por Stéfane Souto

Resumo: A partir da compreensão de que existe um cenário emergente de narrativas negras e indígenas no âmbito da gestão cultural contemporânea no Brasil, o presente trabalho busca entender de que formas esse campo se apresenta, na atualidade, como um meio possível para o fortalecimento da produção cultural indígena e afrodiaspórica, contribuindo para a tessitura de um devir coletivo.

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O campo cultural é espaço de imaginação e criação radical de realidades outras. É terreiro de reencantamento e sacudimento do mundo. Por esse motivo, áreas de atuação como a produção e a gestão cultural vêm ganhando novos significados para além de suas atribuições tradicionalmente técnicas, ligadas à administração de equipamentos e à execução de projetos artísticos e culturais.

Colocadas em perspectiva por agentes culturais que vivenciam cotidianamente as condições impostas às populações negras e indígenas no interior do regime de desigualdade racial que estrutura a sociedade brasileira, tais áreas se tornam espaços táticos de atuação implicada no campo da cultura e favorecem, com seus códigos, meios e instrumentos, a expressão cultural, a produção e difusão de saberes ancestrais e a elaboração de narrativas insurgentes anticoloniais.

O campo cultural é espaço de imaginação e criação radical de realidades outras. É terreiro de reencantamento e sacudimento do mundo.

Para compreender esse movimento e sua relevância, é importante ressaltar que, historicamente, a cultura é a dimensão pela qual as relações de poder, de dominação e de exploração são estabelecidas, uma vez que é nesse âmbito que os discursos acerca do coletivo são elaborados e pactuados nas constituições das sociedades. Assim, ao dominar uma narrativa e torná-la hegemônica, um determinado grupo social passa a ditar as noções de verdade que colonizam o ser, o saber e o poder, conforme expõem as teorias decoloniais formuladas no Sul global.

Nesse sentido, alienar os sujeitos dos seus saberes e da sua cultura, promovendo esquecimento e fragmentação, é uma das formas mais eficientes de aniquilar um povo sem necessariamente exterminar (todos) os seus corpos, pois “uma vez alienado, desvia-se a produção de significados sobre sua cultura para os sujeitos que não vivenciam, e, pelo contrário, aproveita-se da cultura agora explorada semiótica e economicamente” (OLIVEIRA, 2009).

No Brasil, não é difícil entender como tal dinâmica se estabelece e opera ao mirar exemplos como o samba, a capoeira e as práticas rituais sagradas de matriz ameríndia ou africana. Nesses casos, como em tantos outros, a produção artística e cultural dos grupos sociais racializados e marginalizados é primeiramente criminalizada, quando praticada dentro das suas comunidades de origem, para, em seguida, ser convertida em “símbolo nacional” e diluída sob o signo genérico de “cultura popular”. Ou seja, esses são exemplos de apropriação abusiva por parte do sistema cultural hegemônico regulado pela branquitude, aqui entendida como “a normatividade monocultural e monolíngue que classifica expressividades e linguajares criativos e originários do existir liminar do negro como práticas ‘fora do lugar’” (TAVARES, 2020).

Desenho de uma aldeia yanomami, vista de cima, com uma construção grande em formato de círculo no centro da imagem e outras cinco moradias em volta do círculo. Os telhados são de palha. Ao centro a imagem, têm algumas pessoas em volta de uma fogueira e outras se circulando pela aldeia. Em volta a representação da floresta.
Ensaio Artístico Revista Obs 32 | Mauricio Negro - Aldeia Yanomami (imagem: Mauricio Negro)

Nesse fluxo, muitos e muitas artistas negros e negras e, mais recentemente, artistas indígenas tornaram-se expoentes da representatividade de suas raízes culturais ao disputar e ocupar espaços hegemonicamente brancos nos circuitos artísticos. No caminho aberto a facão por essas pessoas, é inevitável observar a emergência de uma gestão cultural contemporânea em perspectiva afro-indígena,[1] ou seja, uma prática de gestão atuante no campo da cultura orientada e referenciada pela confluência dos saberes indígenas e afrodiaspóricos.[2]

