Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo destaca produções de criadoras presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.

Leda Catunda
Barriga, 1997
colagem
70,2 x 50 cm
Acervo Banco Itaú
Imagem: Sergio Guerini/Itaú Cultural

por Duanne Ribeiro

O que há numa barriga? Como percebe Leda Catunda, criadora da colagem acima, na sua tese de doutorado, essa palavra carrega no seu bojo muitos sentidos – ou, como ela diz, desse signo “imagens e conceitos podem frutificar”. Primeiro, claro, basta olhar para baixo, basta pôr as mãos entre peito e cintura para saber: algo orgânico, carne e pele com formas típicas, mais ou menos moles, protuberantes, preenchidas. Segundo, podemos percorrer nossa linguagem, recolher as várias expressões do tipo estar de barriga vazia, chorar de barriga cheia, empurrar com a barriga. Ainda mais, até vivências e símbolos de grande envergadura são captados. Por exemplo,

... a noção de tempo que se associa à imagem da barriga, desde a mais óbvia, que seria a de uma barriga gestante, que cresce lentamente durante um período determinado, quando um novo ser está sendo gerado. À gestação associa-se a ideia de espera, do novo que está por vir. Esta é uma barriga temporária que, depois da chegada da cria, vai sumir, esvanecer.

Todos esses significados – e outros; você consegue pensar em alguns? – podem ser mobilizados quando tentamos entrar em contato com a colagem em pauta. Nossa relação com a linguagem tem dessas – se Julieta, personagem de Shakespeare, ponderou: “O que há num nome? Uma rosa, sob qualquer outro nome, seria igualmente doce”, no nosso caso teríamos de dizer outra coisa: segundo nota a artista visual Carla Zaccagnini, falando de outra Barriga, de 1993, “seria outra pintura se se chamasse ventre”. Ou bojo, bucho, pança, estômago, abdômen.

E o que temos na nossa Barriga? Se não temos o rei, pelo menos parte da família real está lá: a colagem tem os desenhos de um príncipe e de uma princesa. Também contém um pufe vermelho, um laço de fita da mesma cor, um ingresso para uma apresentação do violinista Cláudio Cruz e do pianista Sergio Melardi no Teatro Maksoud Plaza em 1995, uma embalagem da marca Cica com o slogan “doce Cica, doce vida”, um elefante marrom, um catálogo de cores, o deus indiano Krishna com sua mãe adotiva, Yashoda, flores roxas – e mais.

São tantos os símbolos acumulados que talvez tenhamos de usar agora ainda outra metáfora ligada a barrigas: é coisa demais para digerir. Mas talvez esse seja só o outro lado dessa potência de multiplicação dos imaginários. Se antes passeamos pelos sentidos da palavra, agora estamos presos num furacão deles: tanto criamos imagens quanto estamos emaranhados em um mundo de imagens. Leda, comentando outras obras, diz que lhe interessa

... a questão da identificação do sujeito com algum tipo de imagem. Em alguns casos pode-se dizer: a intensa necessidade de identificação da pessoa comum com algum tipo de imagem, iconografia, que a auxilie a localizar-se no mundo atual, tão exigente e repleto de mais camadas do que conseguimos enxergar e sequer ainda frequentar. Um mundo folhado, real e palpável, quando se acorda de manhã, na cama, no quarto, em casa... Imediatamente tornado estranho quando se abre o jornal para, logo em seguida, tornar-se então irremediavelmente inclassificável quando se liga o computador, pela infinita multiplicação de possibilidades e a confluência abundante de culturas diversas ali reunidas. Onde estamos?

Com efeito, ao observar esta nossa colagem, onde estamos? Na barriga da baleia?           

Leda Catunda é artista visual, pesquisadora e professora. É um dos expoentes da Geração 80, tendência artística dos anos 1980 marcada por um viés mais subjetivo (em oposição à produção artística mais conceitual ou mais política) e por um interesse pela pintura, além de outros aspectos (leia mais neste texto e assista a uma aula sobre o tema com o professor Marcos Moraes). Foi aluna de Regina Silveira, Nelson Leirner e Julio Plaza. Realizou diversas mostras individuais e participou de coletivas (veja cronologia), das quais se destaca Pintura como Meio, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP), com curadoria de Aracy Amaral. Saiba mais na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.

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