por Dalila Coelho e Ubiratan Gamalodtaba Suruí

 

Ubiratan Suruí

Durante minhas viagens em comunidades diferentes, sempre fico me perguntando como era a vida do meu povo antes de contatar os não indígenas. Quando sento para conversar com o ancião da comunidade (dos poucos que sobreviveram à pandemia de sarampo, tuberculose, gripe e outras doenças trazidas pelos brancos), eles sempre fazem questão de lembrar da vida no mato. São muitas memórias da vida, das festas, dos rituais sagrados que o meu povo realizava; um dos mais importantes é o Soey-atê.

Soey-atê é um ritual de cura em que os Gora-ey, os espíritos do céu, descem para dançar no pátio da aldeia, incorporados aos pajés. As pessoas muitos doentes ou em muitos casos até falecidas ficavam deitadas na rede enquanto os pajés entravam na maloca e com a fumaça do tabaco assopravam em seu corpo. Eles traziam uma pedra espiritual protetora, ichoáh, e pendurava no pescoço dos doentes como forma de trazer proteção e curar as doenças.

Como nasci muitos anos após o contato e não vivenciei toda essa fase do meu povo, guardo apenas na memória, ao lembrar do que o meu avô contava para mim quando ainda estava vivo. 

Dalila Coelho

Foto de uma pessoa deitada. A foto foi tirada em um espelho, com flash, impossibilitando ver quem é a pessoa.
(imagem: Dalila Coelho)

trabalhar com ODE tem sido constantemente olhar para trás e perceber que os padrões de comportamento continuam os mesmos, só foram transformados em arte.

em 2012 ou 13 coloquei esse sentimento em uma carta. em 2014 argumentei enquanto levava um fora. em 2017 entendi como funcionava e engoli tudo o que sentia para fazer durar. em 2020 escrevi publiquei e tracei uma meta de não mais me fazer diminuir para caber no único espaço que abrem para mim. em 2021 jurei mudar de vida. em 2022 vi que nada muda.

eu me faço de objeto, eu me faço de objeto, eu me faço de objeto. eu me moldo, eu me diminuo, eu me esforço, eu me esforço muito, eu escolho minuciosamente o ângulo, a roupa, o detalhe, o limite. eu faço tudo isso porque sinto que só assim receberei algo em troca. eu me assusto ao receber afeto sem ter que implorar e percebo o quanto me é negado.

às vezes sinto que deveria ter mais pudor. que deveria não mostrar tanto. que deveria não aceitar com tanta facilidade meu corpo minha nudez minha exposição. mas tudo passa como se nada fosse. são tantos anos transformando qualquer relação em meramente sexual, porque é a única forma de receber alguma atenção por algum tempo, que me sinto desconectada do meu corpo. o que veem ali, na imagem, não é quem de fato sou, e por isso não me incomoda.

o que há de mais fictício é a fotografia. pensada, mirada, tratada, recortada, editada, ela mostra o que quero que apareça. mas a verdade é tudo que não consegue ser dito. tudo o que fica preso no silêncio das mensagens não respondidas. todos os nós na garganta ao olhar mais um ir embora. tudo que enterro para aceitar como está porque se reclamar piora.

cura eu não sei se há. no meu celular, uma notificação me avisa: the self is a buried structure only revealed through the things it says no to. o eu é uma estrutura enterrada apenas revelada através das coisas às quais ele diz não. talvez esse seja o caminho.

 

Em Inventário, dois fotógrafos recebem, todo mês, uma palavra diferente e são convidados a transformá-la em imagem e texto.

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Fotografia colorida de espaço aberto com pedras e árvores. O chão é de terra seca. Há cruzes, uma placa em homenagem a Lampião e seus companheiros e velas acesas espalhadas pelo espaço.A imagem é pouco saturada.

Inventário: Fim

Neste mês, os fotógrafos Tereza Maciel e Márcio Vasconcelos transformam o “fim” em imagem e texto
Fotografia mostra uma fogueira no centro de um ambiente. Não é possível ver nada além da fogueira, já que todo o entorno está sem iluminação, deixando a foto completamente escura.

Inventário: Ficção

Neste mês, Dalila Coelho e Ubiratan Suruí transformam a “ficção” em imagem e texto