Luisa Dörr traz série inédita sobre trabalhadores noturnos para a exposição Ainda Há Noite
10/06/2019 - 12:02
por Cassiano Viana
"Para além do olhar e da qualidade técnica, Luisa tem muita coragem e determinação. E é inteligentíssima." É o que diz Iatã Cannabrava, coordenador-geral do Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo, junto com o curador e fotógrafo catalão Claudi Carreras e com o Itaú Cultural.
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Nascida em Lajeado (RS), na "América Latina mais ao sul ", como diz Iatã, Luisa Dörr ganhou projeção internacional aos 29 anos, em 2017, quando foi convidada pela revista Time para retratar mulheres norte-americanas pioneiras e influentes em seus respectivos campos de atuação – entre elas Hillary Clinton, Ellen DeGeneres, Oprah Winfrey e Serena Williams. Doze desses registros deram origem a capas da publicação, numa série de reportagens intitulada "Firsts: women who are changing the world".
De lá para cá, Luisa – também uma pioneira (criou a hashtag e projeto #womantopography, em que retrata mulheres de diferentes idades, de diferentes lugares, de diferentes raças, com diferentes paisagens atrás de si) – foi indicada e ganhou inúmeros prêmios internacionais. Neste ano, por exemplo, foi nominada ao prêmio World Press Photo of the Year, na categoria Retrato.
Trabalho inédito
Luisa participa da exposição Ainda Há Noite, em cartaz no Itaú Cultural de 13 de junho a 11 de agosto, com a série inédita Basal, que retrata trabalhadores noturnos da cidade de São Paulo. O projeto faz referência ao metabolismo basal, a energia que o corpo usa para manter as funções essenciais, os processos de manutenção das funções vitais de um organismo, como os batimentos cardíacos e a digestão.
"Vi São Paulo como um metabolismo que de noite fica em modo basal, com os funcionários que trabalham para que a cidade não durma por completo, e que, quando desperta, está tudo em funcionamento", explica. "Fotografei trabalhadores noturnos: policial, médico, bombeiro, segurança, gari, telefonista de hotel, vendedor do Ceagesp [Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo] etc. Todos 'basais'. Foi um trabalho documental, fizemos retratos durante a jornada do trabalhador no modo mais realista e breve possível."
Ao ser perguntada se ainda há noite no Brasil e no mundo, Luisa responde: "Se você está falando da noite em sentido figurado, desde um ponto de vista emocional, poético e sociocultural, no Brasil definitivamente há noite, noite e trevas. Ainda estamos aguardando a alvorada", ela diz. "Por quê? Porque o Brasil está totalmente balcanizado, por classe social, por raça, por ideologia, educação ou política. Não estamos puxando todos na mesma direção. Todo aspecto da vida virou uma torcida de futebol, e a gente esquece que o estádio é um só."
Luisa diz que a produção fotográfica tanto no Brasil quanto na América Latina também não está nada bem. "Não por causa dos fotógrafos, que são bons e comprometidos, mas por causa da mídia, que não investe em produção própria e faz a toda hora copy-paste de conteúdos on-line, sem nem pedir permissão dos autores", dispara. "Uma mídia medíocre que cria conteúdos banais, achando que esse é o jeito de atingir mais leitores. Que só se preocupa em gerar caixa com propaganda, e não em criar conteúdo crítico."
Para Luisa, não dá para ser fotojornalista no Brasil. "Não há plataforma impressa ou on-line que pague um salário decente, o básico para poder pagar nem que seja o custo da produção de uma matéria. E é assim que você acaba com toda uma geração de fotojornalistas", diz. "Não tem desculpa. O país tem fotógrafo bom, um monte de mídia, e tem dinheiro para pagar a criação de conteúdo. O motivo de isso não dar certo? Simples: ainda há noite no Brasil."
Cassiano Viana é jornalista e editor do blog About Light.