por Um Por Todos - Fernanda D´Umbra

 

Uma vez dirigi uma peça adaptada de um romance e um jornalista me perguntou: “Como uma mulher como você se sente dirigindo uma peça baseada no livro de um escritor tão machista?”. Respondi que quase todos os meus amigos eram machistas.

Juro, quando vi, já tinha dito. Foi até meio natural, confesso. Porque o machismo nem sempre está no limite da violência; ele é cotidiano e faz muito tempo que está aí. Por isso mesmo, tem estrada, produziu grandes obras da literatura universal. Quando bem escrito e bem interpretado, pode dar excelente ficção. 

O problema é que o mundo real fica muito perto disso tudo. Inclusive, é dele que sai tudo isso e, veja você: é nele que moramos. Aí, não é tão “excelente” assim.

foto: Luiz Filipe Ogro

Assuma um posto qualquer, num beco qualquer, num grupo de teatro qualquer e veja o que acontece. É pesado. Às vezes, quando estou dirigindo um espetáculo, recebo indiretas em frases feitas e piadas velhas. Com o tempo aprendi a responder e a desprezar solenemente as desqualificações. Vivo num planeta muito cruel para quem está há séculos nessa de ser mulher. Se eu não ignorar alguma coisa, não vou sequer à padaria.  

É muito chato. O machismo faz parte de uma cultura patética. Faz o homem parecer um tonto. E, no fundo, quando ele entra nessa, acaba virando um tonto mesmo. É triste de ver.

Há mulheres machistas também, é evidente. São muitas. Esse horror não é privilégio de ninguém. O machismo, apesar de sua predominância masculina, é uma possibilidade assexuada, é um jeito de pensar, e isso é terrível.

Eu não viverei num planeta sem machismo. Não terei essa chance. Então me liberto de um jeito torto: pego minha bolsa e saio andando. Não vou alimentar o monstro. A manutenção do status quo não me interessa.

Vou fazer tudo de um jeito diferente. Inventar um planeta mais louco, mais ousado, mais corajoso. Um mundo onde caibam pessoas imensas, onde ninguém precise viver como um arremedo de ser humano, sem direito a nada, sem prazer, sem riscos, sem emoção alguma.

Sou uma ficcionista e posso contar infinitas histórias. Até mesmo uma daquela atriz/diretora de teatro/vocalista de banda que não sabia ficar parada no lugar e queria olhar as pessoas, subir ao palco, caminhar sossegada, fazer música e ler gibis.

E, às vezes, burlar o tempo e só ler gibis mesmo. Sem atrapalhar ninguém, ali, quieta, sem ter que lidar com as mazelas do machismo. Essa indiferença, que é sagrada, ainda não é atributo feminino. Há de ser.

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