Por André Felipe de Medeiros

A poesia slam é uma linguagem recente, com suas origens nos anos 1980, na qual poetas declamam suas obras em uma cadência influenciada pela cultura Hip Hop. Surgida nos Estados Unidos, essa arte fincou suas raízes no Brasil nas últimas décadas e já possui mais de 200 grupos espalhados pelo país. A plataforma Slam Digital foi lançada como uma iniciativa de organizar e exibir uma parcela dessa produção na web em um acervo de vídeos que conta com transcrição das poesias e também interpretação em libras.

“O Slam existe principalmente nas ruas”, explica o produtor cultural Miguel Salvatore, um dos idealizadores do projeto. “Há uma produção de vídeos muito significativa e [disseminação] por plataformas como TikTok, que batem 50 mil, 60 mil de visualizações, sem falar os que batem milhões. Me chamou muita atenção porque a gente vive no Brasil, onde a gente sabe que tem um problema grave de acesso à educação, um público não leitor e ainda muito analfabeto. É um fenômeno periférico - o Slam [original] não é periférico, mas, aqui no Brasil, ele pega essa identidade de rua, porque os Slams no exterior são feitos em bares, com ingresso pago, e os temas não são tão sociais como os daqui, quase ativistas. Não que não exista Slam falando de amor, mas grande parte, querendo ou não, é bem dedo na ferida”, explica.

Realizado com apoio do Rumos Itaú Cultural 2019-2020, o projeto Slam Digital tem como objetivo disponibilizar um acervo centralizado da obra desses artistas, que antes estava dispersa em seus perfis nas redes sociais, no site slamdigital.com.br.

“O projeto apresentado para o Itaú Cultural, levando em consideração também o histórico do Rumos, pensava  em como criar uma ferramenta que fosse relevante para a comunidade do Slam nacional, organizando em um acervo, com buscas pelo nome do poeta, por Slam e por cidade. Hoje, o acervo é pequeno (são 52 obras publicadas), mas já conseguimos saber quantos são pretos, quantos são mulheres, quantos são da zona norte e qual a idade média dos artistas, por exemplo”, diz Miguel.

Segundo o produtor, vários desses poetas já têm uma entrada no universo cultural e também educacional. “Eles organizam copas nas quebradas, atividades literárias nas escolas, mapeamentos. Alguns poetas que já faleceram estão ali, poetas que foram muito homenageados, que eram importantes e reconhecidos na cena, e a poesia deles está na plataforma. A gente pôde oferecer um lugar onde a poesia vai ser hospedada. A própria ideia de acervo leva o Slam a outro nível, mostra um pouco a grandeza do projeto”, afirma.

Para que isso aconteça, o trabalho nos bastidores do Slam Digital foram para a obtenção das assinaturas de direitos autorais, a realização das transcrições e a organização das informações de cada obra, além de, é claro, a produção do vídeo em Libras. “É uma atividade muito interessante porque não é uma tradução por palavras, como eu pensava, mas tem toda uma interpretação que não é muito trivial de fazer”, comenta Miguel. “Nós já poderíamos estar subindo novos vídeos na plataforma, mas a ideia de transcrever e, obviamente, gravar em Libras é o único lugar limitante, porque é necessário contratar o profissional da área e toda a produção de ir até a pessoa e gravar”, completa.

Para as próximas fases do projeto, agora que o site já foi todo desenvolvido com apoio do Rumos, o desafio é retomar essa dinâmica para a inclusão de mais poesias em sua biblioteca.

“Qualquer esforço de acervo tem à frente criar coisas novas e também olhar para trás e organizar o que já foi feito. Nosso maior desafio é aumentar esse acervo, mas aprendi que não é preciso ter pressa, até porque o projeto já foi muito bem recebido pela comunidade”, conclui o produtor.

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