Em conversa com o Observatório, o ator e produtor cultural fala sobre os desafios específicos das atuações de gestores e produtores culturais, além de analisar o atual cenário das políticas culturais de Palmas (TO), cidade em que reside.
 

Kaká Nogueira (Foto: acervo pessoal)

Kaká Nogueira é graduado em Administração Pública pela Universidade Estadual do Tocantins e tem especialização  em Gestão Pública, também pela Universidade Estadual do Tocantins e em Gestão e Políticas Culturais pelo Instituto Itaú Cultural e Universidade de Girona.

Na área de gestão cultural foi coordenador de projetos culturais e coordenador de articulação institucional da SECULT-TO. Foi presidente do Conselho Municipal de Cultural de Palmas e do Conselho Estadual de Cultura de Tocantins, além de ter sido também diretor de educação Integral da SEDUC-TO.

Confira a entrevista.

Qual a importância de compartilhar com outros gestores as suas experiências na área cultural? Como você vê essa troca?

Necessária e fundamental, uma vez que o gestor cultural precisa constantemente estar com o olhar ampliado, visualizando o que acontece por trás das montanhas que nos cercam.

Trocar experiências e vivências com outros gestores, conhecer outras culturas e saber o que acontece no Brasil e no mundo nessa área são, praticamente, obrigações tácitas do gestor cultural que quer ter um trabalho realmente impactante em sua atuação. É justamente na troca de experiências que as ferramentas para o trabalho são lapidadas, as políticas culturais são debatidas e ampliadas e possíveis parcerias são costuradas. Sem essa relação, o gestor fica pobre de visão, de estratégia e de conhecimento sobre esse setor tão dinâmico e incrivelmente complexo e diverso.

Quais são os desafios que o gestor e o produtor cultural enfrentam hoje no Brasil?

Gostaria de dividir esta resposta em duas, para clarear o pensamento, pois gestores e produtores culturais, em lados opostos de atuação quase sempre, têm visões diversas e buscam muitas vezes a mesma coisa por caminhos diferentes. Penso assim pois sou as duas coisas e passei a compreender que elas não devem ser colocadas no mesmo “balaio”, como acreditei muito no passado.

O grande desafio para o gestor cultural, a meu ver, é a falta de interesse político pela implementação de políticas culturais sérias, de forma que as secretarias e fundações culturais rotineiramente se tornam espaços de organização de vento e processamento de emendas parlamentares. Aliado a isso, percebo de forma dramática que quase a totalidade das cidades brasileiras não tem no organograma público um órgão dedicado à promoção cultural; e as que têm, também em sua maioria, não contam com gestores culturais experientes ou preparados para a função, o que dificulta ainda mais o entendimento do real papel do órgão gestor de políticas culturais. O mesmo acredito acontecer nas empresas que têm áreas de tratativas culturais – em menor grau, imagino eu, pois o empresariado que visa ao lucro acaba investindo um pouco mais em bons profissionais, mas certamente ainda falta muito para que esses espaços de trabalho sejam totalmente ocupados por profissionais qualificados e para que as empresas entendam o forte papel que a cultura tem na formação da nossa sociedade.

Já o produtor cultural tem o desafio de lidar com a falta de fomento e de apoio cultural e com a baixa procura por certos produtos culturais em uma sociedade cada vez mais acostumada a assuntos banais e rasos, principalmente por conta da baixa qualidade dos produtos televisivos e dos conteúdos das redes sociais. Precisa ter, então, desenvoltura e capacidade de articulação na busca de parceiros para os projetos, além de estudar muito para estar qualificado na sua área. Uma área que se acostumou ao fomento por meio de editais e que perdeu parte da “coragem” e do dinamismo da produção independente, criando uma inércia em boa parte dos produtores, principalmente no interior do Brasil, que não produz nada se não tiver um edital para tal – o que afeta diretamente a produção cultural nestes momentos de crise econômica, em que os recursos estatais e empresariais para o setor cultural diminuem. Hoje o produtor precisa, mais do que nunca, voltar a buscar outros meios.

A gestão, assim, precisa criar as estradas para que a arte transite pelo território da liberdade, e o produtor cultural precisa andar por ela, independentemente do combustível estatal. Esse é o desafio.

