Legendary Mother Zaila Candace Zion (Zaila Barbosa)
Prince Yaguarete Candace Ninja (Puri Santos)
Princess Cussy Candace Zion (Bruna Santos)
Audre Candace (Audre Verneck)
Johari Candace (Terra Terra)
Jordana Candace (Jordana Sandrin)
Cuxe Candace Lauren (Andiara Ramos Pereira)

Resumo: Neste ensaio, a Casa de Candaces apresenta a cultura ballroom – passando das movimentações iniciais da comunidade nos Estados Unidos à consolidação da cena no Brasil – e a sua proposta de atuação. A partir das falas de integrantes da Casa de Candaces, abordamos como é possível explorar as potencialidades de nossas corpas na comunidade, os desafios que cada ume experimenta e os conflitos, apontando caminhos possíveis para o nosso fortalecimento, sob a perspectiva do fazer cultural ancestral da diáspora negra que vivenciamos.

Capa da Revista Osbervatório 32, com as cores terrosa e verde claro.

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Onde tudo começou

Há poucos documentos históricos sobre a ballroom, cuja história é contada por quem a viveu e transmitida de geração em geração. De acordo com Tommie LaBeija (apud REGNAULT, 2011, p. 114), queens pretas que participavam de concursos de beleza, como Crystal e Peppa LaBeija,[1] deram início à cena ballroom estadunidense nos anos 1970, em Nova York. Elas se engajavam em atividades criativas que as forçavam a se embranquecer para participar dessas competições de maioria branca, sem espaço para expressarem a sua própria negritude. O racismo e o mundo branco provocaram a tensão que as levou a criar seus próprios mundos, organizando eventos nos quais as queens negras se sentiam confortáveis em competir entre si. Ainda eram concursos de beleza, com poucos prêmios, mas a coisa cresceu e mais e mais queens passaram a frequentar. Quando as butch queens[2] ouviram falar dessas mulheres lindas, começaram a assistir à performance da Peppa, com suas plumas e seu esplendor, criando um burburinho que se espalhou pelas ruas dos guetos nova-iorquinos. Peppa, então, criou categorias para incluir essas butch queens nos concursos – também porque elas traziam mais dinheiro para os eventos –, e foi assim que a cena ballroom começou, com a House of LaBeija como a primeira casa, segundo depoimento de Tommie LaBeija.

O racismo e o mundo branco provocaram a tensão que as levou a criar seus próprios mundos, organizando eventos nos quais as queens negras se sentiam confortáveis em competir entre si

Balls e a cultura de casas

Os encontros organizados pelas queens se popularizaram como balls, abreviação do termo ballroom. As balls são eventos que reúnem grupos de pessoas organizadas em casas para competir em categorias de performatividades de gênero e identidade sexual, performances de moda, atributos físicos e vogue. Inspirada nas poses de revistas de moda, nos hieróglifos egípcios, nas marchas militares, nas artes marciais e no breakdancing, trazendo linhas, simetria e precisão, a dança vogue ganhou destaque nessas balls – também chamadas de bailes. As demais categorias disputadas se dividem entre apresentações de dança, moda, estética e realidade, separadas também de acordo com o sistema de gêneros próprio da ballroom – com, por exemplo, categorias só para femme queens,[3] butch queens, transmen,[4] drag performance e women performance – ou por características físicas, como corpas pretas ou corpas gordas, além de também poderem ser open to all (OTA), abertas a todes. A primeira ball ocorreu em 1972, em Nova York, puxada pela House of LaBeija, na época liderada por Mother Crystal LaBeija.

