por Amanda Rigamonti

 

A cantora e compositora Ekena lançou , seu primeiro disco solo, em novembro de 2017. A construção do álbum foi feita especialmente durante sua gravidez e após o nascimento de Gael e o trabalho fala muito de sua vida e de suas relações – com começos, recomeços, amores, relacionamentos abusivos, luta contra o machismo e momentos felizes.

foi, para Ekena, uma salvação e um grande desabafo. “Eu estava no fundo do poço e o disco me salvou, ele me devolveu amor próprio, paz, serenidade, e eu soube, a partir dali, que era capaz de seguir em frente”, conta. Paralelamente a esse trabalho, a cantora passou por um processo de descobrimento de si, formando novos laços e criando um canal no YouTube, o Fala, Ekena.

Em entrevista, a artista trata desses recentes processos e descobertas, de quem a inspira e de alguns dos “nós” que vem desatando.

Você pode falar um pouco sobre os "nós" que desatou nesse seu primeiro disco?
Acho que o mais importante deles foi a forma como me entreguei a esse disco e ao processo de composição dele como um todo. Eu estava no fundo do poço e o disco me salvou, ele me devolveu amor próprio, paz, serenidade, e eu soube, a partir dali, que era capaz de seguir em frente. Meu maior nó desatado foi me aceitar e me amar.

Quem fez a arte da capa do CD? Como foi essa construção?
Foi a Luiza Guedes quem fez toda a identidade visual do disco, e foi uma construção maravilhosa. Contei pra ela o que significava aquele disco – que para mim era o nascimento de mais um filho – e o quão transformador ele era –, e ela captou perfeitamente o que eu quis passar.

Você fala da canção “Todxs Putxs” como uma música de descarrego após um relacionamento abusivo. Como funciona esse lugar da música como cura pessoal de quem a compõe?
Acho que a música em qualquer escala cura; ela tem esse poder de identificação com o outro – eu canto e você escuta o que lhe cabe naquele momento. Como compositora, digo que sou uma ótima “vomitadora” de palavras e sentimentos; minha cura é tornar externa a dor interna e fazer dela arte. Assim dói menos, até não doer mais!

Sobre composição, em uma entrevista você diz que as pessoas estranham que você componha sua própria música, e não um homem. Qual é a raiz dessa pressuposição machista? Você acredita que eles prefiram que você não esteja compondo?
Acho que normalmente as pessoas estão acostumadas com mulheres à frente dos vocais, porém sendo apenas intérpretes. Ninguém gosta muito de ver mulher falando o que ela está a fim de falar, as pessoas têm medo de nós ainda [risos].

Seu processo de composição de parte das canções do disco foi após o nascimento de Gael, certo? Como a maternidade tem influenciado a sua carreira, os seus processos ou mesmo como você é tratada pelos colegas de trabalho?
Eu compus muito durante a gravidez e, depois que ele nasceu, aprendi a fazer a tal "música fast food", durante os 50 segundos em que preparava a comida ou enquanto amamentava [risos].

Fiz em meio a uma mamada noturna, e foi desafiador. Ele [Gael] me ensinou a ser melhor como pessoa e a não ter medo da vida, me fez querer vencer por ele e não mais só por mim. Ele é minha pessoa predileta no mundo todo, minha inspiração diária e meu guitarrista predileto. Acho que hoje em dia a galera me respeita mais, eles pensam “Pô, ela é mãe, né, não tá pra brincar” [risos].

Você tem um novo canal no YouTube, o Fala, Ekena. Como veio essa ideia e qual é a proposta de ingressar nessa outra mídia?
Eu sempre me comuniquei bem e senti a necessidade de começar a falar e a me expressar sem ser na música apenas. Sou inquieta mesmo, preciso fazer mil coisas ao mesmo tempo porque odeio ficar com tempo livre! Mas achei necessário falar com meu público e com um novo público mais diretamente, como se fosse um olho no olho, um “senta aqui que a mãe quer conversar”. E tem sido bom e muito positivo poder ter essa troca e receber a ajuda de mulheres como a Mariana Torquato [Vai uma Mãozinha Aí?], a minha "irmã gêmea" Luiza Junqueira [Tá Querida], a Alexandra Gurgel [Alexandrismos] e a Ariel Mançanares [Ariel Mançanares], que participa deste show comigo, além de outras mulheres incríveis.

