Carol Rodrigues fala sobre seu livro de estreia, ganhador do prêmio Jabuti
26/11/2015 - 15:08
por Pedro Passos
Sem Vista para o Mar, obra de estreia da escritora Carol Rodrigues, foi premiado pela Biblioteca Nacional como o Melhor Livro de Contos de 2015 e pelo Jabuti deste ano na categoria Contos e Crônicas. Colaboradora do Itaú Cultural – tendo trabalhado na produção das exposições Ocupação João das Neves e Ocupação Hilda Hilst, entre outros eventos –, a autora conversou com a equipe do Fala com Arte sobre seus temas, seu processo criativo, a sensação pós-prêmio (que não deixa de ter “alguma coisinha nefasta” em si) e a responsabilidade que um novo livro implica – “com os próprios leitores, sabe? Agora que eles existem”.
Você recentemente ganhou o Prêmio Jabuti. Qual foi sua reação ao receber a notícia? Está se preparando para a premiação?
Uma euforia que não cabia no corpo, para o bem e para o mal – alegria e ansiedade na exata mesma medida. Vi a notícia na hora do almoço e fui direto dar uma oficina de escrita a jovens de 15 a 19 anos na Casa das Rosas [curso livre de preparação do escritor (Clipe), em São Paulo]. Minha colega, a poeta Lilian Aquino, contou a novidade à turma enquanto eu fazia uma ligação fora da sala. Quando eu voltei, eles cantaram “Parabéns pra Você” cheios de sinceridade. A euforia foi se diluindo nessa tarde que passei com eles, com seus poemas, suas mochilas, pés descalços, corpos livres ocupando o chão e desprezando as cadeiras. Até a premiação, duas missões: meditar e escolher um sapato.
Como se deu o processo criativo para escrever Sem Vista para o Mar?
Começou com uma viagem que eu fiz a Presidente Prudente [SP], para o Salão de Livros da cidade. Eu tinha mandado um poema para um concurso, ele saiu numa coletânea e fui lá conhecer. Peguei um ônibus para ir, que saía da Barra Funda [na capital paulista], de onde partem ônibus para o oeste do Brasil. Fiquei esperando um tempão até o ônibus chegar e comecei a ver os nomes das cidades nas placas das empresas. Achei os nomes muito bonitos, sonoros, palavras que eu não conhecia e que têm várias origens. Pataguaçu, Auriflama, todas muito bonitas.
Nessa viagem, eu estava sem grana e acabei me hospedando em um hotel literalmente na beira da estrada. Então eu fiquei dois dias nesse ambiente dos caminhoneiros, dos passantes, dos viajantes, na rota entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. Indo aos bares, comecei a ouvir histórias que deram a ideia do segundo conto do livro. Esse foi o primeiro conto que eu escrevi e vi que era uma história mais densa, e não apenas um jogo de ideias, com ações e um final.
Nesse embalo eu comecei a projetar imaginações em cima disso. No começo eu tive até uma ideia romântica de fazer pequenas viagens a esses lugares e ter essas vivências, mas, enfim, tempo e dinheiro não permitem. Acho que seria até um pouco ingênuo partir somente da experiência para tudo. Então comecei a imaginar mesmo. Comprei um mapa rodoviário do estado e fiquei focada nessa região entre São Paulo e Mato Grosso do Sul. Passei a desenvolver as histórias olhando muito para ele, o que ajudou a construir as narrativas de um livro inteiro sobre viagens, fugas, deslocamento. Foi aí que começou.
Você já definiu o processo de escrever o primeiro livro como “um cafezinho pingado, que é gostoso e que se basta”. Como você acha que será o processo dos seus próximos livros?
Acho que essa definição é bem do primeiro livro mesmo, que é quando você não tem pretensão alguma. Você faz uma coisa simples, está querendo uma resposta simples. Tipo um cafezinho pingado, que é um pedido simples com uma resposta simples e maravilhosa. Qualquer resultado é muito bom. As pessoas dizendo que riram ou que choraram, isso já é maravilhoso. Não é que eu tenha expectativas em relação ao segundo, mas já tem uma camadinha de responsabilidade que você acumula. É uma responsabilidade com os próprios leitores, sabe? Agora que eles existem.
