por Amanda Rigamonti e Milena Buarque Lopes Bandeira

Solidão, desesperança, autoconhecimento. Essas sensações inundavam os dias em isolamento do fotógrafo Fábio de Lima Martin até atingirem seu ápice entre às 18h e 20h, período em que a temida bad tende a bater mais forte. Para expressar o que sentia dentro de um apartamento de 20m2, Martin passou a registrar em imagem o que via nesse momento específico do dia no perfil @das6as8, no Instagram.

“Era sempre no final da tarde. Entre às 6h da tarde e às 8h da noite. Resolvi então que iria expressar pensamentos e sentimentos a partir de fotos e vídeos, feitos somente dentro do meu apartamento e nesse período do dia também”, conta o fotógrafo, que também atua como editor e assistente de direção em projetos documentários, publicitários e institucionais.

Com todos os trabalhos cancelados pela pandemia, a ociosidade virou uma questão incômoda. “Para além da expressão, fotografar foi um momento muito importante em que me senti útil. Creio que consegui com minhas imagens passar um pouco de tudo o que eu tinha na cabeça. A cidade ao meu redor, mas inalcançável. Como a vida 'acontecia' lá fora e como eu poderia fazê-la acontecer aqui dentro, como seguir em frente.”

Na visão de Martin, a série Das 6 às 8 direcionou a sua percepção para possibilidades que estavam e sempre estiveram dadas, mas nunca percebidas. “Olhar diferente para o que olhávamos sempre”, explica.

O ensaio Olhar Através, do repórter fotográfico Renato Chalu, se desenhou durante a rotineira limpeza de equipamento em seu estúdio. “O ensaio surgiu de forma experimental enquanto limpava o equipamento no estúdio. Ao perceber as imagens perdi o tempo necessário e fotografei uma tarde inteira suprindo uma necessidade física de fotografar. O isolamento criou o cenário propício para a execução do ensaio.”

Ele conta que durante a pandemia revisitou memórias e lembranças através das imagens, o que o levou a valorizar mais ainda os momentos vividos e instantes captados. “Percebi o valor das redes sociais para a fotografia, para a arte pós-moderna e para o meu trabalho. A arte sempre em movimento com as transformações agora transcende as fronteiras para além dos suportes e nos desafia, em um cenário caótico, a ser criativos – a essência de um artista.”

Renato relata que durante o período de isolamento social em que produziu o ensaio, passou por um momento de reflexões, entre elas a sobre o papel da arte na sociedade. E é assim que ele compõe seus trabalhos. “O isolamento altera o espaço-tempo deslocando o sujeito e o objeto da realidade abstraindo a forma de olhar para o que está perto de nós e não conseguimos enxergar. Podemos ressignificar, transcender a realidade que nos cerca e continuar transformando”, conclui.

“A fotografia naturalmente nos faz ter um olhar um pouco mais sensível, apurado, digamos, a gente tende a olhar as coisas no detalhe, e certamente o isolamento trouxe isso com mais intensidade ainda, com mais sensibilidade” conta Magali Moraes para falar sobre como o olhar cotidiano ganha outra dimensão na situação do isolamento social. “A pandemia nos fez olhar para as mesmas coisas, agora com um olhar mais cuidadoso, lembrando da finitude da vida, então a gente olha como se fosse olhar pela última vez, acho que o isolamento trouxe muito isso.”

Ela produziu o ensaio Quarentena Emoldurada, em que se colocou em sua janela a fotografar os movimentos das janelas dos outros. “A pandemia estava em um momento de pico e isso fez com que a gente vivesse em um isolamento social bem restritivo, foi aí que as famílias, pessoas, começaram a ir para as janelas e sacadas, e então com essa movimentação surgiu a ideia de registrar e eternizar esse momento que estávamos vivendo”, relata Magali.

O resultado são as vidas acontecendo dentro das molduras que são as janelas. E, para a fotógrafa soteropolitana, o movimento trouxe reflexões pessoais também. “Certamente o período de quarentena transformou muita coisa, e a fotografia não passaria sem ser impactada, então a forma de olhar a fotografia, a importância da eternização dos momentos, eu acho que a quarentena trouxe muito isso. Além disso, apresentou a importância do trabalho da fotografia... Nesse momento eu passei a olhar a fotografia com ainda mais responsabilidade, levando em consideração o papel fundamental que ela teve na vida das pessoas nesse período.”

Com curadoria de André Seiti e Anna Carolina Bueno, a série analisa algumas fotografias selecionadas pelo edital Arte como Respiro. Os textos são uma pequena amostra do que será apresentado na publicação que reúne todos os escolhidos na categoria Artes Visuais e que será lançada em dezembro de 2020.

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