por Ana Luiza Aguiar

A morte de um povo acontece não apenas quando deixam de existir descendentes, mas também quando suas histórias, tradições e filosofias caem no esquecimento. O projeto Te´e – Descendentes, aprovado pela edição 2017-2018 do programa Rumos Itaú Cultural, quer ajudar a eternizar os saberes dos índios conhecidos como Guarani e Kaiowá, habitantes do Mato Grosso do Sul. A antropóloga Luciana de Oliveira e o artista Paulo Nazareth – junto com os intelectuais e lideranças indígenas Valdomiro Flores, Tereza Amarília Flores, Juliana Gomes e Genito Gomes, entre outros nomes – se preparam para lançar dois livros que buscam explorar a interseção entre a arte, a ciência e a política desse povo nativo do Brasil.

O primeiro volume, Te’e: Livro de Rezas e Filosofia Kaiowá é de autoria do rezador Valdomiro Flores, morto em 2017, e de sua esposa, Tereza Amarília Flores, e será composto de um repertório de cantos-rezas do xamã. O livro também vai trazer entrevistas que ele concedeu a Luciana, além de transcrições das aulas que o rezador deu no curso do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2014 e 2016. A obra será ilustrada com desenhos produzidos em oficinas – conduzidas por Nazareth – com crianças, jovens e lideranças indígenas. Em vida, Valdomiro foi uma liderança espiritual comprometida com a luta pela reconquista dos territórios tradicionais indígenas, embora seu legado tenha sido o trabalho da espiritualidade e da reza como forma de reconquista de diálogo com o que ele chamava de “parentes invisíveis”.

Projeto Te´e – Descendentes eterniza os saberes guarani e kaiowá | foto: divulgação

Já o segundo volume, Te'e: Outros que Chegam para Rezar e Brincar, reúne trabalhos fotográficos, vídeos e desenhos dos trabalhos de Nazareth realizados entre os Kaiowá ou em colaboração com eles. A curadoria dos dois volumes será de Luciana, e eles serão impressos de forma bilíngue – em português e guarani. Durante o lançamento dos livros, Nazareth – ele mesmo descendente da tribo Borum – vai repetir a performance Rádio Kilombo-Guarani, apresentada pela primeira vez na Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, em São Paulo (SP), em 2013.

“Os dois volumes buscam sublinhar, por diferentes formas investigativas, sínteses conceituais e artísticas, encontros de saberes e fazeres, e o labor de resistência que o povo Kaiowá tem protagonizado”, explica Luciana. Ela faz questão de ressaltar que não se trata de uma pesquisa etnológica ou antropológica tradicional, porque o trabalho inverte a hierarquia de sujeito e objeto comum ao mundo acadêmico. “É uma pesquisa compartilhada, um trabalho colaborativo, no qual eu e os jovens somos todos pesquisadores da filosofia kaiowá.”

A antropóloga começou a se interessar pela cultura indígena em 2012, quando organizou o Festival de Inverno da UFMG. A equipe de curadoria daquela edição decidiu dar mais visibilidade à arte “não institucionalizada” ou de fora do circuito acadêmico. “O grupo entendeu que a produção cultural mais interessante da época que acontecia no Brasil era feita pelos mestres de cultura – quilombolas e indígenas”, conta Luciana. Foi lá que ela teve o primeiro contato direto com o povo Guarani Kaiowá. Já a obra do artista Paulo Nazareth sempre foi marcada pela questão indígena e também pela questão da diáspora africana, igualmente presente na sua herança racial.

 

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