Desenho de uma pessoa de perfil, com uma segunda deitada em seu colo. Ambas estão abraçadas. As imagens utilizam tons de preto, marrom e vermelho.
Ensaio Artístico Revista Observatório 32 | Mauricio Negro - Afeto 

As casas (ou houses) são estruturas simbólicas, e não casas físicas. São coletivos de pessoas com laços de afeto e parentesco platônico, compondo uma hierarquia semelhante à de uma família. Mães, pais, filhas, filhos e filhes formam sua base. Nas casas, temos espaço para dar vida ao nosso imaginário, existindo integralmente e sendo quem somos. Organizades dessa maneira, podemos resistir aos lugares sociais de marginalidade e abjeção nos quais a cisgeneridade branca nos coloca. As casas são o coração da ballroom, pois seus membros criam relações sensíveis entre si, que são também potência coletiva propulsora da organização das balls, da arrecadação de dinheiro para os prêmios, das batalhas contra outras casas e do registro da cena em produção textual e em filmes, entre outras atividades. Nas palavras de Cuxe Candace:

"Essa estrutura de parentesco critica e revisa radicalmente as noções brancas de casa, família e comunidade. As Casas são como santuários diaspóricos para aquelas pessoas que foram rejeitadas por suas famílias de sangue, pelas religiões e por instituições comunitárias, oferecendo um lugar de acolhida e suporte para que se possa viver coletivamente em meio a cultura queer negra. [...] [Mães e pais] fornecem cuidado e amor para as crianças das Casas, que se tornam irmãs e irmãos entre si. É uma função que exige comprometimento e compartilhamento de saberes. E o poder que se tem é adquirido através de anos de trabalho pela cena e aquisição de experiência" (PEREIRA, 2020, p. 78).

As casas (ou houses) são estruturas simbólicas, e não casas físicas. São coletivos de pessoas com laços de afeto e parentesco platônico, compondo uma hierarquia semelhante à de uma família

Partindo de uma hierarquia baseada em um trabalho de compartilhamento de saberes e de técnicas, a cultura de casas é um modo de organização típico da diáspora africana, que traz aspectos de cuidado e apoio mútuo, festividade, celebração da ancestralidade e criação de um presente que transcende a realidade precária à qual os corpos negros são submetidos no mundo branco.

Ballroom BR

O movimento de balls começou a ocorrer no Brasil em meados de 2010. As práticas e iniciativas relacionadas ao estudo da cultura ballroom vinham sendo desenhadas por artistas de danças urbanas e pioneires da cena kiki[5] no país, como Diego Cazul e Kona Hands Up Zion. Nessa época, foram fundadas as primeiras casas da cena kiki, como a Pioneer Kiki House of Hands Up, no Distrito Federal, e a Pioneer Kiki House of Cazul, no Rio de Janeiro. Em 2015, foi realizada a primeira ball internacional mainstream, a BH Vogue Fever, organizada pelas pioneiras Maria Barracuda Amazon, Paula Barracuda e Raquel Barracuda, integrantes do Trio Lipstick e mothers da kiki House of Barracuda, em Belo Horizonte.

No ano de 2020, a comunidade ballroom do Norte e do Nordeste se organizou e produziu um manifesto crítico à invisibilização da cena nessas regiões. A estruturação da ballroom None (Norte/Nordeste, @noneballroom) se mostra como fundamento da cultura no país, pelos estudos sobre a estética, a memória da comunidade e a intervenção política que contesta as desigualdades regionais de acessos e recursos, evidenciando o legado de figuras como a Pioneer Mother Edson Vogue, pioneira nos estudos de ballroom e vogue no Recife.

Em diversas ocasiões, percebe-se que nossa cultura ballroom não é simplesmente uma cópia do modelo estadunidense. Ela traz uma interpretação que dialoga com nosso contexto, relacionada às demandas que atravessam nossas corpas cotidianamente e às histórias que nos constituem. Ocorreu, por exemplo, a consolidação de categorias de competição como Samba no Pé e Joga a Raba nos bailes das cenas kiki e mainstream realizados no país. Mais recentemente, na cena kiki, foi criada também a categoria Capoeira Vogue. O forte questionamento à normatividade cis-hetero-branca de nosso território também impulsiona a cena, possibilitando que diferentes corporalidades celebrem suas existências nos bailes, com o protagonismo e as categorias para corpes não bináries e para pessoas trans que não possuem uma passabilidade cisgênero.

