por Jullyanna Salles

O que tradicionais esculturas de barro pernambucanas têm em comum com autômatos – bonecos metálicos que se movimentam a partir de engrenagens? Nenhum dos dois possuem, de fato, vida, mas ambos carregam histórias a ser contadas do ponto de vista de seus criadores. O espetáculo Figuras Mágicas, contemplado pelo programa Rumos 2015-2016, encena a relação entre inventor e obra.

Idealizado pelo ilusionista pernambucano Rapha Santacruz, o projeto conta também com a dupla paulista de mágicos Vik & Fabrini e com a bailarina Januária Finizola. O primeiro passo para a realização da montagem foi uma viagem a Caruaru, em Pernambuco. O intuito era conhecer o memorial do Mestre Galdino, artesão, poeta e sobretudo um dos principais criadores de bonecos de barro do estado.

Situados nesse ambiente, os ilusionistas decidiram que no espetáculo existiriam três Galdinos. Um deles mais próximo de um mestre oriental, outro ligado à cultura europeia e um terceiro tipicamente nordestino. “Cada um no seu universo, mas que começam a se relacionar por meio de um mundo paralelo”, explica Rapha.

Os três Galdinos, personagens do espetáculo
Os três Galdinos, personagens do espetáculo

 

O enredo situa o público no mundo dos três criadores, com um apelo histórico. O estilo de vida, a época e a situação em que as obras foram realizadas são expandidas na montagem. Além disso, Rapha destaca o aspecto lúdico e narrativo que envolve a temática do Figuras Mágicas: “O artista do barro, por exemplo, cria peças mas elas não têm vida. É uma existência abstrata e fantasiosa. O mestre Galdino, porém, inventava uma história para cada obra. Quando alguém ia comprar o boneco, ele a contava e o comprador saia com aquilo na cabeça.”

A trama não possui diálogos nem falas de modo geral. É no silêncio que a dramaturgia acontece e, para isso, o diretor de arte Marcondes Lima achou necessária uma preparação física dos ilusionistas. Foi nesse momento que a bailarina Januária Finizola integrou a equipe, desenvolvendo com Rapha, Vik e Fabrini uma técnica performática chamada tanteatro, criada pela atriz e coreógrafa Maura Baiocchi.

A técnica foi acrescida de referências próprias de Januária e de outras sugestões do diretor, o principal objetivo era despertar nos ilusionistas uma sensibilização para a dramaturgia sem falas, como conta Januária: “Criei uma forma de trabalhar com eles para poder buscar o que cada um tinha dentro de si”. Dessa forma, a personalidade de cada um foi ressaltada em suas diferenças e semelhanças, permitindo que as energias fluíssem entre os corpos. Além disso, o taanteatro aproxima os atores de diferentes estados e matérias, como fogo, água, terra e ferro – o que conversa bastante com a temática do espetáculo.

Para a bailarina, o projeto se mostrou desafiador. Trabalhando pela primeira vez com ilusionistas, ela diz: “O maior desafio foi fazê-los acreditar que esse princípio que eu tinha preparado, esse processo, seria importante para a dramaturgia e para o personagem de cada um. Porque no começo é tudo desconhecido, dá medo”. Com o desenvolver do espetáculo, Januária acabou por entrar em cena. Sua presença, antes não planejada, se mostrou necessária como um fio condutor da narrativa, representando o Espírito do Ar, que instiga e une os três Galdinos.

Para Rapha, a preparação foi bastante intensa e fundamental para a montagem do espetáculo, que teve consultoria de comicidade física realizada com Ronaldo Aguiar. Além disso, há aspectos do Figuras Mágicas que deram trabalho, como os instrumentos e artifícios de ilusionismo que serão utilizados no palco: “Nós estamos criando equipamentos e desenvolvendo efeitos”.

O espetáculo tem sua primeira exibição no dia 3 de junho no Itaú Cultural e, segundo Rapha, será levado para a maior quantidade de lugares possíveis: “Depois da estreia, pretendemos sair em temporada com o Figuras Mágicas, trabalhar cada vez mais com ele”, encerra.

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