Paulo Mendes Campos: um cronista que escreve versos ou um poeta que publica crônicas?
28/02/2022 - 12:00
por André Bernardo
Belo Horizonte, agosto de 1945. Quando soube que um de seus poetas favoritos, o chileno Pablo Neruda (1904-1973), estava no Rio visitando amigos brasileiros, como o poeta Vinicius de Moraes (1913-1980) e o pintor Di Cavalcanti (1897-1976), Paulo Mendes Campos (1922-1991), então com 23 anos, não pensou duas vezes. A convite do amigo Fernando Sabino (1923-2004), arrumou as malas e pegou o primeiro noturno rumo à então capital do país. Hospedado na casa de Vinicius, no Leblon, realizou o sonho de conhecer Neruda. Num dia, o futuro Nobel de Literatura recitou trechos do ainda inédito “Alturas de Macchu Picchu”, o segundo dos 15 cantos que compõem o livro Canto geral (1950). Noutro, esvaziaram a adega do poeta Augusto Frederico Schmidt (1906-1965), na vizinha Copacabana. Alguns dias depois, Neruda foi embora, mas Paulo decidiu ficar. “Resolvi encerrar em definitivo minha vida em Belô, e me mudar para o Rio”, relata o escritor para o jornalista Joel Silveira (1918-2007) no livro A milésima segunda noite da Avenida Paulista (2003). “Menti para meu pai, dizendo que havia arranjado um bom emprego no Rio, e me mandei.”
Mineiro de Belo Horizonte, Paulo Mendes Campos nasceu no dia 28 de fevereiro de 1922, em pleno Carnaval. Filho de Mário Mendes Campos e de Maria José Lima Campos, era o terceiro de nove irmãos. Sua mãe gostava de reunir a prole para ler contos de Edgar Allan Poe (1809-1849) ou declamar versos de Charles Baudelaire (1821-1867). Paulinho, como todos o chamavam, iniciou os estudos no Colégio Arnaldo, na capital mineira; prosseguiu no Dom Bosco, em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, e concluiu no Santo Antônio, em São João del-Rei. Em 1933, aos 11 anos, fugiu de casa com dois amigos, Aristeu e George, e o revólver 32 da mãe. Mochila nas costas, sonhava ser caçador nas selvas do Mato Grosso ou, então, viver entre os índios em Goiás. Não passaram de Mutuca, nos arredores de Belo Horizonte, onde um lenhador chamado Cardoso os convenceu a voltar para casa. “Acho que vocês vão dar uma estopada, meninos”, alertou o homem. “O mundo é grande e mau.” O episódio foi revisitado em pelo menos duas crônicas: “A fuga” (1958) e “Videotape da insônia” (1970). “A profundidade de suas reflexões, altamente filosóficas, talvez seja a principal contribuição de Paulo Mendes Campos para a crônica”, afirma Alice Sant’Anna, sua editora na Companhia das Letras. “Sua obra é ao mesmo tempo erudita e acessível.”
Paulo Mendes Campos tinha 15 anos quando conheceu Otto Lara Resende (1922-1992), dois meses mais velho, em São João del-Rey – os dois jogavam basquete no mesmo time! – e 17 anos quando publicou seu primeiro artigo na imprensa, “Raul de Leoni, poeta enganador”, no jornal O Diário, de Belo Horizonte. Cursou odontologia, veterinária, direito, sociologia e estatística, mas não concluiu nenhum deles. Tentou a carreira de aviador na Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, mas logo pediu desligamento. Diploma mesmo, costumava brincar, só tinha um: o de datilógrafo.
Ainda na capital mineira, dirigiu o suplemento literário da Folha de Minas e trabalhou na redação de O estado de Minas. Em 1941, por intermédio do escritor João Etienne Filho (1918-1997), foi apresentado a Fernando Sabino e Hélio Pellegrino (1924-1988). Juntos, os três, mais Otto Lara Resende, formaram “Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. O quarteto foi apelidado por Mário de Andrade (1893-1945) de “Os vintanistas” – todos nasceram na década de 1920. Em 1981, para comemorar 40 anos de amizade, Paulo, Hélio, Otto e Fernando lançaram Os 4 mineiros, álbum duplo com trechos de poemas e depoimentos autobiográficos. “A maior contribuição de Paulo Mendes Campos para o gênero foi, sem dúvida, introduzir prosa poética na crônica. Há crônicas que depois saíram, como poema em prosa, em O domingo azul do mar. Também por mostrar algo de sua bela cultura literária. Pelo estilo: a voz de um contemplativo”, analisa o poeta Cláudio Willer, doutor em letras pela Universidade de São Paulo (USP).