A imagem de quatro mulheres negras enfileiradas: a primeira é uma criança trançando o cabelo de uma boneca, seu cabelo é trançado pela menina de atrás, que também têm seu cabelo trançado pela terceira, que por sua vez tem seu cabelo trançado por uma mulher mais velha que representa alguma orixá com o rosto coberto por um chorão, feito de miçangas, preso ao adê (coroa).
Ensaio Artístico Revista Obs 32 | Mauricio Negro - Ancestralidade (imagem: Mauricio Negro)

Casa de Candaces

A Casa de Candaces foi fundada em junho de 2019, na Pajuball, um baile da cena mainstream realizado pelo Coletivo Amem[6] durante a Semana do orgulho TLGBQIAP+ em São Paulo. Essa casa nasceu da iniciativa da Mother Zaila Candace, que propôs uma coletividade composta de pessoas trans e travestis. O nome Candaces faz referência às rainhas mães do Reino de Cuxe, ao sul do Egito e ao norte do Sudão, região também conhecida como Núbia.
Atualmente, integram a Casa de Candaces Legendary Mother Zaila Candace; Prince Yaguarete Candace; Princess Cussy Candace; Audre Candace; Johari Candace; Jordana Candace; e Cuxe Candace. A casa se organiza a partir da hierarquia que fundamenta a ballroom, com mãe, príncipe, princesa e filhes, em respeito à história e à experiência na comunidade. Entretanto, há fluidez na maneira como se relaciona com as potencialidades coletivas – a hierarquia não se propõe a ser fixa e os papéis extrapolam um sentido fechado, possibilitando que, a partir de seu lugar, cada integrante enriqueça as movimentações e tome frentes de atuação. A Casa de Candaces se propõe a estar na cena kiki a partir do protagonismo de corpas transracializades, o que acontece de maneira orgânica e em diálogo com a comunidade cis da ballroom. O pertencimento à nossa casa parte da necessidade de construir um reconhecimento de que a ballroom é um movimento feito de muitas contribuições e do enaltecimento das vidas de pessoas transvestigeneres.

A Casa de Candaces se propõe a estar na cena kiki a partir do protagonismo de corpas transracializades, o que acontece de maneira orgânica e em diálogo com a comunidade cis da ballroom

As vozes de Candaces

Considerando a fala de integrantes, membres da Casa de Candaces aprofundaram algumas percepções e vivências relacionadas à ballroom brasileira, falando sobre o que é esse movimento, sobre como é possível explorar as potencialidades das nossas corpas na comunidade, sobre as nossas histórias na Casa de Candaces e o seu significado, sobre os desafios que cada ume vive e sobre os conflitos na comunidade e suas possíveis soluções.

A fala da Legendary Mother Zaila Candace, em sua formulação sobre a comunidade ballroom, traz sua dimensão ancestral e seu potencial de criação de novos mundos:

"Ballroom pra mim é uma possibilidade de construir uma nova narrativa e protagonismo a partir de pessoas pretas, dando uma largada, [...] um lugar de movimento, pertencente a corpas transvestigeneres principalmente travestis pretas. Uma possibilidade de existir em sociedade e coletivo, enquanto um resgate de um novo lugar, onde a gente idealiza novas coletivas e famílias e, assim, podemos existir no espaço que a gente idealiza no nosso imaginário e constrói na realidade, passando de geração a geração, trazendo as necessidades de cada momento que vive, país, contexto da cena" (Legendary Mother Zaila Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Uma possibilidade de existir em sociedade e coletivo, enquanto um resgate de um novo lugar, onde a gente idealiza novas coletivas e famílias e, assim, podemos existir no espaço que a gente idealiza no nosso imaginário e constrói na realidade (Legendary Mother Zaila Candace)

A importância do acolhimento é uma questão que atravessa as falas da Casa de Candaces, justamente porque a vivência na comunidade permite a cada pessoa uma experimentação de si, de sua autoestima e de potências de vida, como trazem as falas da Jordana Candace e do Prince Yaguarete Candace

