por Duanne Ribeiro

A história do projeto Arquivo Kamayurá, apoiado pelo Rumos 2017-2018, é uma história de saberes voltando para casa. Consiste na recuperação, pelo povo Kamayurá – um dos que habitam a região conhecida como Alto Xingu, no Mato Grosso –, de registros da sua cultura. Com a morte de alguns dos “livros vivos” da aldeia – os mais velhos –, além de um incêndio que atingiu, em 2012, uma oca onde estavam guardados materiais históricos, tornou-se necessário um novo gesto para manter vivos os conhecimentos tradicionais.

Assim sendo, duas lideranças dos Kamayurá – Mayaru Kamayurá e Kanawayuri Leandro Marcello Kamaiurá – planejaram contatar e visitar pesquisadores que haviam estado na principal de suas aldeias e que registraram, em foto e filme, as suas práticas culturais. “Juntos pensamos um modo de recuperar esses materiais que fosse cuidadoso e seletivo”, escreveram os proponentes no texto submetido ao Rumos. Esse cuidado engendrava várias perguntas: “Quais os registros que nos interessam? Quem são os amigos que poderiam nos ajudar? Como é possível usar esses registros? Como explicar isso nas nossas aldeias?”.

Na base do Arquivo Kamayurá estava, portanto, uma reflexão sobre que materiais eram necessários nesse momento, como eles deveriam ser recepcionados e como toda essa empreitada precisava ser comunicada à comunidade. O projeto deveria fazer, então, um arco entre o reconhecimento dos registros disponíveis e a apresentação ao povo.

Dado isso, foram previstas viagens a São Paulo, Santa Catarina e Bahia, para ver os acervos dos antropólogos Carmen Junqueira (São Paulo/SP), Rafael Menezes Bastos (Florianópolis/SC), Pedro Agostinho (Salvador/BA), Etienne Samain e Lucy Seki (Campinas/SP). Os quatro primeiros já foram contatados. Os indígenas também visitaram nos últimos meses o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), de modo a conhecer procedimentos profissionais de conservação. Em outubro, irão para a capital baiana e, em seguida, promoverão uma oficina na aldeia para apresentar os resultados.

O Arquivo Kamayurá consiste em informar a comunidade sobre esses materiais. Futuramente, pode ser levado à aldeia conteúdo digitalizado. Os originais permanecem em posse das instituições, que têm estruturas de conservação mais estabelecidas. Em entrevista ao site do Itaú Cultural, o grupo responsável pelo projeto pareceu satisfeito; estava animado com as perspectivas de reaver cantos e expressões da sua língua. Disse Marcello que podiam agora “analisar as nossas pinturas antigas, ouvir os áudios dos nossos avôs, para que a gente se espelhe e corrija o que foi se perdendo”.

Marcello propõe um “uso coletivo e analítico” do conteúdo recuperado. Além da oficina, será produzida uma publicação com um compilado do que foi descoberto e uma reflexão sobre esse processo. Essas ações concluem o projeto inscrito no Rumos, contudo o trabalho amplo do Arquivo Kamayurá prossegue. Há expectativa de realizar outras viagens – possivelmente a acervos de Goiás, Rio de Janeiro e Paraná, por exemplo. Também se pensa na elaboração de um espaço, na aldeia, dedicado a disponibilizar os saberes da tradição.

A história do projeto Arquivo Kamayurá é, assim, uma história de elos refundidos e que seguem sendo conectados a novos elos. Além disso, evidencia o papel que a construção de saber, a pesquisa, tem na defesa do que as sociedades guardam de mais valioso.

Veja também
Anápuáka Tupinambá é indígena, usa barba, bigode e óculos de grau.

Anápuáka Tupinambá – Mekukradjá

Anápuáka Tupinambá, um dos fundadores e coordenadores da Rádio Yandê, fala sobre as tecnologias de comunicação indígena, da pintura corporal à produção audiovisual