por Amanda Rigamonti

 

Giovani Cidreira começou jovem no mundo da música, formando sua primeira banda, Velotroz, aos 14 anos – ele escrevia pequenos versos desde os 10. Natural de Castro Alves, o cantor, compositor, arranjador e instrumentista sempre teve um lugar preferido em casa: ao lado da vitrola.

Seu primeiro EP, homônimo, foi lançado em 2014 e logo premiado: a faixa “Ancohuma” levou o Prêmio de Melhor Música com Letra no Festival de Música da Educadora FM, e por “Trem de Outra Cidade” recebeu o Prêmio de Melhor Intérprete no Prêmio Caymmi de Música.

A partir desse trabalho, Cidreira “passou a não se levar tão a sério” e a munir-se de diferentes referências, novas e antigas, para construir seu Japanese Food. Para pensar a estética do disco, que remete a algo antigo e ao mesmo tempo moderno, Cidreira conta que buscou inspiração no vaporwave, movimento musical e estético que surgiu em meados de 2010 e que tem como referência a cultura dos anos 1980.

Para construir a identidade visual do disco, passou bastante tempo em sua casa, revisitando os retratos ali guardados e pensou que deveria levar um visual meio álbum de família para o trabalho. “Comprei uma câmera analógica e distribuí entre os amigos, mas eu não queria que fosse algo sério. A Liz Riscado, cineasta, fotógrafa e amigona, me trouxe algumas referências. Ela estava gravando o videoclipe aqui em São Paulo antes mesmo de o disco ser finalizado, e ela e Alexis Baldoma, o responsável pelo projeto gráfico, construíram isso comigo”, comenta.

Para saber mais do processo de construção de Japanese Food e da trajetória de Cidreira, entrevistamos o músico, que comenta ainda suas impressões sobre a ocupação artística em São Paulo e Salvador e conta a história do nome do disco.

Para começar, gostaria de saber sobre você: como ingressou na música? O que despertou seu interesse?
Pelo que me lembro, é como se eu tivesse nascido nessa. Desde muito pequeno tinha um interesse muito grande por música, meu lugar preferido na casa sempre foi ao lado da vitrola, minha brincadeira preferida era imitar Zezé Di Camargo, sempre inventei musiquinhas. Cresci no interior, um ambiente propício para soltar a imaginação. Eu me blindei da realidade e segui assim. Para mim, muitas vezes, é como se estivesse brincando ainda.

Pode me falar um pouco sobre sua trajetória no meio musical?
Aos 10 anos saí de Castro Alves para viver em Salvador. Nessa época comecei a escrever os primeiros versinhos e dois anos depois ganhei meu primeiro violão e passei a gravar essas músicas no gravadorzinho na casa da minha avó. Era basicamente sobre meus amigos da escola, pequenas coisas que aconteciam no meu dia e me marcavam. Naturalmente conheci pessoas que gostavam de música tanto quanto eu e aos 14 anos formei minha primeira banda, a Velotroz.

Gravamos um disco, História do Tempo, que só foi lançado em 2015 após o término da banda. Eu ainda estava na banda quando gravei meu primeiro EP, lançado em 2014 – tinha muitas músicas guardadas, uma gaveta cheia de papel, e a banda tinha acabado de gravar um disco. A faixa que abre o EP, “Ancohuma”, levou o Prêmio de Melhor Música com Letra no Festival de Música da Educadora FM, e a música “Trem de Outra Cidade” me levou ao Prêmio de Melhor Intérprete no Prêmio Caymmi de Música. Nessa época, Tadeu Mascarenhas, amigo e produtor, me falou do edital Natura Musical, no qual inscrevemos o projeto Japanese Food, e então aconteceu. Gravamos o disco em Salvador, fui para o Rio de Janeiro mixar e masterizar, caí em São Paulo e aqui estamos.

E como é seu processo de composição? Ele mudou com o tempo?
Não tem um jeito de fazer música, principalmente porque qualquer hora é hora. Às vezes estou na casa de um amigo e ele faz uma harmonia, eu corro para o meu caderninho de anotações, cato uns versos e dou continuidade; às vezes eu escrevo o nome de uma música que não existe e fico trabalhando o tema na cabeça, aí um dia do nada eu sento com o violão e ela já está pronta, não demora nem 30 minutos. Gosto de começar músicas em ônibus, a gente vê muita coisa andando por aí. Recentemente eu escrevi coisas em cima de batidas eletrônicas ou de músicas de outros artistas. Estou escrevendo bastante ultimamente, acho que hoje sou menos exigente, tenho me contentado com as coisas mais simples, mais diretas.

