por Danilo Santos Miranda

 

Como gestor cultural, inicio estas considerações introdutórias assinalando o caráter estratégico da iniciativa de buscar ampliar e aperfeiçoar as formas de mensuração das contribuições da Economia da Cultura e das Indústrias Criativas (Ecic) para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.  

Preliminarmente, contudo, destaco a necessidade de ponderarmos de modo mais amplo acerca da importância das atividades culturais e criativas para o desenvolvimento humano e social no Brasil, com as oportunidades de sensibilização, criticidade, formação e invenção que elas facultam. Sem essa concepção de fundo, comprometida com o fulcro existencial e emancipatório da cultura, não é possível advogar em favor de sua relevância na vida dos cidadãos e cidadãs brasileiros – dado seu valor intrínseco.

Agrega-se a isso uma equação tripartida que, a despeito de sua aparente tautologia, faz enorme diferença se levada a sério: (1) a valorização dos setores culturais e criativos está subordinada à sua capacidade de influenciar a vida das pessoas; (2) a aferição dessa influência depende de como ela é medida em suas diferentes dimensões, logo, dos instrumentos usados para tal; (3) por fim, e nisso reside a principal contribuição desta revista, esses setores tendem a ser mais valorizados conforme conseguem elevar o grau de abrangência e precisão da mensuração de seus feitos.  

É sabido que essas realizações incidem na vida da população em termos de fruição, informação, entretenimento e elaboração simbólica. Seu impacto, todavia, também se processa na esfera econômica, uma vez que as práticas culturais e criativas representam fortes vetores financeiros, refletindo uma mudança de padrão nas formas de consumo, as quais têm sua ênfase cada vez mais deslocada dos produtos para os serviços.

Esse deslocamento, inclusive, é de suma importância para a atuação da entidade da qual faço parte na condição de diretor do Departamento Regional de São Paulo, o Serviço Social do Comércio (Sesc), na medida em que essa instituição se relaciona precisamente com o segmento do comércio de bens, serviços e turismo, afetado de maneira positiva por essas mutações estruturais.

Para ter maior clareza a respeito dos setores em questão, vale pontuar que eles podem ser decupados nas seguintes macroáreas: arquitetura, artes cênicas, artes visuais, atividades artesanais, cinema, design, editorial, moda, museus, música, patrimônio, publicidade, radiodifusão, tecnologia da informação e televisão. Esses são domínios em que vigoram lógicas não reprodutivas, antimecanicistas e, necessariamente, criativas, interpretativas e inovadoras. 

É difundida a percepção de que as searas culturais e criativas exercem papel relevante na economia brasileira, por sua capacidade de movimentar mercados nos âmbitos local, regional e nacional, gerando renda, emprego e outros benefícios monetários. Por outro lado, há que se intensificar esforços e aprimorar metodologias para a mensuração desse tipo de efeito. As estratégias de medição e contabilização ainda precisam avançar, e é isso que a pesquisa aqui apresentada explora de forma propositiva.

Essa problematização é essencial para uma percepção mais acurada das dinâmicas dos setores em questão, bem como para a formulação de políticas públicas e institucionais mais ambiciosas e mais bem estruturadas na área. O entendimento e a geração de visibilidade para os diferentes ganhos trazidos pelas atividades culturais e criativas são decisivos para o seu desenvolvimento e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico brasileiro.

Audaciosa, a investigação concentra-se exatamente neste ponto: como medir e tornar visível o impacto econômico da cultura no Brasil? Para isso, a pesquisa investe numa possibilidade específica de mensuração da contribuição dos setores culturais e criativos para o PIB do país, resultante de uma combinação inédita de fontes de dados.

O entendimento e a geração de visibilidade para os diferentes ganhos trazidos pelas atividades culturais e criativas são decisivos para o seu desenvolvimento e, por conseguinte, para o desenvolvimento econômico brasileiro.

Ela se vale de um método de cálculo pouco utilizado nos domínios da economia da cultura e das chamadas indústrias criativas, lançando mão de fontes alternativas às comumente apontadas pela bibliografia especializada. A título de exemplo, quando o tema é o levantamento estatístico e econômico, a Conta-Satélite da Cultura é a primeira que vem à mente. Usada por diferentes países do mundo, a ferramenta teve sua implantação testada no Brasil, mas não gerou os resultados almejados.

Outros esforços foram feitos no país, contribuindo apenas parcialmente para a estimação dos efeitos dos setores culturais e criativos na economia. Esses instrumentos favorecem estudos de impacto, mas com níveis de alcance limitados. O trabalho, portanto, aspira incrementar as formas de contabilização das atividades em questão, apresentando um novo modelo de cálculo da contribuição desses setores para o PIB brasileiro, demonstrando o quão significativa ela já é, e o quanto ela pode ser.