No vídeo “Como Eu Aprendi a Amar Meu Corpo” você coloca sua mãe para contar a história dela. Quanto ela e essa experiência que viveu tiveram influência na sua formação?
Minha mãe é minha referência de mulher empoderada bem antes de eu saber o que isso significava! A história de vida dela e a forma como ela sempre lidou com a deficiência física e com as coisas casuais do mundo me fizeram ser quem eu sou. Ela me chacoalha, sabe? Não me deixa desistir, nunca me desamparou e me fez ser uma grande mulher. Eu tenho orgulho de ser filha dela e de poder compartilhar com ela essas vitórias.

Sobre o processo de se amar, você conta que foi algo bem recente, coisa de um ano atrás. Pode falar um pouco sobre como foi e o que a ajudou a entender essas questões?
Há cerca de um ano eu conheci a Luiza Junqueira, um amigo me apresentou dizendo “Olha aqui sua irmã gêmea perdida que você sempre quis ter”, e aí eu comecei a segui-la meio que numa forma de salvação para o que eu sentia. Venho de um histórico triste de compulsão alimentar e bulimia, e eu não queria mais que as pessoas me elogiassem por ser magra, sendo que elas nem imaginavam o tanto que aquilo custava à minha saúde para estar no padrão do corpo perfeito. Eu queria me libertar e ser feliz, e a Luiza me fez enxergar que era possível ser mesmo se eu fosse gorda.

Não foi fácil no começo, mas um dia, depois de muito treino diário, sorriso falso no espelho e blusa escondendo os braços, eu dei meu grito de “Caramba, eu te amo muito, Ekena, você é foda!” e aquilo foi, pela primeira vez, sincero. Aí eu entendi todas as minhas questões antigas e as piras que tinham me levado até ali. Hoje eu digo que sou 99% feliz, porque 100% não dá para ser. Se desse, eu juro que minha barrinha de felicidade estaria lá.

Chama atenção que no disco você não aborda essa questão do corpo, se não me engano. É um tema muito doído de falar durante esse processo? Você acha que ele pode vir a aparecer em seus próximos trabalhos?
Eu comecei a me analisar e a analisar recentemente, e um amigo disse que “Juro Juradinho” poderia ter sido escrita pro meu antigo corpo e a mudança toda, e como eu jurava não me enjoar mais. Acho que tudo é questão de ponto de vista. “Abismo” é para a minha vó que faleceu, mas poderia ter sido escrita para a Ekena de dois anos atrás, desta Ekena para aquela Ekena. “Bem Te Vi” também, quando eu digo "Bem te vi chegar assim quieto / mas não tenho pressa, amor assim não há de curar / e eu sei esperar, cada segundo perto é mais que desencontro / ergue essa bandeira e deixa eu te encontrar de novo / tem mais de você no meu riso / do que você pode imaginar", poderia ser uma conversa com essa desconstrução do corpo, e de como o amor próprio jamais nos abandona.

Acredito que o próximo disco vá ser mais interpessoal; talvez eu queira me abrir mais e compor com outras pessoas ou talvez eu continue sendo essa fossa de ser humano feliz que escreve música de “bad romântica” [risos].

Quem a inspira, não só musicalmente, mas na vida?
Hoje em dia a Luiza – falei demais dela, né? –, minha mãe, o Yuri, meu marido, o Gael, minha avó Lula, as mulheres fortes que encontrei no caminho, a LaBaq, musicalmente e na amizade eterna, meu pai, pela força e pela persistência mesmo depois de tantas portadas na cara, as mulheres reais, essas que estão sentadas na plateia do meu show, que me seguem no Instagram, que estão atrás dos caixas no mercado, na fila do pão, essas mulheres lindas sem ou com maquiagem. Elas me inspiram sempre.

Você pode dizer uma coisa que queria ter ouvido na adolescência e que agora pode ser um recado seu para as meninas dessa faixa etária?
Eu vou dizer uma coisa que eu ouvi na verdade e que levo para a vida: você pode ser o que você quiser. Não se importe com o que a mídia diz sobre o seu corpo, cabelo, cor de pele, seja você, se ame, corra atrás dos seus objetivos e sonhos e conquiste-os. O caminho é árduo, mas a linha de chegada é certeira.

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onde: Itaú Cultural