"Ballroom pra mim é sobre acolhimento. Sobre você poder ser quem você é e quem você quiser ser também! É sobre você poder recriar famílias, ter afeto, criar conexões com pessoas, se arriscar, quebrar seus medos e também poder se ver viva(o/e) fazendo o que gosta, com quem você gosta! [...]
E não é só sobre acolhimento, mas também gera em mim acessos que nem eu esperava acessar… Como poder caminhar/desfilar em uma passarela para muitas pessoas, quebrando minha timidez, me ajudando a ser quem eu sou de verdade, mostrando a Jordana e a potência travesti que sou e que posso ser em todos os lugares! Venho me redescobrindo/reconhecendo em muitos fatores depois que entrei na casa
" (Jordana Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

"Eu acho que, dentro da cultura, o que mais incentiva minhas potencialidades é o vogue femme. Gosto muito e acho que atravessa muito a minha vida. Fala sobre a minha autoconfiança também, sobre a minha autoestima. E importa sempre movimentar, eu penso que tudo o que me bota em movimento me transmuta, me leva pra outros lugares assim. E o vogue femme me faz sempre querer mais, e isso me alimenta, me dá vontade de viver. [...] Penso que a ballroom fala muito sobre isso. Sobre autoestima, sobre se amar, sobre se sentir bem! (Prince Yaguarete Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Se o acolhimento é fundamental para que a comunidade ballroom se estabeleça e se multiplique, por outro lado, também tem limites. Prince Yaguarete Candace aborda o acolhimento de corpos transmasculinos e não bináries como um desafio a ser enfrentado pela comunidade:

"Muitas das vezes, as pessoas glamourizam e romantizam muito e não conseguem se aproximar ou também a comunidade não consegue acolher. [...] Sempre quando tem categorias pra corpas transmasculinas, ainda colocam a gente muito em alguns quadrados, ainda estereotipa muito os nossos corpos [...] e não faz a gente experimentar as nossas performatividades, as nossas corporalidades. Eu acho que pra mim, essa é uma das maiores problemáticas… como a gente provoca a corporalidade e experimenta as corporalidades dos corpos transmasculinos e não-binários dentro da cultura" (Prince Yaguarete Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Tal como Prince Yaguarete Candace, Princess Cussy Candace traz questionamentos à cultura da ballroom, sobretudo quanto às diferenças entre os espaços artísticos dos quais participa e a relação com a ballroom. Ela também faz uma reflexão sobre as possibilidades do corpo trans negro e gordo na cena:

"A ballroom pra mim é o espaço onde eu me sinto livre para falar e ser quem eu sou. Venho de uma vivência na cena drag de São Paulo e muitas das coisas que eu performo ou me posiciono dentro da ballroom, se fosse na cena drag, não seria bem visto, mas a ballroom me acolhe. Eu sou uma corpo gordo travesti [...], eu ainda sinto falta de outros corpos iguais a mim, por isso, todas as vezes que eu puder enaltecer minha corpo e das minhas (mesmo sendo poucas) eu irei fazer, caminhar em sex siren e body pra mim além de destruir mais uma vez esse padrão magro que até na ballroom existe, é uma celebração do meu corpo, de como o meu corpo é tão potente e lindo como vários outros" (Princess Cussy Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Desenho das cabeças de duas pessoas negras, colocadas em posições invertidas, olhando para lados opostos. Ambas estão com tranças esvoaçantes com miçangas em branco, amarelo e vermelho. O fundo está em tons marrons.
Ensaio Artístico Revista Observatório 32 | Mauricio Negro - Cabeça Feita 

Também a fala da Mother Zaila mostra que estar presente na cena e caminhar nas categorias nem sempre significa qualidade e acerto; trata-se também de errar, de sair da zona de conforto e experimentar o corpo em risco, sujeito a atravessamentos múltiplos:

"O meu corpo investiga [as potencialidades na ballroom] a partir do lugar que me coloco, enquanto mother e quando me coloco pra caminhar. Me permitir entender como consigo lidar com os atravessamentos, qualidades, erros, entender esse lugar não só como cura e acolhimento, mas de deixar o corpo sujeito a se atravessar" (Mother Zaila Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Ela sinaliza, ainda, que não há soluções definitivas para os conflitos e que a comunidade nem sempre dá conta do acolhimento, cabendo olhar com responsabilidade para a questão do autocuidado e da rede de apoio de que nossas corpas precisam para se sustentar:

