Micheliny Verunschk chega ao coração do inferno no seu segundo romance
04/07/2016 - 13:07
Por Fernanda Castello Branco
Depois do premiado Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida (2014), ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura 2015, Micheliny Verunschk chega ao seu segundo romance.
Aqui, no Coração do Inferno - a primeira parte de uma trilogia sobre um garoto serial killer - será lançado dia 28 de julho, às 19h, na Patuscada, em São Paulo, pela Patuá, mesma editora do livro anterior. “Numa das versões que descartei, havia a narração sob três perspectivas. A dele, já adulto, contando sua formação de assassino; esta, da menina falando sobre ele, preso na casa dela; e a de alguém próximo a ele, um familiar, contando a genealogia de tudo, aquilo que antecedeu o menino”, diz Micheliny. “Eliminei essa versão sob três perspectivas por considerar que cada narrador possui força suficiente para contar a própria história.”
Na entrevista a seguir, a escritora pernambucana contou para o Fala com Arte quando os outros dois livros da trilogia serão publicados, como é o seu processo criativo e qual é a sua relação com a prosa e a poesia.
Na orelha do livro, Maria Valéria Rezende cita que ele começou a ser escrito há anos. Como foi esse processo? Você o deixou quieto, precisou fazer isso, o que aconteceu?
Comecei a escrever esse livro logo depois que dei o meu primeiro romance, Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida, por encerrado. O meu processo de escrita de prosa é um processo lento, porque retorno várias vezes ao que já foi escrito, tanto para cortar como para acrescentar coisas. É um trabalho em processo, ou work in progress, como preferem alguns. Mesmo na etapa de revisão, ainda penso no livro. Faço várias versões, descarto capítulos inteiros, acrescento outros, descarto até mesmo versões completas, já “prontas”. Isso acontece, acredito, porque procuro sempre a forma mais exata de contar a história. Porque o núcleo duro de cada romance, tenho em mente antes mesmo de escrever a primeira palavra – e o meu trabalho é apenas encontrar a melhor forma.
Qual é a história de Aqui, no Coração do Inferno?
Aqui, no Coração do Inferno é a história de uma menina de 12 anos, no fim dos anos 1980, cujo pai é delegado de polícia de uma cidade do interior. Um dia esse homem leva um prisioneiro para casa, um prisioneiro especial, que ele não pode ou não quer deixar preso na cadeia. Enquanto espera a transferência desse prisioneiro – um garoto serial killer –, a menina narra a experiência de estar tão perto de um assassino e ainda revela suas próprias atividades clandestinas, como remexer nos arquivos e nas gavetas do pai. É uma história sobre crescer, sobre fatos recentes do nosso país e também sobre a naturalização do mal.
Conte um pouco como nascem as personagens: elas antecedem a ideia da história ou vão se adaptando a ela?
Quando o núcleo duro da história surge, alguns personagens já aparecem com ela. Outros vão surgindo por necessidade da própria engrenagem da narrativa. No meu primeiro romance há uma população de personagens secundários que surgiram da necessidade de construção de um burburinho de mundo. Já nesse segundo romance há pouquíssimos personagens “incidentais”, digamos assim. Quase todos surgiram com a ideia inicial.
Ainda sobre processo criativo, você tem uma rotina definida de escrita quando está produzindo um livro? Se tem, como ela é?
Eu não tenho uma rotina definida. Minha rotina é o caos. Talvez fosse ótimo se conseguisse seguir um roteiro, mas, pela própria dinâmica de minha vida pessoal, não consigo. Faço muitas coisas simultaneamente. Porém, no caso da escrita de um romance, por causa daquele processo lento que mencionei, estou continuamente pensando nele, mesmo que não esteja escrevendo. E alterno períodos de escrita frenética com essas pausas, que para mim são muito ricas e necessárias.
Você estreou em romance, com Nossa Teresa – Vida e Morte de uma Santa Suicida, já premiada. Isso a pressiona em relação ao segundo romance?
Não necessariamente. Quando terminei Nossa Teresa, muito antes de qualquer indicação e premiação, já comecei a escrever o segundo romance. Tenho algumas histórias para contar.
E a questão da poesia versus a prosa? Você já consegue definir bem como se sente em cada um desses “terrenos” literários? Em qual deles você se sente mais confortável pisando?
Comecei a escrever prosa e poesia ainda na infância, mas, por algum motivo, dediquei-me por um bom tempo mais à poesia – penso que por ter sido mais fácil em algum momento transitar nesse território, que é o território da criança. Contar histórias exige outro engenho, e por longos anos a prosa não foi senão um ensaio, um exercício. Fui aprendendo a ganhar fôlego. A criar mundos mais expandidos. O meu amadurecimento na linguagem poética foi mais rápido, acho que porque não saí da infância: continuo olhando o mundo com o mesmo maravilhamento e espanto. Entretanto, ao encontrar o meu tom na escrita da prosa (e que é um tom cinematográfico), não consigo diferenciar uma postura mais confortável entre um e outro. São processos diferentes, com exigências próprias, às quais atendo ou procuro atender. Nenhum é fácil, mas ambos me ensinam suas prioridades e seus modos.
Mesmo que ainda esteja com o novo livro chegando ao mundo, já tem algum projeto para o próximo?
O romance Aqui, no Coração do Inferno é uma história que está contida numa narrativa ainda maior. Explico: o livro faz parte de uma trilogia que gira em torno desse garoto serial killer. Numa das versões que descartei, havia a narração sob três perspectivas. A dele, já adulto, contando sua formação de assassino; esta, da menina falando sobre ele, preso na casa dela; e a de alguém próximo a ele, um familiar, contando a genealogia de tudo, aquilo que antecedeu o menino. Eliminei essa versão sob três perspectivas por considerar que cada narrador possui força suficiente para contar a própria história. Então optei por publicar Aqui, no Coração do Inferno primeiro, mas estou trabalhando nos próximos, que devem ser publicados entre 2017 e 2019 e se chamam O Peso do Coração de um Homem e O Amor, Esse Obstáculo. De todo modo, esses são projetos que, embora ainda não estejam totalmente prontos, já estão finalizados. Melhor dizendo, já sei todos os rumos que essa grande narrativa terá. O que me interessa mesmo é o livro que virá depois – a história que está guardada, esperando, mas ainda não comecei.