Entendendo o conceito de insurgência como o encontro entre a resiliência – reconstrução tática a partir dos cacos despedaçados pela violência colonial – e a transgressão – invenção de novos seres para além do cárcere racial, do desvio e das injustiças cognitivas (RUFINO, 2019) –, a emergência da gestão cultural em perspectiva afro-indígena se revela como um movimento insurgente à medida que avança na política da representatividade para criar novos estatutos de existência e regimes de representação.

a emergência da gestão cultural em perspectiva afro-indígena se revela como um movimento insurgente à medida que avança na política da representatividade para criar novos estatutos de existência e regimes de representação

Por meio da criação de coletivos, casas, plataformas e laboratórios, ou seja, de modelos organizativos diversos capazes de dar suporte à experimentação e à expressão criativa de forma expandida e multidisciplinar, agentes culturais negros(as) e indígenas assumem posições de gestão à frente de iniciativas de impacto potencialmente estruturante, se comparadas a ações e projetos que não raro têm um curto prazo de vida.

Ao se distanciarem da rigidez dos espaços institucionais de cultura, esses agentes fundam formas inovadoras de atuação, mais alinhadas aos seus propósitos e princípios, e se apropriam dos instrumentos de produção necessários para criar as condições básicas de desenvolvimento de suas propostas, desde a idealização até a efetiva realização, incorporando assim um pensamento processual que pode aumentar as chances de continuidade e perenização dos projetos. Nesse movimento, a introdução de uma lógica de gestão nos processos criativos se apresenta como um caminho para a mobilização de sentidos e para construções alternativas.

a introdução de uma lógica de gestão nos processos criativos se apresenta como um caminho para a mobilização de sentidos e para construções alternativas

Embora o termo gestão cultural, em comparação com produção cultural, seja pouco utilizado fora da esfera da institucionalidade pública da cultura no Brasil,[3] o pungente cenário que se manifesta na atualidade tem como protagonistas os movimentos culturais sociopolíticos que se dedicam a reconfigurar as relações entre as diferenças a partir de paradigmas outros, e aponta para uma necessária ressignificação desse termo.

Historicamente investido de uma aura superiorizada, muitas vezes, o título de gestor cultural não é utilizado por aqueles que corporificam suas ideias e imprimem suas vivências e identidades no trabalho que realizam. No entanto, quando despido de camadas e camadas do ranço colonial que desconecta o pensamento do corpo e suprime pluralidades, é possível entrever que o ato de gestar nada mais é que o movimento de imaginar, semear, cultivar e, enfim, conceber.

Assim, a gestão cultural é um trabalho que se realiza no processo, e seu tempo é o do gerúndio: atravessando, vivenciando, cultivando e gerando. Ocupar-se dela é emprenhar-se de um devir. A gestão cultural é o terreiro no qual as culturas negras e indígenas podem invocar sua força criativa e a partir do qual operam o reencantamento do mundo.

Não faltam exemplos nesse sentido. A pesquisadora e artista multidisciplinar potiguar Naymare Azevedo, fundadora da Ayabá Produtora Criativa e Audiovisual e idealizadora da Afrotonizar, plataforma de formação, imaginação política e produção de narrativas criativas negras e indígenas, realiza um trabalho que materializa a discussão aqui proposta. Sobre o conceito que orienta a sua ação, ela enuncia:

Sugiro afrotonizar como o ato de mapeamento das feridas coloniais e a prática de curas. [...] Afrotonizar é uma energia-gesto de cura, que surge de um processo individual que não seria possível sem o coletivo. Sem a troca com os meus semelhantes, sem os espelhos que fizeram com que me enxergasse negra. Surge na tentativa de reintegração de posse do meu corpo e de todos os outros corpos não brancos. Surge do esforço de juntar os cacos espalhados sobre mim, sobre os meus semelhantes (AZEVEDO, 2021).

