A importância dos centros de memória para as instituições e para a sociedade
12/08/2015 - 17:53
Márcia Pazin
Os centros de memória empresarial são um espaço relativamente recente de preservação do patrimônio histórico das organizações. Nascidos a partir do conceito de centro de documentação – nome técnico dado às entidades responsáveis pela coleta, análise e preservação de informações sobre determinado tema –, os centros de memória têm se desenvolvido bastante ao longo dos anos 2000 como mecanismo de preservação da memória das organizações, sejam elas empresas ou entidades, visando, entre outras coisas, potencializar o seu uso como ferramenta estratégica de gestão.
Um centro de memória é uma área, setor ou unidade – dentro de cada instituição – que tem como objetivo reunir, organizar, conservar e produzir conteúdo a partir da memória institucional, presente tanto na documentação histórica da organização quanto na memória de seus colaboradores e de outros atores relacionados à vida institucional.
Além do aspecto documental, das informações contidas em documentos de arquivo, coleções bibliográficas e objetos, preservados por seu valor histórico, a memória de uma organização está também nas pessoas. Uma parte significativa do trabalho realizado nos centros de memória é justamente coletar a memória dessas pessoas, utilizando diversas ferramentas e metodologias de registro, como a da história oral, com a realização de entrevistas. Esse acervo construído é importante também pelo uso que se pode dar a ele.
O acervo histórico preservado, quando tratado adequadamente, é fonte para o desenvolvimento de projetos, serviços e produtos variados, dando apoio às ações institucionais. Podemos delimitar três grandes áreas em que a memória pode contribuir com a organização.
A primeira delas é a reputação institucional. A ideia de que a memória de uma organização pode ter um uso estratégico para a sua administração é um conceito novo. Gradativamente, ao longo dos anos, a memória tem sido percebida como um fator importante para a reputação das organizações, ao demonstrar como os valores e a missão institucional podem ser responsáveis, em diferentes momentos, pelo fortalecimento da imagem institucional junto ao público externo.
Mas há outras duas áreas – a cultura organizacional e a gestão do conhecimento – que podem se beneficiar grandemente com a existência de uma área voltada à preservação e divulgação da memória da organização.
É essencial perceber como a cultura organizacional influencia a própria existência da organização. A memória institucional – entendida como a representação que o grupo faz do próprio passado, construída a partir dos dados de sua trajetória – pode demonstrar a importância de cada colaborador dentro do contexto institucional. É o que chamamos de pertencimento. Conhecer a história na qual se insere dá novo sentido ao trabalho desempenhado pelas pessoas e pode transformá-las em agentes de fortalecimento da cultura.
Há bastante tempo administradores estudam os mecanismos de gestão e preservação do conhecimento produzido nas organizações. Criam-se ferramentas para gerenciar a produção de conhecimento, estabelecem-se mecanismos de gestão da informação e repositórios para que essa informação seja preservada. Mas há uma lacuna na gestão da informação e do conhecimento em longo prazo. Como garantir a existência de um local em que, além da informação produzida, seja mantida também a inteligência sobre o uso dessa informação/conhecimento para uso futuro? Esse tem sido um grande desafio para os gestores.
Os centros de memória podem ter um papel valioso nesse processo, desde que sejam criados mecanismos eficientes de gestão e comunicação da informação e do conhecimento produzidos pela organização. Ele pode se tornar um local que promova o acesso à informação qualificada, fomentando a circulação e a troca de experiências entre diferentes atores institucionais. É comum que uma informação seja produzida mais de uma vez, pelo desconhecimento de sua existência prévia no interior da organização.
Durante muito tempo, o conhecimento produzido pelas organizações foi denominado memória técnica. Em projetos de gestão de qualidade, era comum a criação de um repositório de informações – normas, relatórios, desenhos – que possibilitassem sua reutilização. A grande questão desses repositórios era justamente a limitação de seu conteúdo, circunscrito às atividades produtivas.
A existência de um organismo institucional que possa receber e tratar informações estratégicas produzidas pela organização em diversas áreas pode ser uma ferramenta fundamental para a gestão do conhecimento produzido e acumulado ao longo do tempo.
Esses elementos justificam a preocupação com a preservação e a disseminação da memória institucional. Mas a implantação de um centro de memória não é algo que se faça do dia para a noite. É necessário o cumprimento de uma série de etapas que vão demonstrar o compromisso estratégico da organização com sua criação. É necessário que a alta direção esteja envolvida como elemento de validação e de apoio às ações. Por isso, o centro de memória não deve ser um setor subordinado a uma área qualquer; deve ser tratado como uma unidade de assessoria, que possa atender a qualquer área/setor/departamento dentro da organização, independentemente de sua posição hierárquica.
A formação da equipe também é um fator de sucesso. Uma equipe multidisciplinar, que envolva profissionais de diversas áreas do conhecimento, como historiadores, arquivistas, documentalistas, conservadores, comunicadores, designers, relações-públicas e educadores, entre outros, possibilitará a existência de diferentes visões sobre a memória da organização, além de contribuir com metodologias específicas para aplicação ao trabalho técnico.
Além da organização do acervo, o contato com a organização como um todo, visando a exteriorização do conhecimento ali gerado, o desenvolvimento de produtos editoriais e gráficos de comunicação ou as ações educativas devem ocorrer de maneira coordenada entre os diversos profissionais, de modo a garantir o maior aproveitamento do conteúdo produzido.
Por fim, a infraestrutura também é um ponto essencial. Trata-se normalmente da característica mais visível do centro de memória, que deve ser instalado de acordo com as ações que se pretende desenvolver. É necessário que exista uma reserva técnica, caso o centro recolha documentos. É necessário que existam servidores e uma boa rede de dados, caso o objetivo seja desenvolver suas atividades em ambiente digital. É necessário que haja um espaço de encontro, se a ideia for que seus usuários utilizem o centro de memória como local de reflexão, pesquisa e troca de informações.
É por isso que entendemos que a existência de um centro de memória pode ser justificada não só pela preservação da memória da instituição, mas também por sua utilização como repositório e disseminador do conhecimento organizacional.
Marcia Pazin
Doutora e mestre em História Social pela Universidade de São Paulo, é bacharel em História pela mesma universidade. Especialista em Organização de Arquivos, pelo IEB/USP. Docente do curso de Arquivologia no Depto. de Ciência da Informação, da Faculdade de Filosofia e Ciências/UNESP – campus Marília. Foi responsável técnica de Códice - Memória & Arquivo Ltda e Gerente de Documentação e Projetos da Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. Atuou como docente no curso de pós-graduação em Gestão Arquivística da Fundação Escola de Sociologia e Política-FESPSP e do no curso de Especialização em Organização de Arquivos do Instituto de Estudos Brasileiros-IEB/USP. É autora de diversos artigos e do livro Arquivos de organizações privadas: funções administrativas e tipos documentais.