"Eu acredito que o importante é que estamos em construção e então não existe uma parada resolutiva de como lidar com isso, estamos discutindo ainda. O que eu trago aqui é realmente não romantizar e esperar que a ballroom vai salvar todo mundo, que vai acolher todo mundo a todo momento. Claro que estamos trabalhando para isso, mas ainda não temos isso enquanto estrutura já estabelecida, estamos preparando alicerce e, assim, já levantando algumas coisas, mas é muito alicerce ainda que está sendo preparado. Então, acredito que existem as demandas da cena e é só a gente olhar para isso com mais atenção e responsabilidade, que eu acredito que a gente vai enxergar o caminho a ser seguido. Acredito que tem toda uma preparação de corpo transvestigeneres que precisa ser feita, todo um empoderamento, toda uma segurança, autonomia, saúde que essas corpas precisam receber. Não dá pra falar de cultura de baile se a comunidade não está alinhada e pra frente dentro dessas questões, então, é voltar pra trás, pensar no autocuidado e na rede de apoio para essas pessoas, acho que isso é o mínimo que a gente pode fazer" (Mother Zaila Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

Acredito que tem toda uma preparação de corpo transvestigeneres que precisa ser feita, todo um empoderamento, toda uma segurança, autonomia, saúde que essas corpas precisam receber (Legendary Mother Zaila Candace)

Essa questão do acolhimento, assim, aparece como um desejo, um objetivo a ser perseguido na comunidade e, ao mesmo tempo, um reconhecimento de que ainda não chegamos lá. Porém caminhamos para isso, entendendo que muito é preciso ser feito para que as corpas trans racializades encontrem um lugar de segurança não apenas na ballroom, mas também num mundo que nos nega acessos à segurança e à saúde, além de autonomia e autodeterminação. A ballroom trabalha para podermos ser integralmente. 

Retornando sempre à ancestralidade, em meio aos nossos erros, acertos e contradições, finalizamos com a visão da Legendary Mother Zaila Candace, que sintetiza a importância do protagonismo de nossas corpas e da prosperidade das nossas movimentações:

"Eu tinha necessidade de criar esse movimento, coletiva, kiki house, a partir de uma necessidade que eu sempre identifiquei de ter esse protagonismo a partir do lugar onde a gente consegue entender que somos potentes, somos um todo e podemos, sim, podemos fazer o recorte de pessoas trans acontecer. O maior movimento que eu poderia fazer pela cena é ter idealizado e aberto essa kiki house que é tão potente, rica, linda, especial na minha vida. Representa um resgate, eu me ver em meus filhos… a soma, o apoio, toda uma estrutura que esperava que a gente caísse e falhasse. E a gente caiu, venceu e falhou. E ainda estamos juntes, seguindo fortes nessa missão" (Mother Zaila Candace, arquivo privado da Casa de Candaces).

 

como citar este artigo

Casa de Candaces. Não queira! Ah, ah, Candaces! Notas da Casa de Candaces sobre a ballroom. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 32, 2022. Disponível em: https://www.itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/revista-observatorio/casa-candaces-cultura-ballroom. Acesso em: . DOI: https://www.doi.org/10.53343/100521.32/6

 

Audre Candace – travesti é caro, bb! Desde 2017, ao lado da coletiva multiartística e kiki Casixtranha, em Araraquara, no interior de São Paulo, articula performances, residências artísticas e a festa Tr4v4d4, que reúne artistas trans e negros na conexão 016-mundo. Coproduziu e protagonizou o documentário Morada das ixtranhas, lançado em 2019. Em São Paulo, desenvolve seu trabalho como artistrans independente em festas da cena eletrônica, estabelecendo também parcerias com outres transvestigeneres nas áreas de produção, música, cinema, fotografia e moda.

