O Itaú Cultural (IC) recebeu, no dia 6 de dezembro, a ação Cantos para o manto tupinambá. Na ocasião, a artista Glicéria Jesus Silva, responsável pela produção da obra Assojaba tupinambá, surgiu vestida com o manto, no piso térreo do IC, e convidou o público presente para formar um círculo com ela. Em uma espécie de ritual, Glicéria entoou cantos e aproveitou para falar da importância daquele momento, principalmente quando se trata de quebrar preconceitos.

"Quando você faz uma mesa no almoço e não chama todos para ceiar com você, aquela comida vai sobrar e será jogada fora. Mas quando você convida mais gente para ceiar, todo mundo se alimenta, fica feliz, forte e pode seguir a caminhada. Então, o ritual é essa partilha, é fazer com que o outro entenda que isso que você está fazendo não fere, não magoa. É tentar quebrar o preconceito, esse estereótipo que as pessoas colocam em cima da gente de que tudo que fazemos é demonizado quando, na verdade, é uma interação, uma diversidade de pensamentos e energia. A gente se concentra para falar de Deus, ouvir nossos encantados, colocar nossas preces e nossos pensamentos. É importante que todos experimentem", diz.

Depois, Glicéria seguiu com os visitantes para o 1º andar, levando a peça a seu lugar de destino, à mostra coletiva Um século de agora, exposição que apresenta um panorama atual da arte e da cultura produzidas no Brasil, de diferentes territórios sociais, culturais, políticos e geográficos e com linguagens diversas, como fotografia, desenho escultura e instalação.

A artista, que é da terra indígena Tupinambá, explicou sobre a origem do manto e a descoberta de peças importantes de seu povo na Europa, destacando que está é uma forma de voltar ao início de uma identidade cada vez mais ameaçada.

"É um patrimônio histórico nosso, mas como pensar nele em movimento, nesse manto que construía a nossa identidade, nossos rituais, nossa vivência? Isso só se encontrava na Europa. O manto vem para falar que existem as mulheres e que elas são importantes para demarcar esse lugar, é importante que as pessoas comecem a se questionar. Para esse lugar de exposição, é onde as pessoas podem ver e rever a sua própria história, a de seu país e dos povos indígenas", destaca Glicéria, colocando, na sequência, a peça no local reservado da exposição.

Veja também:
>> “Um século de agora”: mostra apresenta 25 artistas e coletivos

Assojaba tupinambá: história e pertencimento de um povo

O manto Assojaba tupinambá, elaborado em 2021, é mais do que uma peça finalizada, é uma instalação que demonstra o processo do seu feitio. Segundo Glicéria, ele é uma personalidade. “Entendi o que estava guardado pelas anciãs da nossa comunidade, os artefatos de uma arte milenar trazida pelo cosmo, como um ritual que está se concretizando, se formando. Resolvi mostrar isso para que as pessoas conheçam a complexidade do manto para além do capuz, da malha e das camadas de penas que o compõem, com uma estrutura que representa a transformação e a resistência do nosso povo em todas as etapas que vivemos”, explica.

O manto é um trançado de cordões encerados com cera de abelha jataí e uma variedade de penas de arara, canário, sabiá, gavião, pato, ganso e galinha recolhidas no quintal da artista com a ajuda do filho. A técnica escolhida por ela é conhecida como jereré, a mesma usada para produzir redes de pesca.

As penas, de variadas cores e texturas, já não são as mesmas encontradas pelos antepassados da artista, como as vermelhas dos guarás. Sendo assim, Glicéria usa o que lhe é possível atualmente. “As cores das penas de pássaros, muitos deles extintos, são de aves que conseguimos recuperar no território com o nosso trabalho de conservação da natureza. O manto é cura, assim como a cerâmica, as flautas e o canto do nosso povo. Tudo faz parte de um processo de pertencimento que se fortalece”, diz.

Conheça a artista

Uma mulher vestida com um manto feito de penas de diferentes cores, está olhando para o lado e sorrindo.
Glicéria Jesus Silva (imagem: André Seiti)

Cineasta, professora e ativista indígena, Glicéria, também conhecida como Célia Tupinambá, defende o resgate, a volta ao início, o “fio da meada” de uma identidade cada vez mais ameaçada. Ela tece em seu trabalho com o manto tupinambá a força ancestral de sua origem, a Aldeia Tupinambá de Olivença, na Serra do Padeiro, Bahia.

Glicéria representa seu povo na Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) e só teve o primeiro contato com o manto em 2006, apenas por fotografias. Isso porque a indumentária emplumada tradicional dos Tupinambá, encontrada pelos colonizadores no século XVI, foi levada para museus da Europa e ficou inacessível à maioria dos brasileiros.

Decidida a revitalizar esse símbolo de memória e resistência, Glicéria confeccionou uma réplica, que hoje faz parte da coleção Os primeiros brasileiros, do Museu Nacional (RJ). A peça não foi atingida pelo incêndio que destruiu grande parte do acervo da instituição em 2018 porque, naquele momento, estava no Memorial dos Povos Indígenas, em Brasília.

Um século de agora
de 17 de novembro a 2 de abril de 2023
terça a sábado 11h às 20h
domingos e feriados 11h às 19h
pisos 1, -1 e -2

Entrada gratuita

Veja também