Por falar em Mário de Andrade, Paulo Mendes Campos trocou correspondência, durante muitos anos, com o poeta modernista. Guardava suas cartas em uma caixa, e a caixa em um armário do seu quarto. Certo dia, o armário foi mandado para conserto, com a tal caixa dentro. Quando o carpinteiro trouxe o armário de volta, disse à mãe do futuro escritor: “Olhe, Dona Maria José, encontrei lá no armário uma caixa com uma papelada velha, esquecida no canto, e taquei fogo em tudo”. “Quase matei o portuga!”, confessou o escritor. Em outro trecho da crônica “Paulo Mendes Campos: um erudito sem erudição”, escrita por Joel Silveira, o cronista fala da primeira vez em que viajou para o exterior: em 1949, para Paris. Lá, visitou o túmulo de Charles Baudelaire, no Cemitério de Montparnasse, e quase esbarrou com Jean-Paul Sartre (1905-1980) numa rua da capital francesa. Ainda pensou em pedir fogo (estava sem fósforo ou isqueiro) ao filósofo existencialista, mas ficou com vergonha. “Esbarrava-se, e ainda se esbarra, em Paris, com gente famosa com a mesma facilidade com que aqui no Rio se esbarra em batedor de carteira”, comparou.
Talento versátil
Ao chegar ao Rio, em 1945, Paulo Mendes Campos morou em diversos endereços: um hotel no Centro, uma pensão no Leme e um edifício em Copacabana. Por fim, ficou hospedado na casa de Fernando Sabino no número 769 da Nossa Senhora de Copacabana, antes de dividir um apartamento com Rubem Braga (1913-1990) na Júlio de Castilhos, no mesmo bairro. Para ganhar a vida, escrevia para jornais, como Diário carioca, Correio da manhã e Jornal do Brasil, e revistas, como Manchete e Senhor. Só na extinta Manchete, colaborou por 23 anos – de 1952 a 1975. No dia 25 de outubro de 1951, Paulo Mendes Campos se casou com a inglesa Joan Abercrombie. Costumava dizer que Joan dera o azar de encontrá-lo, enquanto ele tivera a sorte de conhecê-la. O casal teve dois filhos, Gabriela, hoje com 70 anos, e Daniel, de 69. “Não era difícil encontrá-lo em bares, botecos e restaurantes, bebericando com amigos do mesmo ofício. Mas, quando sentava em sua mesa de trabalho e partia com feroz determinação para cima de sua Remington, era capaz de cumprir com esforço profissional as mais árduas encomendas jornalísticas”, relata o veterinário Daniel Mendes Campos, que tinha 37 anos quando perdeu o pai.
Certa vez, conta Daniel, Paulo Mendes Campos recebeu a visita inesperada de um primo distante em seu apartamento em Copacabana. Na noite anterior, passou a madrugada em claro traduzindo um livro de poemas ingleses. Pela manhã, totalmente exaurido, explicou à mulher que, antes de ir ao Centro “resolver algumas burocracias com hora marcada”, daria um rápido mergulho no mar e já voltaria para tomar banho. Na volta da praia, “de calção e cabelo molhado”, deu de cara com o tal primo, sentado numa poltrona da sala, tomando uma xícara de café. “Eita, vida boa essa sua de escritor, hein?”, debochou o folgado. Paulo Mendes Campos teve vontade de retrucar, mas faltou-lhe a energia necessária. “No Brasil, escrever é um ato heroico. Muitos bons artistas são esquecidos e nada é feito para resgatar obras da maior importância. Paulo Mendes Campos é mais um nome dessa enorme e triste lista”, lamenta seu filho.