Portanto, Azevedo concebe “afrotonizar” como conceito-ação e, a partir disso e por meio da arte e da cultura, instaura processos de cura que levem os povos racializados a elaborar estratégias de livramento das violências coloniais e a construir outras possibilidades de futuro (AZEVEDO, 2021, p. 166). Dessa forma, a autora utiliza do lugar que ocupa nos campos da produção e da gestão cultural para mobilizar sentidos que atravessam o seu corpo e outros corpos afro-indígenas em direção a ações fundadoras de imaginários outros.

Desenho de um pavão, com a cauda ocupando metade da imagem. O fundo está em tons vermelhos e beges.
Ensaio Artístico Revista Obs 32 | Mauricio Negro - Pavao (imagem: Mauricio Negro)

Em sua ação mais recente, no ano de 2021, a plataforma Afrotonizar conectou pessoas negras e indígenas de diversas regiões do Brasil em um laboratório virtual e articulou encontros que se dividiram em dois momentos. O primeiro deles reuniu também artistas, pesquisadores(as), pensadores(as) e produtores(as), que conduziram um exercício de imaginação política em aulas remotas; e o segundo promoveu oficinas de experimentação e produção de narrativas por meio de linguagens como fotografia, audiovisual, mapping, realidade virtual, performance e multidisciplinaridades, resultando em um catálogo disponibilizado on-line.

Outro exemplo é o projeto Museu Vivo de Cucurunã, comunidade localizada em Alter do Chão, na cidade de Santarém, oeste do Pará. A iniciativa é um desdobramento do Museu da Silva, projeto criado pela artista e curadora Moara Tupinambá em 2019, nascido da investigação sobre suas origens indígenas. Em suas palavras:

Parte de meu trabalho, já há dois anos, tem sido desenvolver uma pesquisa que tem sido fundamental tanto para minha construção enquanto artista como pessoa: investigo minha origem indígena. Inicialmente comecei por levantamentos em artigos, dissertações e teses acadêmicas. Ao me aprofundar no tema, me deparei com discussões pertinentes ao modo como se construiu a história do Brasil e como ela é contada. Nesse processo me deparei com textos sobre a Retomada Indígena, o Retorno à terra e o processo de autoafirmação indígena na região do Baixo Rio Tapajós, na terra Indígena Maró, RESEX Tapajós, Arapiuns, Borari de Alter-do-chão. Esses estudos me impulsionaram, inicialmente, a entrevistar meu pai de modo a entender sobre a sua cultura e identidade indígena e assim entender melhor minha história. Esta pesquisa me motivou, no primeiro semestre de 2019, a viajar para a região onde meu pai nasceu, Cucurunã, e foi lá que comecei uma pesquisa mais profunda e reveladora sobre minhas origens e minha família, a família Silva.[4]

Nesse percurso, a artista se depara com uma realidade comum às pessoas que buscam suas raízes indígenas: o apagamento histórico e a escassez de registros e de documentação da experiência de comunidades tradicionais e originárias. Com entrevistas dirigidas e documentadas por fotos, vídeos e áudios gravados com os membros da comunidade, Moara Brasil deu início, na primeira fase da pesquisa, à documentação da memória de suas origens indígenas, reconstituindo a história provável dos seus avós por meio dos elos estabelecidos com amigos, parentes e com o próprio território, o que deu origem ao Museu da Silva. Em seguida, ela avançou para a fase dois, que teve como objetivo salvaguardar a memória da comunidade com a criação do Museu Vivo de Cucurunã.

Como tantas outras, ambas as iniciativas têm pontos em comum que fornecem algumas pistas sobre questões importantes quando falamos da gestão cultural empreendida na perspectiva afro-indígena. Em cada uma delas, está presente a implicação das pessoas que as realizam. A impressão das suas experiências e vivências é evidente no cerne das suas propostas, afirmando, ainda que implicitamente, o movimento de um corpo político, ou seja, de um corpo que é também território de ação insurgente e de representação de uma experiência coletiva, engajado na criação de espaços físicos ou simbólicos nos quais seja possível costurar o resgate da memória ancestral para a invenção de futuros possíveis.