Há uma grande mudança do seu EP, de 2014, para Japanese Food – não só sonoramente, mas esteticamente também: da capa do disco à sua própria aparência. Houve algum processo nesses três anos que gerou essa quebra?
Quando lancei o EP eu já estava com a cabeça nesse outro lugar, minha postura com relação ao mundo e às coisas que eu fazia mudou, comecei a não me levar tão a sério – Japanese Food fala um pouco sobre isso também – e, claro, fui ouvindo outras coisas, como Madonna, Prince, Marina Lima, Mac Demarco; voltei a ouvir muito Legião Urbana e até a ver aqueles filmes de ficção científica tipo Repo Man, eu me interessei muito pelo vaporwave também, principalmente a parte visual.

Sobre Japanese Food, como foi a construção desse trabalho? Pensando inclusive na estética visual, que é algo que chama atenção – fotos, clipe, site e mesmo você.
Quando foi a hora de fazer o disco – terminar as músicas, fazer os arranjos etc. – fiquei em casa e tudo foi construído no meu quarto. Passei bastante tempo em casa, revisitando os retratos guardados lá e a primeira coisa em que pensei visualmente para o disco foi que eu deveria levar essa coisa meio álbum de família para ele. Então comprei uma câmera analógica e distribuí entre os amigos, mas eu não queria que fosse algo sério. A Liz Riscado, cineasta, fotógrafa e amigona, me trouxe algumas referências. Ela estava gravando o videoclipe aqui em São Paulo antes mesmo de o disco ser finalizado, e ela e Alexis Baldoma, o responsável pelo projeto gráfico, construíram isso comigo.

Eu tinha planejado perguntar sobre o nome do disco, mas vi você no Cultura Livre falando disso e da dificuldade de escolher o nome de um trabalho. Por que você acha que o nome é tão difícil? É mais difícil do que compor?
Eu sou péssimo para dar nome às coisas, não entendo como as pessoas conseguem dar nome a qualquer coisa que não esteja pronta. Se for uma invenção, tem que estar inventada para você saber o que é, penso eu. Por isso entrei em crise na hora de dar o nome. Eu ficava ouvindo o disco, que na época estava sendo masterizado, e ficava maluco. Sabe aquela coisa que falei antes de não se levar tão a sério? Então, eu parti para isso. Fiquei pensando em como a gente leva a sério mesmo esse negocio da obra, o título de um grande trabalho [risos].

Joguei para o ar, fui procurando no acaso nomes que soariam como uma piada ou que enganassem quem fosse ouvir o disco, a mesma coisa tentei colocar na capa. Certo dia, na casa de Liz Riscado, ela me mostrou um desenho antigo que tinha feito na época da escola: era sua banda de brincadeirinha, guitarrista, baixista, vocalista emo e no centro a bateria com os dizeres no bumbo “Japanese Food” – o nome da banda dela. Achei que não tinha nada a ver, mas dava o ar alegre que eu procurava. É bem mais fácil fazer uma música ou um disco e deixar sem nome.

Em abril de 2017 você disse ao Estadão que ainda estava descobrindo o que quis dizer quando inventou as canções de Japanese Food.  Você conseguiu descobrir?
São vários momentos da nossa vida. A alegria e a tragédia pelas quais todos nós passamos.

Tem alguma música do seu disco que é sua favorita? Se sim, por quê?
“Festa de Judas” foi a primeira música que eu compus em cima de uma base já gravada e tem esse lance debochado que eu também encontro em “Vai Chover” e “Santa Fé”. Se você gosta do inferno ou do céu, tanto faz.

Você está morando em São Paulo, certo? Pode falar sobre a diferença da ocupação artística na cidade, comparando Salvador e São Paulo?
Salvador tem produzido os melhores artistas desse nosso mercado médio porte, mas todos nós sabemos quanto é difícil realizar coisas na cidade, a gente é pobre, não tem muitos lugares na que se voltem só para uma programação de música, e ainda sinto uma sombra de falta de curiosidade, aquela sombrinha que a indústria do axé music deixou no ar. Parece que a galera em São Paulo estava se organizando antes de qualquer coisa ruir, mas a gente precisa se encontrar mais. Está todo mundo aqui, mas está longe ao mesmo tempo.

Você se movimenta muito no palco, tem um forte trabalho corporal e presença. Como você se prepara?
Eu não tenho noção nenhuma de espaço, por isso nunca aprendi a andar de bicicleta nem de moto, e morro de medo de carro. Eu ando me batendo nas pessoas, é uma agonia. Também não faço nenhum aquecimento, grande erro, já estou começando a sentir uma dorzinha na coluna.  Uma amiga me deu umas dicas um dia desses, agora é pôr em prática [risos].

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