No mesmo dia em que se casou, Paulo Mendes Campos lançou seu primeiro livro de poemas, A palavra escrita. Editado pelos poetas Thiago de Mello (1926-2022) e Geir Campos (1924-1999), teve uma tiragem de 126 exemplares! Ao todo, entre crônicas e poemas, publicou 15 títulos. “Era literariamente ambidestro”, define o jornalista e poeta Wilson Figueiredo. Nunca escreveu contos ou romances. “Sou um homem de encomendas. Se me encomendarem um romance, terão um romance. Nunca escrevi um porque nunca me encomendaram”, explicou certa vez. Quase uma década depois do lançamento de A palavra escrita, Paulo Mendes Campos publicou O cego de Ipanema (1960), o primeiro de seis livros de crônicas. O texto que dá título ao livro, aliás, foi baseado na história real de um homem em situação de rua que passava as noites na garagem de um prédio na Nascimento e Silva. Outros títulos famosos são Homenzinho na ventania (1962), O anjo bêbado (1969) e Os bares morrem numa quarta-feira (1980). “Crônica são duas laudas de papel em branco”, definiu certa vez. “É a azeitona do pastel cultural.” Vinte e cinco de suas crônicas integram os cinco primeiros volumes da série Para gostar de ler (1977). Além de Paulo Mendes Campos, a coleção da Ática traz textos de Fernando Sabino, Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Em 1998, a editora lançou um volume inteiramente dedicado a PMC, Balé do pato e outras crônicas.
Terra de gigantes
No verão de 1967, Paulo Mendes Campos participou de um ensaio fotográfico dos autores da Editora Sabiá na cobertura de Rubem Braga, na Barão da Torre, em Ipanema. Posaram para as lentes do fotógrafo Paulo Garcez, além de Rubem e de Paulo, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Sérgio Porto (1923-1968) e José Carlos de Oliveira (1934-1986). Uma das fotos dessa sessão estampa a capa de Os sabiás da crônica (Autêntica). Uma curiosidade: foi Paulo Mendes Campos quem apelidou Rubem Braga de “O sabiá da crônica”. Quem conta essa história é Augusto Massi, doutor em literatura brasileira pela USP, que organizou o livro e assinou seu prefácio. “Poucos sabem quando e onde o apelido foi soprado pela primeira vez. Salvo engano, ‘Conversa com passarinho’, crônica de Paulo Mendes Campos, está na origem de tudo”, revela. Além de poeta e cronista, Paulo Mendes Campos era tradutor. Converteu para o português grandes nomes da literatura mundial, como o inglês Charles Dickens (1812-1870), o francês Júlio Verne (1828-1905), a norte-americana Emily Dickinson (1830-1886), o irlandês Oscar Wilde (1854-1900) e o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). “Traduzir é o meu modo de descansar carregando pedras”, explicou noutra ocasião.
Polivalente, Paulo Mendes Campos produziu de tudo em sua Remington: de roteiro de filme (Roberto Carlos em ritmo de aventura, de 1968) a especial de TV (Ciranda cirandinha, em 1977). Como crítico literário, enalteceu a genialidade de Grande sertão: veredas (1956), obra-prima de Guimarães Rosa (1908-1967), em artigo na extinta Manchete. Ao longo da carreira, escreveu resenhas para outros clássicos da literatura mundial, como Coração das trevas (1899), do polonês Joseph Conrad (1857-1924), e Orlando (1928), da britânica Virginia Woolf (1882-1941). “Não escreveu críticas literárias como um profissional da crítica, mas como escritor”, pondera o jornalista Flávio Pinheiro. “São críticas de um ótimo leitor que exalam sobretudo qualidade literária.”