A pesquisa também sinaliza os avanços necessários nas bases de dados existentes nas suas modalidades de disponibilização, a fim de cobrir falhas metodológicas e cacoetes dos setores analisados. Para efeito ilustrativo, o cálculo do PIB de um setor depende de dados financeiros sobre transações, impostos e rendas e de informações a respeito de seus níveis de desagregação, o que acaba sendo limitado pela informalidade frequente nas áreas da produção cultural e criativa, comprometendo suas medições.

Imagem de papéis coloridos formando uma imagem não-identificável.
Antera 09 - Obra de Adriano Catenzaro (imagem: Adriano Catenzaro)

Soma-se a isso o fato de que o nível de desagregação presente nas contas nacionais por setor não permite, muitas vezes, separar o que é atividade cultural e criativa das demais atividades. Em vista disso, novas formas de coleta e manejo de dados, bem como o aperfeiçoamento de outras, mostram-se necessárias para uma efetiva mensuração financeira do setor. O estudo aplica ótica inovadora e usa bases de dados pouco exploradas para isso – o que o torna digno de atenção e desdobramento por outros pesquisadores e gestores.

É aí que as prestações de contas da Lei Rouanet surgem como trunfo de sua investigação, por espelhar remunerações das atividades culturais e criativas e por refletir particularidades quanto a suas consequências econômicas. O estudo se vale de quase 15 anos de prestações de contas da Lei Rouanet (Lei Federal de Incentivo à Cultura), relativas ao período de 2009 a 2022. Também propõe uso inovador de dados oriundos de outros levantamentos, que captam rendas geradas por via digital, além de incorporar, providencialmente, a informalidade nos cálculos.

Para isso, lança mão de uma fórmula matemática como base prospectiva de mensuração, que reflete (A) o peso dos setores culturais e criativos no PIB brasileiro, (B) a massa salarial de seus trabalhadores, (C) a massa de lucros e (D) os royalties, remunerações oriundas de digitalização, direitos autorais e aluguéis, além de (E) artifícios para corrigir os efeitos da informalidade.

Os dados da Lei Rouanet permitem a visualização de inúmeras atividades econômicas e modelos de contratação, revelando-se uma via favorável para o cálculo de verbas destinadas a projetos, salários, contratações temporárias e suplementares e, ainda, aos aluguéis de recursos materiais e técnicos, imprescindíveis para a mensuração de um conjunto tão multifacetado.

É aí que as prestações de contas da Lei Rouanet surgem como trunfo de sua investigação, por espelhar remunerações das atividades culturais e criativas e por refletir particularidades quanto a suas consequências econômicas.

Os cálculos das massas salarial e de lucros se dão a partir de diferentes pesquisas e bases de dados, algumas fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Capaz de cobrir grande parte das empresas formais dos setores em questão, o estudo inclusive previne-se das distorções provocadas pela informalidade. Saliento a relevância dessa preocupação para o campo cultural, sobretudo após o advento da pandemia de covid-19, em 2020, quando a precarização do trabalho cresceu exponencialmente.

A combinação de distintas bases de dados visa a uma cobertura nacional mais eficiente, prenunciando a obtenção de medidas mais acuradas dos setores em tela. Eis uma conquista do estudo, que na composição de fontes aponta para um possível mosaico representativo de nossa realidade. A pesquisa aqui apresentada propõe, assim, uma nova forma de cálculo para o PIB dos setores culturais e criativos através do uso de bases de dados inusuais e da introdução de variáveis ainda não utilizadas. Destarte, ela subsidia resultados mais consistentes com a realidade dos setores.

Trata-se de um esforço louvável, uma vez que provê recursos metodológicos caros aos setores de que somos parte integrante. O uso de expedientes concatenados busca estar à altura da complexidade do campo estudado, ao passo que tal campo é marcado por diversos traços que escapam a uma análise dura e previsível: informalidade, trabalho não remunerado, discrepância entre a remuneração de nomes consagrados e a dos demais, segunda ocupação etc. Pensar uma realidade complexa a partir de ferramentas sofisticadas, esse é o principal mérito da contribuição aqui apresentada.

 

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Como citar este artigo

MIRANDA, Danilo Santos de. Mensurar para valorizar, valorizar para mensurar. Revista Observatório Itaú Cultural, São Paulo, n. 34, 2023.

 

Danilo Santos de Miranda é diretor regional do Sesc São Paulo. Especialista em ação cultural, é formado em filosofia e em ciências sociais, tendo realizado estudos complementares na Pontifícia Universidade Católica (PUC) e na Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo, e no Management Development Institute, em Lausanne, na Suíça. Foi presidente do Comitê Diretor do Fórum Cultural Mundial, em 2004, e presidente do Comissariado Brasileiro do Ano da França no Brasil, em 2009. Atua como conselheiro em diversas entidades brasileiras.