No primeiro livro eu estava menos preocupada com a clareza da história. Agora eu me preocupo mais em como chegar ao leitor final, que pode ser alguém que eu não conheço. Ao mesmo tempo eu tenho interesse em contar histórias mais complexas, isso é algo que me atrai. Eu gosto muito do [Julio] Cortázar e ele tem isso. Tem um livro dele chamado Final do Jogo, no qual é proposto um jogo com o leitor, começando com um conto difícil e agregando dificuldades ao leitor até o último conto. Eu acho esse jogo muito legal.
Em seus contos há uma abordagem sempre curiosa do cotidiano. De onde vem essa vontade de falar do que ocorre à sua volta? Há algo pessoal nisso?
Pouca coisa vem de experiência própria no livro. Eu não gosto muito de falar da minha experiência, porque eu acho que a gente acrescenta com a imaginação, com a criação. Então eu sempre parto de um personagem, colocando-me nessa posição de alteridade. A partir daí construo a rotina desse personagem. Antes eu escrevia textos mais pessoais, até por ser mais nova. Acho que as pessoas geralmente começam daí. Mas hoje, quanto mais longe de mim, melhor.
Mas nessa criação você também não acaba inserindo algo seu?
Com certeza. Mas eu não acho que isso seja mais importante do que os outros elementos – do que, por exemplo, os hábitos de um amigo, alguma coisa que o chefe falou ou algo que ouvi no ônibus. No meio de tudo isso tem alguma experiência minha, mas acho que não existe uma hierarquia de qual experiência importa mais.
Seus contos têm uma forma narrativa bastante peculiar, com um fluxo sem muita linearidade, cheio de idas e vindas. Como foi o desenvolvimento dessa estética?
Sinceramente, quem me dera conseguir contar uma história linear. Esse é o jeito que eu consigo. É o jeito que sai. Por muito tempo eu escrevi muito texto hermético, a ponto de nem eu saber onde estava o tempo, onde estava o espaço. Porque era assim que vinha, num fluxo confuso. Não sei se eu posso dizer que há uma intenção de quebrar espaço e tempo; é o jeito que vem mesmo. Ainda pode ter a ver com a minha formação em cinema. Lá a gente estuda muito montagem, o tempo e os espaços. Durante a faculdade, nós somos jovens querendo ser radicais, a gente quer quebrar com a linearidade, quebrar com tudo. Então pode ser também um vestígio disso.
Como sua rotina de trabalho está vinculada à sua produção escrita? Você acha possível escrever fora dessa rotina?
É uma doideira. Eu acho muito bom esse meu contato com o mundo real. Não sei se eu funcionaria sendo só escritora. Normalmente eu tento escrever em algum dia à noite durante a semana e separo um dia inteiro aos fins de semana – meio atleta de fim de semana. Mas o que me ajuda muito é que tenho um grupo de escritores toda terça à noite, há dois anos. Lá a única regra é levar o que você estiver produzindo para todo mundo ler e ir canetando. Acho que esse grupo é o grande responsável pela minha disciplina. É muito importante ter leitores durante o processo – leitores respeitosos e bem críticos também.
Como é a sensação de ser reconhecida em diferentes espaços reservados à literatura?
São altos e baixos. O reconhecimento é muito bom, os prêmios são muito bons. Mas ainda existe alguma coisinha nefasta desses cinco minutinhos de fama com a qual é muito difícil lidar. Porque é algo desse mundão de que a gente não gosta muito, o que acaba dando uns ruídos. Além disso, eu sou supertímida, então para mim é bem difícil ficar falando sobre o trabalho e o processo. Eu gosto quando é com outros artistas, mas quando é comigo eu fico pensando “Sério que isso é interessante?”. Mas tem esse lado bom, é um baita estímulo.
O prêmio não pode ser uma meta ou um norte para os escritores. Isso jamais. Para mim o mais legal de tudo é que meu livro é totalmente independente. A editora é muito pequena, a capa foi uma amiga minha que fez, a foto da orelha também. Essa coisa colaborativa e pequena do independente é o que eu achei mais legal de tudo.