Paralelamente às carreiras de jornalista e escritor, exerceu o ofício de funcionário público em instituições como o Instituto Nacional do Livro (INL), indicado por Carlos Drummond de Andrade; a Biblioteca Nacional (BN), onde dirigiu o Departamento de Obras Raras; e a Empresa Brasileira de Notícias (EBN), de onde se aposentou em 1981. Nas horas livres, Paulo Mendes Campos gostava de pescaria e futebol. Torcedor do Botafogo, chegou a fundar um time, o Trinta por Trinta – 30 amigos, entre anônimos e famosos, todos acima dos 30. Entre os famosos, “craques” como o jornalista Armando Nogueira (1927-2010), o produtor musical João Araújo (1935-2013) e o produtor de cinema Luiz Carlos Barreto. “Era razoavelmente bom de bola. Centroavante raçudo, não tinha medo de entrar em dividida com zagueiro”, avalia Barretão, que costumava levar os filhos, Fábio e Bruno, para assistir às peladas. “Certa vez, o Paulo convidou um cônsul inglês para apitar a partida. Quando o gringo marcou um pênalti contra o time do Armando Nogueira, o sujeito enlouqueceu e partiu para cima dele. Quem evitou o pior foi o Paulo Mendes Campos: ‘Não coloque em risco as relações diplomáticas entre o Brasil e a Inglaterra’”, diverte-se.
No campo amoroso, Paulo Mendes Campos foi uma das paixões da escritora Clarice Lispector (1920-1977). Com a palavra, Teresa Montero, doutora em letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio): “Sua grande paixão da juventude tinha sido Lúcio Cardoso (1912-1968), paixão irrealizada. Na maturidade, o poeta Paulo Mendes Campos teve importância semelhante. Mas Paulo era casado. E, mais uma vez, a impossibilidade atravessou o seu caminho”, relata a pesquisadora em À procura da própria coisa (Rocco). Sob a orientação do psiquiatra Murilo Pereira Gomes, Paulo e Clarice fizeram experimentos com ácido lisérgico. “O que os uniu, sob a forma de diálogo amoroso e existencial, resultou em literatura. Artistas transformam suas vivências em arte”, observa a biógrafa de Clarice, que lançou essa tese como uma hipótese a partir da análise de documentos e depoimentos em sua biografia. “No caso do LSD, Paulo publicou dez crônicas, entre agosto e dezembro de 1962, na extinta Manchete. Já Clarice preferiu transformar a experiência em ficção e escreveu A paixão segundo G.H. (1964).”
Obra atemporal
Paulo Mendes Campos morreu no dia 1o de julho de 1991, vítima de infarto, aos 69 anos, em seu apartamento na Carlos Góis, no Leblon. Seu corpo foi sepultado no Cemitério do Bonfim, em Belo Horizonte. Já teve sua obra reeditada duas vezes: entre 1999 e 2001, pela Civilização Brasileira, e entre 2013 e 2015, pela Companhia das Letras. Da primeira vez, suas crônicas foram reunidas em sete volumes, divididos por temas, a cargo do jornalista Flávio Pinheiro: O amor acaba (crônicas líricas e existenciais), Murais de Vinicius (perfis), Brasil brasileiro (crônicas do país, das cidades e do povo), Artigo indefinido (literárias), O gol é necessário (esportivas), Cisne de feltro (autobiográficas) e Alhos & bugalhos (humorísticas). “É difícil dizer por que há um imerecido reconhecimento de Paulo Mendes Campos”, observa o organizador de sua obra. “Em sua geração, tinha a companhia de gigantes como Rubem Braga, Fernando Sabino, Antônio Maria (1921-1964) e Otto Lara Resende, além de cronistas bissextos, como Manuel Bandeira (1886-1968), Clarice Lispector e Carlos Drummond de Drummond. Mas, no meio deles, Paulo se distinguia por sua prosa poética de alta qualidade e, por isso, é estranho que seja subestimado.” Das muitas histórias que ouviu do próprio cronista, Flávio cita a ocasião em que Paulo foi buscar um amigo inglês no aeroporto. No caminho até sua casa no Leblon, o carro seguiu pela orla da Zona Sul. Já no fim da viagem, o amigo, um tanto incomodado, perguntou: “Hoje é dia de semana e a praia está cheia. As pessoas aqui não trabalham?”. Paulo desconversou: “São estudantes”. E o amigo emparedou-o: “E não estudam?”.