Cuxe Candace, também conhecida como Pousé Lauren, caminha nas categorias de Realness e Old Way Performance desde 2019, quando entrou no chapter Los Angeles da Legendary House of Lauren International. Em 2022, ingressou na Casa de Candaces, passando a integrar a cena kiki brasileira. Paralelamente, desenvolve tese de doutorado sobre suas vivências na ballroom pelo Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

Johari Candace é advogada, antropóloga e performer independente natural de Barroso, em Minas Gerais. Possui mestrado em antropologia com pesquisa sobre performances na diáspora afro-atlântica, dialogando com o trabalho da Cia. Os Crespos, grupo de teatro negro fundamental. É doutoranda em antropologia social. Entre 2017 e 2019, trabalhou com moda/performance junto ao Atelie Transmoras, vivenciando o potencial das corpas T em movimento coletivo e buscando fomentar essas redes. Em 2017, conheceu a ballroom em atividades do Coletivo Amem. Caminha na categoria Face e começou a estudar vogue femme, new way e dança afro-brasileira. É formada em Vinyasa Yoga pelo método Liquid Asana.

Jordana Candace (Jordana Helena Sandrin) tem 20 anos e reside do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo. É multiartista, atriz, dançarina, modelo e estudante de moda, área em que desenvolve pesquisa e produção de peças autorais. Conheceu o mundo da arte por meio do teatro e da dança aos 11 anos e, ao longo desse período, foi se conectando mais à moda, fazendo trabalhos como modelo e produzindo peças. Iniciou sua movimentação na ballroom na categoria Runway.

Legendary Mother Zaila Candace é artista independente, performer, professora e coreógrafa de danças urbanas. Nascida em 30 de julho de 1996, iniciou seus estudos sobre danças urbanas com o teatro musical, em 2008. No mesmo ano, começou a participar de festivais e de competições de dança no Brasil e no exterior. Atualmente, trabalha com performances que têm como base a quebra de padrões em âmbitos como a estética, o gênero e a sexualidade. Faz parte da House Of Zion, grupo de performers que desenvolve a dança voguing por meio de intervenções e encontros com a comunidade ballroom em São Paulo e em outros estados brasileiros.

Prince Yaguarete Candace nasceu em Barra Mansa, no interior do Rio de Janeiro, e começou sua busca artística com a arte de rua, período em que conheceu e construiu seu palhaço. Logo, passou a estudar as artes cênicas, produzindo e encenando espetáculos independentes. Aos 18 anos, mudou-se para a capital do estado e especializou-se em teatro físico, circo e performance. Em 2016, participou do BH vogue fever, começando sua busca com a cultura da ballroom. Viajou por Uruguai, Argentina e Paraguai, compartilhando vivências com artistas locais. Ao chegar à tríplice fronteira com o Brasil, na cidade de Foz do Iguaçu, fundou a coletiva Aranha Verde junte a outros artistes LGBTQIAP+ sulamericanes, desenvolvendo oficinas, performances, eventos, rodas de conversa e atividades culturais em geral. Atualmente, vive em São Paulo, onde segue transitando entre as possibilidades do seu corpo e do seu gênero e as suas multilinguagens.

Princess Cussy Candace (Bruna Santos) também é conhecida como Brunessa Loppez, Cussy Candace e Sexy Star Zion. É modelo e artista travesti do Capão Redondo, na Zona Sul de São Paulo, que atua como drag queen desde 2012. Importante performer da noite paulistana, é especializada em Bate Cabelo, Dublagem (LipSync) e coreografias, além de famosa pela impecável atuação como cover da cantora Lizzo. É também agente de prevenção de IST/aids no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) de Santo Amaro, navegadora de pares do projeto Manas por manas e integrante do Loyal, coletivo de moda periférica do Capão Redondo, no qual atua como modelo, performer e articuladora. Presente na comunidade ballroom desde 2018, caminha nas categorias Body e Sex Siren e já soma diversos grand prizes.

 

Referências bibliográficas

BAILEY, M. The labor of diaspora: ballroom culture and the making of a black queer community. 2005. Dissertação (Doutorado em African American Studies and the Designated Emphasis & Women, Gender, and Sexuality) – University of California, Berkeley, 2005.

