por Heloísa Iaconis

O samba é resistência posta em melodia, batuque e letra: tendo sido, no passado, alvo de perseguição, o gênero musical vem, década após década, reafirmando sua vocação para a existência firme e bela. Esse continuar, verdade seja dita, é obra de muitos talentos, artistas que, ao fazerem perpétua a vida do samba, se tornam, eles próprios, gente eterna, inscrita na pele de um pandeiro a lamentar, de um tamborim falando de amor. Gente eterna, mesmo depois do final. Com Nelson Sargento, por exemplo, assim deve acontecer: aos 96 anos, vítima de covid-19, o mestre faleceu em 27 de maio de 2021. Através de seu trabalho, ele deixa a reiteração da essência do estilo ao qual se dedicou: é possível resistir e resistir com afeto.

Nelson Sargento | foto: Edinho Alves

No entanto, ainda que a criação artística tenha o poder de conservar o brilho do compositor, a ausência do sujeito humano gera saudade. Edson Natale, gerente da área de música do Itaú Cultural (IC), fala sobre o autor de “Cântico à natureza”: “Com a morte de Nelson Sargento, perdemos quase um século de sabedoria, história e poesia, alguém que conviveu e criou com outros gigantes – Cartola, Nelson Cavaquinho, Geraldo Pereira, Carlos Cachaça… A obra de Nelson, porém, nos inspira a prosseguir musical e poeticamente”.

E, para que se prossiga à luz do presidente de honra da Estação Primeira de Mangueira, relembramos, como uma homenagem, o depoimento dado por ele quando da Ocupação Cartola, mostra ocorrida em 2016. São essas falas, aliás, que vêm à lembrança de Eduardo Saron, diretor do IC, junto com canções marcantes do baluarte. “Como esquecer de 'Velho Estácio', samba que ele compôs com Cartola? Ou 'A Mangueira é muito grande', cuja segunda parte eles construíram com Ataliba? Penso nessas músicas, neste momento, porque elas estão na entrevista concedida por Nelson Sargento à Ocupação Cartola. Mas me recordo também de 'Agoniza mas não morre', 'De boteco em boteco'... O legado de Nelson é infinitamente estrelar, fica entre nós e dele precisamos cuidar”, pontua Saron.

Nelson Sargento no camarim do Itaú Cultural (IC), em 23 de setembro de 2016 | foto: Christina Rufatto

Assista, então, ao depoimento de Nelson Sargento, um jeito de dar um adeus ao artista, um adeus verde e cor-de-rosa. No primeiro vídeo, ele canta “O samba do operário” e fala a respeito de parcerias com o amigo Cartola; na sequência, comenta sobre como a classe média mudou as escolas de samba.

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