por André Bernardo
Morto no dia 4 de abril, aos 81 anos, Pretextato Taborda Ribas Neto, o Tato Taborda, era um jornalista dos mais respeitados. Com passagem pelas redações do Última Hora e do Jornal do Brasil, cobriu o lançamento da Apollo 11, na Flórida, em 1969, e a Copa do Mundo de 1970, no México. Entre outras proezas, entrevistou o temido policial Mariel Mariscot, suspeito de fazer parte do Esquadrão da Morte. O que pouca gente sabe é que, em 1979, Tato realizou o sonho de dirigir seu primeiro longa-metragem, Vai à Luta, em Salvador, na Bahia.
A inspiração para excursionar pelo cinema partiu de Manoel Henrique Pereira (1895-1924), o Besouro. Reza a lenda que, certa vez, o lendário capoeirista, cercado de policiais, sumiu no ar. Um deles, atordoado, teria perguntado: “Viu para onde ele foi?”. O outro, mais atordoado ainda, teria respondido: “Vi, sim. Virou besouro e saiu voando!”. “Besouro tinha corpo-fechado para metal. Por essa razão, escapava de diversos atentados a bala. Só morreu com um golpe de faca feita de palmeira ticum”, explicou Tato Taborda à época, em entrevista ao repórter Aramis Millarch (1943-1992), na edição de 10 de agosto de 1980 de O Estado do Paraná.
Para o papel de Besouro, Taborda escalou Mário Gusmão (1928-1996), o primeiro ator negro formado pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Entre outros trabalhos, atuou em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963), de Glauber Rocha; Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), de Bruno Barreto, e Tieta do Agreste (1996), de Cacá Diegues. Em breve, um pouco da história de Taborda, Besouro e Gusmão será contada em Pesquisa sobre o Longa-Metragem Ficcional Vai à Luta, da dançarina Paula Beatriz Carneiro da Silva Dias, de 38 anos.
Tesouro arqueológico
A ideia de produzir um documentário a partir do filme Vai à Luta começou em 2015, quando, a pedido de sua avó, Paula resolveu ajudar na mudança de casa, em Curitiba. Lá pelas tantas, revirando o baú de filmes e fotos de seu falecido avô, encontrou três caixinhas de slides. Logo, descobriu que eram o still de Vai à Luta. Mas como aquelas fotografias foram parar lá? “O Tato foi marido da minha tia Heloísa”, explica. Com aquele “tesouro arqueológico” em mãos, procurou o fotógrafo Lúcio Mendes, responsável pelo registro das filmagens. Segundo ele, Vai à Luta estreou em um festival italiano em 1980, mas nunca chegou a ser exibido no Brasil.
No verão de 2015, Paula tentou contato com o diretor, mas não foi bem-sucedida. Quando explicou o motivo da ligação, Tato se recusou a atender ao telefone. “Através do recado transmitido por sua esposa, Maria, avisou que não tinha interesse em falar do filme.” Mesmo assim, Paula não desistiu. Pelo contrário. Começou a entrevistar outros nomes do elenco e da produção. O primeiro, aliás, foi o próprio filho do Tato, que é compositor e assinou a trilha-sonora de Vai à Luta. “Tato Júnior ficou entusiasmado. Tanto que nos ajudou a marcar uma entrevista com seu pai para meados deste ano. Infelizmente, ele faleceu em abril”, lamenta.
Depois da morte do diretor, Tato Júnior e os irmãos se reuniram e, em comum acordo, autorizaram o acesso de Paula ao material guardado na garagem do pai: 40 latas de negativos, copiões e fitas magnéticas. “Por um lado, lamento que não tenhamos encontrado a cópia integral do filme. Mas, por outro, essa obra permanece em aberto, o que nos dá brechas para mergulharmos em um processo de recriação e atualização”, avalia.
Paralelamente a esse trabalho de resgate de todo e qualquer material visual, textual ou sonoro, Paula continuou a entrevistar os remanescentes do filme, como os atores e capoeiristas Sérgio Dias e Ubirajara de Almeida, e alguns membros da equipe técnica, como a produtora Maria Monteiro, o técnico de som Jorge Saldanha e o fotógrafo Lúcio Mendes. Aos poucos, ela descobriu a razão de Tato, lá atrás, ter declinado de seu convite. “Pelo que pude perceber, ele teria ficado frustrado com as dificuldades em distribuir o filme”, diz.
Segundo a reportagem de O Estado do Paraná, Vai à Luta foi rodado em apenas 17 dias e consumiu cerca de 50 mil dólares. “Devo confessar que estou no prejuízo”, admitiu Tato ao repórter. Além de produzir, Tato escreveu, dirigiu e fez uma ponta como o líder dos terroristas que planejava acabar com a festa do Senhor do Bonfim. A empolgação era tanta que Tato já tinha em mente três outros filmes da série. Mas, diante da falta de incentivo e de distribuição, desistiu do projeto. “Terminada a etapa da pesquisa, vamos elaborar o roteiro. Nosso objetivo é realizar um documentário ficcional e explicar como essa obra veio à tona na atualidade”, afirma Paula.