Imagem de um rosto negro, com tranças para cima, nas pontas outros rostos igual ao maior. A figura está em tons de marrom, enquanto que o fundo está em vermelho.
Ensaio Artístico Revista Obs 32 | Mauricio Negro - Africa Fractal (imagem: Mauricio Negro)

Na gestão cultural em perspectiva afro-indígena, a ancestralidade ocupa lugar central. Sendo constantemente invocada como princípio filosófico de presença, manifesto na continuidade dos saberes que atravessaram oceanos, florestas e séculos de subjugação, “a ancestralidade como sabedoria pluriversal ressemantizada por essas populações em diáspora emerge como um dos principais elementos que substanciam a invenção e a defesa da vida” (RUFINO, 2019).

Como eixo constitutivo da experiência afro-indígena na contemporaneidade, a ancestralidade revela a dimensão presentificada das cosmovisões que orientam as proposições negras e indígenas em sua atuação no campo da cultura. Ubuntu e Teko Porã, por exemplo, são visões de mundo que se interseccionam na percepção da vida humana como parte de um todo. De origem bantu, ubuntu pode ser traduzido como “o que é comum a todas as pessoas” (NOGUERA, 2011) e orienta uma forma de existir segundo a qual a vida humana deve ser configurada coletivamente, pois pertencer a uma comunidade é o que confere sentido à vida (LOPES; SIMAS, 2021). Já Teko Porã, o bem viver dos Guarani Mbya, é “um conceito filosófico, político, social e espiritual que expressa exatamente essa grande Teia, onde vivemos em equilíbrio, respeito e harmonia. É a representação da boa maneira de Ser e de Viver” (TAKUÁ, 2018).

Como eixo constitutivo da experiência afro-indígena na contemporaneidade, a ancestralidade revela a dimensão presentificada das cosmovisões que orientam as proposições negras e indígenas em sua atuação no campo da cultura.

Atualmente, orientadas por cosmovisões que valorizam a integração da existência humana à experiência comunitária e biointerativa,[5] ao mesmo tempo que resistem à lógica hegemônica predatória que sobrepõe o capital financeiro à vida, iniciativas negras que se denominam quilombos urbanos ou quilombos culturais se multiplicam de forma plural. São projetos que buscam promover no campo da cultura o aquilombamento,[6] ou seja, a experiência de organização sociocultural negra africana inaugurada na história da diáspora, durante o período escravocrata, que se reconfigurou continuamente até alcançar os dias atuais como uma tecnologia ancestral.

Da mesma forma, vivenciamos o que Naine Terena chama de quarto momento da história indígena, quando “indígenas agenciam suas próprias ações via tecnologias (todas elas) com mais impacto, tendo destaque as mídias indígenas, a literatura, as artes, as ‘cosmoações’” (TERENA, 2021). Os grupos e indivíduos indígenas vêm produzindo contrainformação massivamente na disputa com as narrativas hegemônicas (TERENA, 2021), e os campos da cultura e das artes exercem papel central nesse movimento.

Com uma atuação cada vez mais plural e contundente, a gestão cultural na perspectiva negra e indígena existe e resiste na contramão do epistemicídio e do etnocídio, reeditando postos de colaboração interculturais no percurso de uma missão em comum: a promoção do reencantamento da vida a partir de uma política cultural insurgente e anticolonial.

 

Como citar este artigo: 

SOUTO, Stéfane. Gestão cultural na perspectiva afro-indígena. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 32, 2022. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/revista-observatorio/gestao-cutural-afro-negro-indigena. Acesso em: . DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.21/1

 

Stéfane Souto, mulher transatlântica em movimento, atua como pesquisadora, gestora cultural e produtora criativa. É graduada em produção cultural e mestra em cultura e sociedade pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), além de especialista em gestão cultural contemporânea pela parceria entre o Itaú Cultural (IC) e o Instituto Singularidades. Como estratégia de convergência entre pesquisa acadêmica, atuação profissional e engajamento pessoal e político, busca operar a partir de uma afroperspectiva, assumindo o aquilombamento como tecnologia ancestral capaz de referenciar uma prática de gestão insurgente, implicada e pluriversal nos campos artístico e cultural. É cofundadora da Denda Coletiva, grupo de produção cultural protagonizado por mulheres negras que parte da convergência criativa para atuar no desenvolvimento e na gestão de projetos autorais. Idealizou É tudo quilombo?, podcast que procura expandir o diálogo sobre a cultura como território possível de (re)criação do aquilombamento. 