Em que consistem os trabalhos de gestores e de produtores culturais? Quais as habilidades e competências necessárias para que esses profissionais tenham êxito em sua atuação?

Acredito que o gestor cultural hoje, na minha área, que é a pública, precisa mais do que nunca estar conectado ao que acontece em outras localidades, buscar a troca de experiências com outros gestores e estudar este setor extremamente dinâmico que é a cultura. Não basta ser apenas um profissional que entende de arte e cultura, precisa entender da legislação que envolve o setor, precisa entender e promover corretamente o fomento por meio de editais, que são ferramentas poderosíssimas, mas que, como todo remédio, em dose errada, podem piorar os sintomas ao invés de proporcionar o resultado esperado – ou pior, podem provocar a dependência, o mais comum hoje em dia. O gestor, repito, precisa entender que não se pode interferir na dinâmica cultural, não se deve promover nada para “criar” ou fortalecer uma atividade cultural, principalmente tradicional. Deve-se, sim, assistir os promotores culturais populares e tradicionais, dando-lhes apenas condições para que possam dar continuidade a suas manifestações de forma livre. Já vi muitos gestores tentando transformar uma música ou manifestação cultural tradicional em algo que ela não é, e isso é terrível.

O produtor cultural também precisa ter um bom conhecimento do setor em que está trabalhando e suas necessidades, desafios, soluções e dinâmica. Necessariamente, precisa conhecer as legislações do setor, fundos de apoio e fomento nacionais e internacionais e ter capacidade de reinventar, para que o produto cultural a ser produzido seja realizado com qualidade artística e baixo custo – um desafio colossal num país em que a cultura não é o principal pilar da política pública.

Como você avalia as políticas culturais praticadas em sua cidade, Palmas (TO)?

Palmas é a capital mais jovem do Brasil e, como tal, vem aprendendo muito com os erros e acertos dos outros grandes municípios brasileiros. Contudo, o que se tem hoje de estrutura e gestão cultural municipal deve-se principalmente aos bons profissionais que, no início, buscaram criar e fortalecer uma fundação cultural que hoje dá conta de realizar o fomento e uma política cultural eficiente. Hoje, Palmas conta com um espaço cultural com teatro, cinema e cursos diversos na área artística, além de editais de fomentos e diferentes eventos culturais. O governo municipal conta com o sistema municipal de cultura e o plano municipal de cultura, implantados e funcionando razoavelmente bem. Com o auxílio do conselho municipal de cultura, o fundo municipal de cultura promove fomento e é abastecido com verba de empresas, com dedução fiscal. Palmas, nesse ponto, é uma curva fora do eixo: mesmo que ainda falte o apoio político devido, consegue se sobressair em relação às demais cidades do estado.

No interior do estado é bem diferente, principalmente pela ausência da secretaria estadual de cultura, extinta em 2013, o que provocou o desmonte completo da articulação entre os órgãos gestores municipais. Hoje, nenhum município do interior tem o sistema implementado totalmente, nem conta com o fundo municipal de cultura. Além disso, os equipamentos culturais são raros e precários.

Entendo que ainda falta muito para que as políticas culturais sejam realmente bem-sucedidas no Brasil. Precisamos de uma maior valorização do setor cultural pela classe política brasileira, pois quem o prioriza ou não, e dá ou não condições para o desenvolvimento cultural, são os prefeitos, os governadores e o presidente, bem como seus respectivos gestores de pastas.

Entretanto, a maioria dos nossos dirigentes políticos usa os órgãos de cultura como promotores de “eventos culturais”. Enquanto a maioria dos gestores das pastas de cultura for insensível ao setor em que está atuando – por desconhecê-lo completamente, muitas vezes –, teremos uma sociedade brasileira fadada a ter pouco ou nenhum acesso à arte e à cultura.

Assim, entendo que a base para a mudança dessa realidade é a inserção das artes na educação brasileira de forma ampla, para formar novos cidadãos com o pensamento mais sensível e, consequentemente, uma sociedade melhor e mais rica culturalmente. E, é claro, continuar a formação de gestores e produtores culturais; essa é a chave.

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