Da segunda leva, publicada pela Companhia das Letras, mais seis volumes, cinco físicos e um virtual: O amor acaba (líricas e existenciais), O mais estranho dos países (crônicas e perfis), Diário da tarde, De um caderno cinzento (crônicas, aforismos e outras epifanias) e Primeiras leituras, da coleção Boa companhia. O título do e-book é O homem que odiava ilhas. “É difícil separar as diferentes facetas de Paulo Mendes Campos, porque elas se misturam num só gênero: a crônica. Ao romper os limites do formato, faz com que o leitor aí encontre o frasista, o poeta, o ensaísta, o crítico e o cronista refinadíssimo no mesmo espaço”, define a pesquisadora Elvia Bezerra, organizadora do livro De um caderno cinzento. No segundo semestre, a editora vai publicar a poesia completa de Paulo Mendes Campos. Organizada por Luciano Rosa, a antologia será formada por O domingo azul do mar (1958), Testamento do Brasil (1966), Balada de amor perfeito e Arquitetura (1979). E mais cerca de 30 poemas, inéditos em livro, e uma pequena antologia bilíngue com versos dos poetas Ezra Pound (1885-1972), T. S. Eliot (1888-1965) e W. H. Auden (1907-1973).
Desde junho de 2011, o Instituto Moreira Salles (IMS) guarda o acervo de Paulo Mendes Campos, composto de mais de 5.500 documentos: de 770 cartas a 365 fotografias, de 70 desenhos a 55 cadernos – uns, modelos escolares; outros, mais sofisticados, com encadernações de couro. Em 2012, a instituição lançou o inédito Carta a Otto ou Um coração em agosto e, no ano seguinte, a edição de Diário da tarde em formato de tabloide. “Paulo foi um trabalhador intelectual metódico. É curioso que essa disciplina não lhe tenha garantido a conclusão de um curso superior”, observa a jornalista Rachel Valença, mestre em língua portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e atual coordenadora de Literatura do IMS. “Os cadernos que deixou são o testamento de sua disciplina de erudito. Um exemplo: antes de viajar para a [então] União Soviética, em 1956, empreendeu estudo do idioma russo para estar apto a melhor absorver a cultura eslava. Lá está, num dos cadernos, o registro de seus estudos.”
Em um desses 55 cadernos, Paulo Mendes Campos, habitué dos bares cariocas, colecionou aforismos etílicos, como “Aviso aos jovens abstêmios: a velhice é uma ressaca diária”, “Sabedoria... seria anoitecer como um bêbado e amanhecer como um abstêmio” e “Se eu não tivesse nascido pra beber, muito bem: eu aprenderia”. “Era um homem cultíssimo. Estudava com método e anotava as leituras como um aluno aplicado. Fez listas de naturezas diversas. Listas sobre temas, autores, palavras. Uma delas sobre personagens bêbados da literatura”, explica a pesquisadora Elvia Bezerra. Noutro caderno, fez uma “galeria de bêbados famosos”. Estão lá, classificados por países, o francês Paul Verlaine (1844-1896), o português Fernando Pessoa (1888-1935) e o norte-americano Ernest Hemingway (1899-1961). Em entrevista ao jornal O globo publicada na edição de 20 de março de 1984, ao ser indagado pela escritora Maria Julieta Drummond de Andrade (1928-1987) sobre o que o álcool representava para ele, Paulo Mendes Campos respondeu à pergunta com um conselho do pai: “Meu filho, o álcool é um dos maiores amigos do homem. Insensatez é transformá-lo em inimigo”.
As crônicas de Paulo Mendes Campos estão à disposição do público no Portal da Crônica Brasileira, parceria do IMS com a Fundação Casa de Rui Barbosa. São, ao todo, 13 autores, de João do Rio (1881-1921) a Ivan Lessa (1935-2012). “Diferentemente de Carlos Drummond de Andrade, que pouco misturou seus dois lados (cronista e poeta), PMC não hesitou em canalizar para a crônica o que seria matéria de poesia. Sua obra de cronista está farta de escritos que devem ser considerados poemas em prosa, como O amor acaba, Pequenas ternuras e De repente”, analisa o jornalista Humberto Werneck, editor do Portal da Crônica Brasileira. “O que primeiro me prende a PMC é seu enorme talento, cultivado em meio a duras exigências da ganhação da vida, e a riqueza e solidez de seus conhecimentos de literatura. Conheço poucos escritores tão dotados e preparados para o ofício literário como PMC.”