Claudi Carreras: “O papel de reflexão que o Fórum traz a cada três anos é da maior importância”
29/04/2019 - 09:00
por Cassiano Viana*
Para o fotógrafo, pesquisar e curador catalão Claudi Carreras, a porta de entrada para a América Latina foi a primeira viagem que fez, aos 18 anos, para a Patagônia. Apaixonado por aquela imensidão, decidiu percorrer, a partir do sul da Argentina, toda a América Latina.
Pouco tempo depois, uma viagem de um ano e meio por todos os países do continente lhe permitiu entrar em contato com mais de 500 fotógrafos latinos e entrevistá-los para seu doutorado sobre fotografia latino-americana. O resultado da pesquisa foi a publicação de Autorretrato da América Latina, livro que percorre as múltiplas realidades da região a partir do seu olhar e de fotógrafos locais.
Em 2007, foi convidado para integrar, como consultor, a comissão de organização do Fórum de Fotografia de São Paulo, ainda em sua primeira edição. Posteriormente, o catalão passou a dividir a curadoria do evento e da exposição com outros nomes.
Como curador internacional, qual a importância do Fórum para a fotografia, em especial para a fotografia na América Latina?
O Fórum sempre foi um dos mais importantes pontos de encontro dos produtores culturais da fotografia da América Latina, com um papel fundamental dentro da estrutura da criação visual do continente. Ele foi um detonador de muitos encontros e projetos – não foi, continua sendo. A partir dele, nos últimos anos, foram realizados projetos de livros e pesquisas, ideias foram formatadas, relações foram fomentadas, garantindo a possibilidade de troca e intercâmbio, ampliando o sentido de criação visual de diferentes lugares.
Depois de ter efetivado as redes de criação de imagens na América Latina, agora é o momento de levar o evento para um terreno mais afetivo e ver como essas redes podem gerar influências, apoios e estratégias para mudar aquilo que não gostamos em nossa sociedade.
O Fórum é um termômetro da realidade que nos permite refletir sobre o papel dos criadores visuais na nossa região durante esses tempos. Ele teve vários temas, de identidade e significado da latinidade a questões de memória, história e arquivo.
Desde o princípio, contou com um aporte de reflexão quase acadêmico. O papel de reflexão que o Fórum traz a cada três anos é da maior importância. A trianualidade é interessantíssima pois o tempo entre os eventos permite que as ideias se assentem e assim conseguimos perceber as transformações ao longo dos anos.
O que diferencia o Fórum de outros eventos internacionais como o Paris Photo, que parece ter um viés mais comercial?
O Paris Photo tem uma perspectiva mais comercial, sem dúvida. É o principal local de encontro da fotografia internacional do ponto de vista comercial e de vitrine para os fotógrafos. As pessoas participam do evento para se mostrar, muito mais que para refletir e pensar.
O Fórum também é um ponto de encontro fundamental. As pessoas participam cada vez mais do evento para falar: estamos aqui, somos criadores de imagens da América Latina. No entanto, não podemos deixar de pensar nele como um espaço de geração de novas estratégias. Portanto, somos um espaço de reflexão, um evento mais intelectual que propriamente comercial.
Um dos grandes objetivos do evento é gerar um fluxo de informações, consolidar redes e conexões e promover o contato entre fotógrafos e editores, além de internacionalizar a produção dos fotógrafos latino-americanos. Esse objetivo tem sido alcançado?
O objetivo de gerar uma rede é construir coisas. E no caso do Fórum esse objetivo foi absolutamente atingido, ancorando e facilitando muitos projetos ao longo dos anos.
Existem resultados tangíveis e quantitativos que podem ser demonstrados, como o número de profissionais e pessoas que participaram dos eventos. Mas existe um resultado intangível e qualitativo que é ainda mais importante: a mudança de perspectiva dessas pessoas. Esse resultado, para mim, é sempre muito mais interessante.
Qual a ideia por trás do tema da exposição deste ano (Ainda Há Noite)?
Creio que o tema deste ano do Fórum não deva ser entendido meramente como uma resposta à situação complicada que o Brasil vive. O mundo todo vive um período complicado e de confronto com essa pós-verdade e essa realidade paralela que poucos entendem. Isso é algo que não está acontecendo apenas aqui. Está acontecendo na Espanha, na Colômbia, no México, nos Estados Unidos, em muitos lugares.
Teremos, na exposição deste ano, fotógrafos com uma trajetória consolidada e fotógrafos que pela primeira vez participam de uma mostra internacional fora de seu país. A proposta que fizemos aos criadores – e que faremos aos expectadores – é pensar a noite como um instante de reflexão.
A noite, em sua intimidade, seus sonhos, pesadelos e desejos, é um espaço para pensar o dia, o que se fez ou deixou de fazer. Ou seja: temos a noite para repensar o dia, falar com nossos fantasmas, entender nossos medos. Temos a noite para tentar mudar o dia seguinte.
Não é simplesmente entrar na escuridão. Tem a ver com esperança, com algo propositivo, construção de propostas e saídas.
Quais as novidades do Fórum neste ano?
Estamos repensando formatos, analisando tudo o que já fizemos e o que surgiu dos últimos encontros para chegarmos a formas de funcionamento mais coletivas.
Creio que estamos em um momento em que os paradigmas precisam ser mudados. Estamos cansados de ouvir o outro falar sem termos a possibilidade de gerar uma discussão, um diálogo. Por isso, estamos pensando um formato onde escutar seja mais importante do que falar. Onde pensar seja mais importante que verbalizar. Onde olhar seja mais importante que ver.
A grande mudança da produção cultural está na transformação. O mundo está muito complicado. Agora é o momento de repensar algumas coisas, de desaprender axiomas.
O Brasil mudou nos últimos 12 anos. A América Latina mudou nos últimos 12 anos. O mundo mudou. O Fórum mudou e vai mudar mais. É preciso sempre se adaptar a novas realidades e o Fórum tem uma capacidade incrível de se reinventar e perpetuar a magia do encontro pessoal e criativo.
Estamos mudando paradigmas. A leitura de portfólio, por exemplo, passa a se chamar Compartilhe Seu Portfólio. Deixa de ser uma revisão de trabalhos e passa a ser uma forma de compartilhar experiências. A Maratona de Edição também tem como objetivo analisar as várias formas de narrativa visual, as várias formas de contar uma história, as muitas formas de ver a realidade.
Com certeza teremos um evento incrível neste ano.
*Cassiano Viana é jornalista e editor do site About Light.