Em produção, documentário explora a trajetória do ator Jofre Soares
21/02/2019 - 17:13
por Thiago Rosenberg
Em 1961, o cineasta Nelson Pereira dos Santos visitou o município de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, para rodar sua adaptação do romance Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos. Parte do elenco – encabeçado por Átila Iório – chegara do Sudeste com o diretor, e a outra parte já estava lá: como fazia desde a produção de seu longa-metragem de estreia, Rio, 40 Graus (1955), Nelson aproveitou o talento de alguns dos habitantes locais. Um deles, oficial aposentado da Marinha, se apresentava como palhaço no circo da cidade e se chamava Jofre Soares. Tinha 43 anos e dava início assim a uma carreira que marcou o cinema brasileiro. Até morrer, em 1996, o ator participou de quase uma centena de trabalhos, assinados por nomes como Glauber Rocha, Roberto Santos e Cacá Diegues.
Também natural de Palmeira dos Índios, o historiador Ailton da Costa Silva Júnior pretende abordar a trajetória de Jofre em um documentário. A iniciativa, que tem o apoio do programa Rumos Itaú Cultural, está em fase de produção – a ideia é que o roteiro esteja concluído no segundo semestre de 2020. Nesta etapa, Ailton diz contar com a orientação do cineasta Beto Brant, autor de longas como O Invasor (2002), Cão sem Dono (2007) e Pitanga (2017) – este último um documentário focado em outro grande ator brasileiro, Antonio Pitanga, que contracenou com Jofre em obras como Os Pastores da Noite (1976), adaptação do romance homônimo de Jorge Amado dirigida pelo francês Marcel Camus.
“O documentário explora o ambiente circense e a atuação de Jofre em peças de teatro locais”, comenta o diretor, “e em seguida mergulha no universo cinematográfico”. Para investigar aquele período inicial e pouco conhecido da carreira do ator, Ailton recorre sobretudo à memória dos cidadãos mais antigos de sua cidade. “Estamos em contato com acervos particulares aqui em Palmeira dos Índios, de amigos e pessoas que trabalhavam no circo com o Jofre”, revela, “mas é pouco provável que existam registros audiovisuais dessa época”.
Depois de Vidas Secas, Jofre atuou em outros filmes de Nelson Pereira dos Santos – como Memórias do Cárcere (1984), mais uma vez com base em obra de Graciliano Ramos. Um depoimento do cineasta, assim, mostrou-se necessário logo no estágio de elaboração do projeto. Mas a morte do artista, em 2018, alterou o plano inicial.
“Já havia entrevistado o Nelson em 2010 para o meu trabalho de conclusão do curso de história, no qual analisei o filme Vidas Secas e sua ligação com o romance de Graciliano Ramos”, lembra Ailton. “A notícia de seu falecimento fez com que considerássemos a realização de entrevistas com o filho do diretor, Ney Santana, que hoje é responsável pelos direitos autorais das obras do pai, e com Luiz Carlos Barreto, fotógrafo que trabalhou frequentemente com Nelson e era amigo do ator.”
Difícil dizer se Jofre encarava de maneiras semelhantes suas atuações no circo e no cinema – ou se a transição de um campo para o outro alterou suas noções e ambições. “Talvez uma resposta venha à tona no decorrer da pesquisa”, diz Ailton. “O que se sabe, de acordo com depoimentos de conhecidos e com entrevistas publicadas em jornais locais, é que Jofre não cobrava pelas apresentações no circo. Atuar era a sua paixão.”