por Duanne Ribeiro

O legado de Abdias Nascimento é forte e ecoa. Para muitos, ele é visto como a personificação da luta antirracista no século XX no Brasil. A seguir, entenda como grupos que pensam questões raciais nos dias de hoje reverberam as principais ideias de Abdias sobre essa luta constante. Nesta entrevista, fala Jé Oliveira, fundador do Coletivo Negro.

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Cena de 'Farinha com Açúcar ou Sobre a Sustança de Meninos e Homens', com o Coletivo Negro | imagem: Ivson Miranda

 

Como você vê a luta atual contra o racismo e pela afirmação da identidade negra? O que tem mudado, o que ainda precisa mudar?

A luta está avançando aos poucos. Precisamos fazer a lei ser cumprida. Racismo é crime, e isso ainda precisa ser efetivado. É de se estranhar que em um país racista como nosso não haja casos de prisões por racismo, o que demonstra certo entendimento permissivo e despreocupado por parte das autoridades do país.

Hoje temos um pouco mais de representatividade em áreas que contribuem para a formação de um novo imaginário, o nosso teatro está forte, a presença de negros e de questões negras nesses ambientes vem trazendo novas possibilidades de pluralização e invenção de mundos. Há 15 anos, isso não existia na cidade de São Paulo. Não temos público, temos irmãos e irmãs que compartilham proposições, dores, saberes e sonhos. Mas, de toda forma, ainda precisamos ocupar alguns lugares que nos são caros: lugares onde acontecem as tomadas de decisões.

Como as atividades do Coletivo Negro se encaixam nessa luta? O que vocês conseguiram transformar com seu trabalho?

 As obras do Coletivo Negro atuam na instância do simbólico, na intenção de transbordar para o concreto. Nossa presença nos palcos da cidade contribui efetivamente para a democratização das possibilidades de representação e destitui um pouco o monopólio sobre a subjetividade e as representações teatrais. Isso é mudança efetiva feita com muito empenho coletivo por grupos como: Os Crespos, Capulanas Cia. de Arte Negra, Bando de Teatro Olodum, Grupo Quizumba, Caixa Preta, etc. Fazemos parte disso e estamos todos aliançados com esse avanço.

Como lutar contra o racismo, seja na cultura, seja na política, seja no cotidiano? O que cada um de nós pode fazer?

Lutar contra o racismo é algo cotidiano, é se impor na rua, não tolerar algumas ações, não achar natural ser seguido no mercado, por exemplo. É lutarmos pela efetivação da Lei nº 10.639/03, que versa sobre a obrigatoriedade do ensino de questões sobre a história e a cultura afro-brasileira. É efetivarmos e ampliarmos o direito a cotas. Existem muitos modos, desde os mais amplos e coletivos até os mais ligados às subjetividades. O racismo devastou todos os campos da nossa vida social e afetiva, então, descolonizar o olhar sobre si mesmo, sobre as suas características físicas, por exemplo, é combater o racismo assim que se olha no espelho, antes de se olhar no e pelo olho de alguém. É tudo muito complexo e profundo.

Como veem o legado de Abdias Nascimento? Conhecem seu trabalho, ele os influenciou de alguma maneira, traz algo que lhes interessa?

Sim, o Abdias foi e é importante para nós. Por meio do Teatro Experimental do Negro foi possível começar a pensar sobre a necessidade de se arquitetar um discurso em primeira pessoa, que nos tirasse da condição de objeto e da superficialidade com que o negro era representado em cena até a primeira metade do século XX. Estamos todos colhendo os frutos dessas pegadas deixadas por eles. As nossas preocupações iniciais ainda são muito próximas às do TEN.

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