CASA DE CANDACES. Ballroom, transcestralidade em movimento. O Menelick 2º ato, São Paulo, 2020. Disponível em: https://ims.com.br/convida/revista-o-menelick-2o-ato/casa-de-candaces/. Acesso em: 25 maio 2022.

CASA DE CANDACES; MUTATIS, Udney. Casa de Candaces – Marsha! Entra no CCSP. YouTube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7rnpJwrcdo0. Acesso em: 5 mar. 2021.

LUZ, Carmen. Técnicas de vida e morte: breves notas para dançar. O Menelick 2º ato, São Paulo, abr. 2020.

PERANDA, C. The doing of vogue: lgbt black & latina/o ballroom subculture, voguing’s embodied fierceness, and the making of a quare world on stage. 2010. Dissertação (Graduação em Comparative Studies in Race and Ethnicity) – Stanford University, California, 2010.

PEREIRA, A. Entre memórias de infância e crianças legendárias: gênero, raça e sexualidade dos primeiros anos à cena de ballroom & vogue estadunidense. Rebeh – revista brasileira de estudos da homocultura, v. 3, n. 9, 2020. Disponível em: https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/10468. Acesso em: 25 maio 2022.

REGNAULT, C. Voguing and the house ballroom scene of New York City, 1989-92. London: Soul and Jazz Books, 2011.

ZION, Fenix. A categoria de desfile runway figura feminina na comunidade afro-latina e LGBT americana ballroom: uma passarela contracultural. Cadernos cênicos: revista de teatro e outras artes, v. 2, n. 2, p. 26, 2020. Disponível em https://www.seer.ufal.br/index.php/CadCenicos/article/view/10585 acesso em: 10 junho 2022

 


[1] Crystal LaBeija foi uma mulher trans negra e drag queen. Ela compunha o circuito de concursos de beleza drag de Manhattan, em Nova York, sobretudo na década de 1970, quando foi uma das poucas negras a ganhar os títulos de Queen of the Ball e Miss Manhattan. Participou do documentário The queen (1968), que registra sua indignação em relação ao racismo nos concursos de que participou. Crystal foi uma das precursoras da comunidade ballroom e a primeira mother da Royal House of LaBeija.

Peppa ou Pepper LaBeija, uma pessoa trans negra, foi mother da House of LaBeija, por mais de 20 anos, e continuou o legado da house pioneira da ballroom por meio de seus mais de 250 prêmios ou grand prizes nas categorias, além de ter contribuído para a cena com cursos e vivências. Ela ficou conhecida por sua atuação no documentário Paris is burning (1990), enquanto ainda era mother da house.

Tommie LaBeija foi pai da Royal House of LaBeija durante muitos anos. Ele é grandfather e historiador da Casa.

[2] No sistema de gêneros da ballroom, classificação atribuída ao homem cis que se identifica como gay ou bissexual e pode ser masculino ou afeminado.

[3] No sistema de gêneros da ballroom, classificação atribuída a travesti, mulher trans ou mulher em transição, que esteja ou não em processo de hormonização e/ou feitura de cirurgias.

[4] No sistema de gêneros da ballroom, classificação atribuída a homem trans ou em transição, que esteja ou não em processo de hormonização e/ou feitura de cirurgias.

[5] A ballroom se divide em duas cenas, a mainstream e a kiki.  A mainstream é a mais antiga, composta de houses internacionais que possuem uma construção mais rígida e tradicional do movimento, e é marcada por uma maturidade maior. A kiki é a menor e mais fluida da ballroom, e compõe a cena local e regional de bailes, primeira forma de organização das houses no Brasil.

[6] O Coletivo Amem foi fundado no ano de 2016, a partir da articulação entre pessoas que tinham o desejo de organizar espaços de socialização confortáveis para um público negro, LGBTQIAP+ e feminino, onde a música negra de diversos gêneros e épocas e danças de diferentes estilos pudessem promover uma celebração, constituindo-se também numa plataforma de divulgação para artistas convidadas.

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