02/10/2018 - 09:00
por André Bernardo
Se um dia você esbarrar em um sujeito carregando um balde vermelho na cabeça pelas ruas da cidade ou, ainda, ostentando uma máscara de boi presa ao rosto nos vagões do metrô em horários de pico, não se assuste: é o ator e performer Elilson Gomes do Nascimento realizando duas de suas performances mais provocativas, Gota e Abate. O interesse desse pernambucano de 26 anos pelas inter-relações entre a arte da performance e a mobilidade urbana teve início em 2012, quando ele cursava letras na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e, a caminho do campus, se deparava com muitos artistas, vendedores e religiosos que transformavam os ônibus da cidade em palcos, feiras e púlpitos. “A semelhança discursiva, a prática negociativa e a transformação dos transportes públicos em espaços performativos foram aspectos-chave para o meu TCC [trabalho de conclusão de curso]”, explica Elilson, acrescentando que o título da monografia – Dá Licença, Abençoado – faz referência ao principal cumprimento dos ambulantes da capital pernambucana.
Mas Elilson não parou por aí. Concluída a graduação, em 2015, ele partiu para o Rio de Janeiro, onde começou seu mestrado em artes da cena, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De espectador, virou performer. Na cidade, apresentou performances, como as já citadas Gota e Abate, nas ruas e nos vagões de trem e metrô. O resultado deu origem a uma dissertação, Vulnerabilidade Vibrátil – Arte da Performance e Mobilidade Urbana, e a um livro, Por uma Mobilidade Performativa (Editora Temporária), que reúne textos e fotos de algumas de suas performances na capital fluminense entre 2016 e 2017.
Dando continuidade à pesquisa iniciada em 2012, Elilson apresenta o projeto Mobilidade [Inter]Urbana-Performativa, um dos selecionados na edição 2017-2018 do programa Rumos Itaú Cultural. “Como artista de performance, algumas das questões que norteiam meu processo poético e político são a mobilidade e o planejamento urbanos, relações entre oralidade e escrita e estética da precariedade e concidadania”, afirma.
O projeto pode ser dividido em quatro etapas. A primeira delas, ambientada no Rio, onde Elilson vive há dois anos, pretende convidar cinco ambulantes para desenvolver ações performativas em vagões de trem e metrô, e deve durar de outubro a dezembro de 2018. Em janeiro de 2019, o artista parte para o Recife, sua terra natal. Lá vai oferecer “oficinas-móvel” na comunidade do Alto do Pascoal, na Zona Norte da cidade – “uma das áreas mais violentas do Recife” –, a 12 artistas da capital pernambucana e a moradores do bairro. “A ideia é que, ao término de um mês, cada um dos 12 participantes da oficina realize ações pelas ruas do bairro ou em ônibus da linha 711 – Alto do Pascoal”, adianta.
Em abril de 2019, Elilson dá início à terceira etapa do projeto, que será ambientada em São Paulo. Na cidade onde o performer se considera um “estrangeiro”, ele planeja realizar até cinco performances inéditas nas ruas e no transporte coletivo. A quarta e última etapa será a publicação de um livro com o registro textual e fotográfico das etapas anteriores, em outubro de 2019. “Vamos distribuir gratuitamente 200 exemplares em cada uma das cidades [visitadas]”, avisa.
Embora o trabalho ainda esteja na fase de pré-produção, que inclui, entre outros afazeres, firmar parcerias e cortar gastos, Elilson não titubeia na hora de apontar a parte mais desafiadora do projeto: “A mais difícil é também a mais instigante: por mais que planejemos a ação, é somente ali, no meio das ruas ou no interior dos transportes, que os imprevistos escrevem as estratégias negociativas que precisamos estabelecer para desenvolver o trabalho”, diz.
Ao longo de sua trajetória, Elilson se deparou com as mais inusitadas reações. De sorrisos francos a testas franzidas, passando por gritos de “Desocupado!”. Certa vez, ao embarcar no metrô da Carioca, no centro do Rio, foi interpelado por um segurança, que argumentou: “Não é permitido acessar o metrô com máscara!”. “Minha máscara não é fechada”, explicou o performer. “Não estou infringindo nenhuma regra.” Em vão. Com o dedo em riste, o vigilante ameaçava agredi-lo quando uma passageira interveio: “O rapaz não fez nada de errado. Além disso, pagou a passagem como todo mundo”. Foi o suficiente para que um segundo vigilante pedisse a Elilson que tomasse cuidado para não machucar ninguém. “A imprevisibilidade é a principal matéria-prima do meu trabalho”, conclui.