Qual é a história da sua maior saudade?

Saudade é um troço duro de sentir, talvez por isso eu tenha poucas saudades. Não sei também dizer se essa é a minha maior saudade. Fiz um esforço para escolher algo desde que as perguntas chegaram: saltou de minha memória, por mais de uma vez, um programa musical que frequentei no fim da adolescência, chamado Bem Bom no Parque. Eram shows que aconteciam aos domingos à tarde no Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte. Os shows terminavam no entardecer, quando o céu de BH é ainda mais bonito. Eu e vários amigos e amigas descíamos a pé do parque até o centro da cidade, quando pegávamos diferentes ônibus em direção aos nossos bairros. Passávamos pelas casas riquíssimas do bairro Mangabeiras, pela Praça do Papa, e descíamos toda a Avenida Afonso Pena, cantando, rindo, brincando, combinando o encontro do domingo seguinte. Era um período de muito sonho, projetos de futuro, havia sido aprovada no vestibular e ansiava pelo início das aulas na universidade.

Sobre a saudade, escrevi esta crônica aqui, texto que sai no meu próximo livro:

"Trem desgovernado

Saudade é um trem que dói demais. Eu não sinto. Evito sentir. É mais fácil imitar Paulinho e dizer que não sinto saudade porque o vivido está em mim, mora em mim. Em parte, é verdade, tudo o que vivi é meu, é matéria constitutiva da minha humanidade. Mas tem muito de mentira. Na real, eu não sinto saudade porque não aguento.

Saudade espicaça o peito e é uma dor que nada aplaca. Dor sem remédio dói demais da conta. Eu tenho memória, mas não tenho saudade. E não tenho banzo, que é a saudade elevada à enésima potência. 

Saudade é corte seco no vivido, mesmo que em sonho (aquilo que se queria viver). Porque o tempo não volta. O tempo não para. O tempo só avança.

Saudade não tem amargura, mas tem melancolia. Amargura destrói. Melancolia dói. Saudade é indomável, incontornável, porteira sem tramela que bate, bate, toda vez que o vento da lembrança toca. Saudade é um trem que corre fora dos trilhos, em desatino, como coração de menino, e apita. Apita. Sem parar".

O que a emociona no seu dia a dia?

Flores e plantas, música, gente sendo gente (boa). Escrever literatura também é algo que me dá muita alegria.

Como você se imagina no amanhã?

Poxa, esse não é um exercício de imaginação frequente, mas me imagino trabalhando menos com coisas que não sejam a literatura, viajando para os lugares que quero conhecer e desfrutando mais a vida.

Quem é Cidinha da Silva?

Sou uma mulher negra vivendo em um país racista, duas condições que precedem tudo e são determinantes de todas as outras. Sou filha de Xangô, taurina, tenho humor, busco a alegria, cultivo tecnologias ancestrais de produção de infinitos como minha fonte mais perene de energia e viço.

Cidinha da Silva | foto: arquivo pessoal

Um Certo Alguém

Em Um Certo Alguém, coluna mantida pela redação do Itaú Cultural (IC), artistas e agentes de diferentes áreas de expressão são convidados a compartilhar pensamentos e desejos sobre tempos passados, presentes e futuros.

Os textos dos entrevistados são autorais e não refletem as opiniões institucionais.

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