 

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Naymare Santos de. Afrotonizar: estratégia de livramento, criatividade e processos de cura. Políticas culturais em revista, Salvador, v. 14, n. 2, p. 160-183, jul./dez. 2021.

LOPES, Nei; SIMAS, Luís Antônio. Filosofias africanas: uma introdução. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021.

NOGUERA, Renato. Ubuntu como modo de existir: elementos gerais para uma ética afroperspectivista. Revista da ABPN, São Paulo, v. 3, n. 6, p. 147-150, nov. 2011/fev. 2012.

OLIVEIRA, Eduardo David. Epistemologia da ancestralidade. Entrelugares: revista de sociopoética e abordagens afins, Fortaleza, v. 1, p. 1-10, 2009.

RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.

SANTOS, Antônio Bispo dos. Colonização, quilombos, modos e significações. Brasília: Incti/UnB, 2015.

SOUTO, Stéfane Silva de Souza. Aquilombamento: um referencial negro para uma gestão cultural insurgente. 2021. Dissertação (Mestrado em Cultura e Sociedade) – Instituto de Humanidades, Artes e Ciências, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.

TAKUÁ, Cristine. Teko Porã, o sistema milenar educativo de equilíbrio. Rebento, São Paulo, n. 9, p. 5-8, dez. 2018.

TAVARES, Julio Cesar (org.). Gramáticas das corporeidades afrodiaspóricas: perspectivas etnográficas. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020.

TERENA, Naine. Quarto momento, alianças afetivas, primavera indígena, entre outros enunciados para doutor não reclamar. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/secoes/colunistas/quarto-momento-primavera-indigena-enunciados. Acesso em: 16 mar. 2022.

 

 


[1] O termo afro-indígena não se refere a uma possível categoria identitária étnico-racial – tema que compreende uma ampla discussão, não abarcada neste artigo –, mas às aproximações e interseções presentes e possíveis a partir do encontro entre as perspectivas negras e indígenas no contexto cultural brasileiro.

[2] A noção de confluência aqui adotada pode ser entendida, conforme define o pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos, como a lei que rege a relação de convivência harmônica e colaborativa entre os diferentes elementos da natureza.

[3] Esse fato pode ser explicado por alguns fatores: a recente tradição dessa área de atuação no campo dos estudos sobre as políticas culturais; a forma como essa prática profissional se estabeleceu e se sistematizou como setor produtivo da cultura; e também o caráter elitista, supostamente neutro e distanciado do fazer cultural atribuído a essa função.

[4] Fala compartilhada por Moara Tupinambá em resposta à pesquisa Mapeamento aldeias e aquilombamentos culturais, realizada em 31 de março de 2022, para esta edição da Revista Observatório Itaú Cultural.

[5] Antônio Bispo dos Santos chama de biointeração a relação de integração entre todos os elementos do universo que sustenta o fluxo contínuo de energia orgânica. Segundo ele, é possível superar “os processos expropriatórios do desenvolvimentismo colonizador e o caráter falacioso dos processos de sintetização e reciclagem do desenvolvimentismo (in)sustentável, pelo processo de reedição dos recursos naturais pela lógica da biointeração” (SANTOS, 2015).

[6]  Com base na compreensão de Beatriz Nascimento, na qual o quilombo assume um sentido ideológico, o aquilombamento se apresenta como uma tecnologia simbólica, ancestral e cultural, própria da organização das comunidades negras e derivada da instituição quilombo. Operando como um continuum cultural, o aquilombamento se atualiza durante o seu percurso na história e produz diferentes formas de organização social, “criando possibilidades de existência alternativas às condições de opressão impostas no momento histórico e que compreende a fuga, a organização interna e o enfrentamento através da luta como forma de resistência, sobrevivência e produção de vida” (SOUTO, 2021).

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