Daniela Paoliello
Observação 1:
Colapso da ordem, resistência, controle, êxtase, tumulto, incerteza, fusão, implosão, erosão, impulso, movimento da vontade, vazio.
Observação 2:
Na experiência, o enunciado não é nada, apenas um meio e, até tanto quanto um meio, um obstáculo, o que conta não é mais o enunciado do vento, é o vento¹.
Observação 3:
Procurando um momento de coincidência entre a experiência de viver e a consciência da existência².
Observação 4:
Conteúdos que se perdem uns nos outros, ou o jogo da perda dos seres³.
Observação 5:
Furei uma pedra com a luz do fogo de um isqueiro.
Observação 6:
Algo logo vai embranquecer diante da janela, encher o quarto com o zumbido de um pássaro ou do vento⁴.
Observação 7:
Minhas mãos estão cheias de cinzas.
Observação 8:
Lembro bem daquele medo na infância. Evitava as poças, sobretudo as novas depois da chuva, afinal uma delas podia não ter fundo, mesmo se parecendo com as outras. Piso e súbito desabo inteira, levanto voo para baixo, cada vez mais para baixo, na direção das nuvens refletidas e talvez mais além⁵.
Observação 9:
Depois olhou Florentino Ariza, seu domínio invencível, seu amor impávido, e se assustou com a suspeita tardia de que é a vida, mais que a morte, que não tem limites.
- E até quando acredita o senhor que podemos continuar neste ir e vir do caralho? - perguntou.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada havia cinquenta e três anos, sete meses e onze dias com as respectivas noites.
- Toda a vida. - disse⁶.
Observação 10:
Meteoros caídos da terra. Sinto cheiro de madeira molhada. Cai uma manga no meu pé. Já é tarde. O pêndulo parou de marcar as horas. Que dia é hoje? Preciso de um chá quente. Deito com as costas no chão. Sinto a brisa no meu rosto. Lá onde ainda é tempestade. Preciso ir. Minhas mãos estão cheias de cinzas. A noite, disseram-me, também é um sol.
1. Georges Bataille, A experiência interior
2. Francis Alys, Numa dada situação
3. Georges Bataille, A experiência interior
4. Wisława Szymborska, Um amor feliz
5. Wisława Szymborska, Um amor feliz
6. Gabriel García Márquez, Amor nos tempos do cólera
Bruno Inokawa
O quão poderoso é o desejo de uma pessoa?
Reflito depois de folhear alguns dos vários livros empoeirados e enfileirados na antiga estante de madeira que ocupa quase todo o espaço de uma das paredes da sala. Numerados em série, eles são revestidos de capas coloridas e floridas, e a encadernação artesanal é notavelmente delicada, feita por mãos experientes de um habilidoso artesão.
Vou deixando os livros abertos sobre a mesa em páginas meio aleatórias, mas que por algum motivo atraem minha atenção. Talvez seja o traço fino dos caracteres, ou a colagem de animais ilustrados, ou a cor amarelada do papel. Aos poucos, um enigmático e extenso mosaico de imagens começa a ser formado.
Minha avó diz que um desejo, quando genuíno do coração, jamais é esquecido pelo universo; ele reverbera pelos astros e atravessa gerações até chegar ao seu destino para ser cumprido. E quando olho para aqueles livros percebo que hei de cumprir o que me foi herdado.
Em Inventário, dois fotógrafos recebem, todo mês, uma palavra diferente e são convidados a transformá-la em imagem e texto.