por Carlos Costa
A luta da comunidade ribeirinha Boa Esperança em busca de diálogo sobre o projeto de reurbanização da área onde vivem – Programa Lagoas do Norte – é o tema central do trabalho verdeVEZ, do artista visual Maurício Pokemon, selecionado pelo Rumos Itaú Cultural 2017-2018. O assunto alimenta a produção de Pokemon há quatro anos e foi visitado em outras duas criações: Existência (2015) e Quintal (2016). E atravessa a vida das 3.800 famílias que habitam a Avenida da Boa Esperança, na zona norte de Teresina (PI).
Para além da questão política e dos resultados da peleja – a comunidade não aceita as propostas municipais de reurbanização da área e repudia a desapropriação das casas onde moram –, suas histórias e seu modo de vida estão preservados nas imagens produzidas por Pokemon. Com apuro estético e dedicação, o artista conseguiu o oposto da ação do poder público: o reconhecimento e a anuência da comunidade.
A poucos metros do encontro dos rios Parnaíba e Poti, uma das principais áreas turísticas de Teresina, está a comunidade, periférica e que reclama ser alijada da assistência municipal. Energia elétrica e água encanada, por exemplo, chegaram ao local, respectivamente, nas décadas de 1980 e 1990, bem depois de outros bairros da cidade.
Grande parte dessa população se estabeleceu no local há mais de 20 anos (os mais antigos atestam 50 anos) e fez do Rio Parnaíba uma fonte de recursos. Entre os habitantes estão descendentes de remanescentes de quilombos e sobreviventes do povo indígena Poti, sistematicamente abatido durante a ocupação da capital piauiense. O historiador Raimundo Filho “Novinho”, que pesquisa a história da região e é sobrinho de líderes comunitários, foi convidado para participar do trabalho e atesta a veracidade dos fatos apresentados.
Pokemon descobriu tudo isso aos poucos. O interesse surgiu passando de ônibus pela avenida e lendo frases de resistência em pichações nos muros, como “A luta que se perde é a que se abandona” ou “Lagoas do Norte para quem?”. Outras são direcionadas diretamente ao prefeito e o conjunto devassa a questão, que parece ser comum em outras ações higienistas de reurbanização implementadas a despeito da opinião das comunidades locais.
O artista começou a frequentar o local. A conhecer pessoas. E, nesse primeiro ano, fez Existência: retratos em tamanho natural de pessoas simples da comunidade colados como lambe-lambe em muros de regiões valorizadas da cidade. “O objetivo era mostrar quem eram essas pessoas e multiplicá-las”, explica. O projeto circulou por nove estados da Amazônia Legal, Curitiba (PR) e Gent e Bruxelas (Bélgica).
Em Quintal, o artista conseguiu o Prêmio de Criação em Artes Visuais 2016 de Teresina (PI) e seguiu a trilha de aproximação com a comunidade, realizando retratos dessas pessoas em seus quintais, a maioria deles à beira do Rio Parnaíba.
Desta vez, a ideia madura persegue a criação de contextos, intercâmbios e abertura de discussões sobre a cidade. O projeto teve início com uma convocatória pública de artistas interessados em colaborar em uma residência de quatro semanas com Pokemon e o artista e professor Alexandre Sequeira. Foram escolhidos Malcom Jefferson (PI), Davi de Jesus do Nascimento (MG), Camila Svenson (SP) e Adriano Machado (BA), acompanhados pelo pesquisador-morador da comunidade Raimundo Novinho.
O resultado, além das experiências pessoais dos envolvidos (artistas e população local), foi uma exposição no espaço CAMPO arte contemporânea, em que Pokemon é artista residente desde a sua abertura. O Inventário Verde da Boa Esperança reuniu 107 fotografias do artista nas quais o verde é uma presença constante e que revelam, com beleza e dignidade, os personagens e a paisagem de uma luta que não será abandonada.