Por Duanne Ribeiro
Em abril, o grupo Bagaceira de Teatro, de Fortaleza, Ceará, apresentou no Itaú Cultural, em São Paulo, a peça Meire Love. Com texto de Suzy Élida Lins, os atores Yuri Yamamoto, Rafael Martins e Rogério Mesquita interpretam três meninas de uma cidade litorânea, vítimas de exploração sexual e enrijecidas pela rotina.
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A direção é de Yuri Yamamoto e Suzy Élida Lins. A obra da autora costuma tratar de temáticas próximas às de Meire Love: a situação de rua, a exclusão social. De acordo com Yuri, ela expõe vivências que foram a do seu entorno quando criança, moradora da periferia. O elenco partiu das experiências recortadas por ela e das próprias impressões para recriar no palco as personagens.
Em 2016, a peça completa 10 anos. Em entrevista, os três atores falam de como o projeto se desenvolveu, da complexidade política por trás dele e da vez em que o público foi formado pelas próprias meninas retratadas. Saiba mais sobre o Bagaceira na página do grupo no Facebook e conheça "Conexões Coletivas: Angu e Bagaceira", projeto que realizaram no Rumos Teatro 2010-2012.
Poesia espinhosa
Rogério Mesquita: o Meire Love foi nosso primeiro espetáculo. Ele deixa toda a imagética de lado e foca no trabalho dos atores. É muito cru: são só três atores, sentados, falando aquele texto, vivendo aquelas meninas, contando aquela história. A gente traz poesia para um tema espinhoso, a exploração sexual de menores – muito forte no Nordeste inteiro. Trabalhamos o espetáculo a partir do ponto de vista delas. Elas sonham.
Rafael Martins: o espetáculo retrata um Ceará com problemáticas urbanas e – por que não? – universais. É um problema que está ali, está na orla, no contexto de uma metrópole nordestina, mas é um problema de qualquer lugar. Há aí uma vertente política, mas também uma dimensão humana que, mesmo em uma peça tão distanciada, provoca um envolvimento emocional das pessoas.
Rogério Mesquita: a montagem estreou em 2006, mas foi um espetáculo que ficou muito tempo na geladeira por causa das demandas de outras peças. Só no final de 2007 é que ele amadureceu a ponto de circular. A gente fez mais de cem apresentações desde então. Imagina: eu faço a peça desde 2006, não sou a mesma pessoa nem muito menos o meu personagem é. Você amadurecer como artista e como ser humano fazendo o mesmo espetáculo dá a ele uma riqueza e uma solidez. Reforça o sentido de continuar encenando. Cada vez mais faz sentido apresentar Meire Love.
Formas de fazer política
Rafael Martins: o espetáculo é político. Mas existem formas e formas de fazer política. A panfletária direciona para uma coisa só. Ela força a ver uma verdade única. E a gente é partidário de uma obra de arte que exponha a problemática, mas não venha com soluções prontas.
Yuri Yamamoto: uma coisa interessante da arte, do teatro, é voltar o olhar para algo. Já que a realidade não sensibiliza mais, pelo menos o olhar artístico pode mexer de alguma forma. Em um momento de entretenimento, como o do teatro, em que a pessoa vem pela diversão, ela chega e vê algo que desvia o foco da sua atenção por um minuto, por um segundo, até por alguns dias. Pensa: “Ah, é, tem isso mesmo, acontece...”. Vê uma morte em cena e se choca: “Porra! O cara matou em cena...”. A arte, o teatro fazem abrir um pouco a reflexão.
Rafael Martins: tem a ver com a maneira como você, ator, chega à personagem. Você cria um laço. Tira a menina do número [se distancia do clichê] “as meninas exploradas”. Você cria uma empatia, se coloca no lugar delas. A gente tenta não vitimizá-las para que a política alcance o público por outro caminho. Tenta criar essa aproximação com a fragilidade, com o lado mais humano delas, para que toque o espectador. Embora eu ache que é muito pouco – a sensação que tenho às vezes é que estamos numa impotência.
Espelho e dor
Rogério Mesquita: Quando Meire Love estreou, o primeiro público foram essas meninas. Elas não se sentiram agredidas. Elas se identificaram, se viram espelhadas.
Yuri Yamamoto: Agora, pra gente é foda... eu, fazendo o espetáculo: “Porra, é real mesmo...”. Dava uma dor.
Rafael Martins: As meninas se identificavam e riam. Se para muitas pessoas isso já é “comum”, para elas [é mais que comum] é a vida. Elas têm uma “inocência pisada”, como diz a Clarice [Lispector]. Uma inocência de criança. Elas são crianças.