por André Bernardo

Em 2013, as produtoras culturais Alana Silveira e Lívia Cunha foram convidadas a organizar ações em homenagem ao centenário de Anton Walter Smetak (1913-1984). Versátil, Smetak foi músico, compositor, escritor, dramaturgo e escultor. Nas horas vagas, ainda inventava instrumentos musicais feitos com materiais para lá de inusitados, como cabaças, isopor e tubos de PVC. Ao longo dos anos, criou mais de 150 desses “instrumentos-esculturas”. Nos anos 1960, sua oficina de experimentação sonora passou a ser frequentada por nomes da MPB como Gilberto Gil e Tom Zé, e, na década seguinte, ele chegou a gravar dois álbuns: Smetak (1975) e Interregno (1980), o primeiro deles produzido por Caetano Veloso.

A efeméride passou, mas o fascínio de Alana e Lívia pela obra do suíço erradicado na Bahia não. Tanto que nascia ali a ideia do projeto InstruMentes – Música para (Re)Invenção. “Smetak plantou em nós a semente de que música de invenção, feita a partir de instrumentos inventados e/ou não convencionais, é a chave para o despertar de uma nova consciência e a construção de um novo mundo”, afirma Alana. “O nome do projeto, inclusive, é uma referência a Smetak, que dizia que, se cortássemos a palavra instrumento ao meio, encontraríamos o real sentido desse objeto: instruir mentes”, completa Lívia.

O projeto InstruMentes pode ser dividido em cinco ações: oficinas de experimentação musical e criação de instrumentos; encontro entre músicos-inventores; laboratórios de (des)construção de "instrumentes"; ocupação plástico-sonora; e websérie sobre músicos-inventores. Melhor dizendo: seis. Nenhuma das ações anteriores teria sido possível se, antes, Alana e Lívia não houvessem reformado o Espaço Coaty, na Ladeira da Misericórdia, no centro histórico de Salvador (BA). Depois de três anos fechado, o Espaço Coaty, que tem projeto arquitetônico assinado pela italiana Lina Bo Bardi (1914-1992), reabriu suas portas no mês passado, para a primeira apresentação pública do projeto InstruMentes. “Cada ação teve sua dificuldade, mas uma parte bastante trabalhosa foi a requalificação do Espaço Coaty. Depois de três anos de abandono e alguns roubos, fizemos uma requalificação ampla, envolvendo toda a parte elétrica e hidráulica”, explica Alana. “A ideia é integrar as mentes criativas de diferentes cidades a um local de grande peso histórico para nós, soteropolitanos, envolvendo gente, arte e a cidade, de forma fluida e profunda”, arremata Lívia.

A primeira ação do projeto se propõe a oferecer três oficinas gratuitas de experimentação musical, luteria não tradicional e programação musical voltada para jovens músicos dos projetos sociais Quabales, Neojiba, Projeto Axé, Didá, Rumpilezzinho e Pracatum. “Cada etapa carrega um desafio diferente. No caso das oficinas, foi muito simples compor as turmas, formadas, na maioria, por integrantes de projetos sociais. Mas, considerando que são atividades gratuitas, nosso esforço foi para minimizar a famosa evasão. Escolhemos a estratégia de criar vínculos, ou seja, entramos em contato diversas vezes, conversando sobre a importância do comprometimento. Assim, tivemos uma evasão quase nula em todas as oficinas”, observa Alana.

A segunda etapa visa promover, a cada mês, o encontro de uma dupla de músicos-inventores. São eles: Fernando Sardo (SP), Bella (RJ/SP), Victor Valentim (BA/DF), Marco Scarassati (SP/MG), Sofia Galvão (PE) e Roberto Michelino (SP). “Todos eles têm em comum a solidão durante seus processos criativos e a busca por novas sonoridades. Em ateliês ou em home studios, passam pelo isolamento e, por essa razão, nossa proposta foi criar um ateliê coletivo, para provocar a saída da zona de conforto e incentivar novas trocas”, teoriza Alana.

A cada “encontro-residência”, os artistas convidados estimulam a criação de instalações sonoras e instrumentos inusitados. Cada dupla de músicos-inventores vai ocupar por cinco dias o ateliê montado no Espaço Coaty. “Chamamos de inusitados os instrumentos não tradicionais. Podem ser de corda, sopro ou percussão, mas criados a partir de materiais não convencionais, como sucata ou outros materiais orgânicos e eletrônicos, como circuitos sonoros fotossensíveis. Enfim, inusitado no sentido de novo, fora do comum”, esmiúça Lívia.

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Paralelamente ao encontro, cada músico-inventor deve apresentar uma proposta de atividade aberta ao público. “Essas apresentações ganharam o nome de CaoSonâncias”, conta Alana. Ao término de cada encontro, os instrumentos e/ou as esculturas sonoras criados serão expostos ao público no Espaço Coaty. À quarta etapa do projeto suas idealizadoras deram o nome de Ocupação Plástica-Sonora. “Entendemos que nosso grande desafio é a formação de público. Sem uma grande tradição na visitação de exposições e devido ao desconhecimento de muitos sobre a reabertura do espaço, nossos esforços hoje se voltam para a tentativa de formar grupos de visitação, garantindo assim o fluxo de pessoas na exposição”, observa Lívia.

A quinta e última etapa é a produção de uma websérie em três episódios, de 13 minutos cada um, com o objetivo de apresentar os músicos-inventores e revelar um pouco da troca nos “encontros-residências”. As idealizadoras do projeto conseguiram o apoio do Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que forneceu parte do equipamento e disponibilizou alunos do curso de graduação para ajudar nas filmagens. “A maior dificuldade, certamente, é a distribuição. A disponibilização dos documentários está garantida nas plataformas gratuitas e de fácil acesso, como as redes sociais, mas nossa intenção é aumentar seu alcance e, se possível, exibi-los em cineclubes, por exemplo”, afirma Alana. Ao todo, o projeto contempla três oficinas, dois encontros-residências e dois eventos abertos ao público – todos já concluídos. Em agosto será realizada a exposição, e em setembro será lançada a websérie.

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