Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo: as casinhas de Rochelle Costi
30/07/2020 - 12:55
Artistas Mulheres Contemporâneas no Acervo destaca produções de criadoras presentes na coleção de obras de arte do Itaú Cultural. A cada edição da série, uma conversa sobre trabalhos com temáticas e estilos variados, buscando ampliar horizontes. Siga aqui pelo site ou no nosso perfil no Instagram.
Rochelle Costi
Casa Própria – Panorâmica Zócalo, 1999
fotografia sobre placa de PVC
89 x 116 x 4,5 cm
Acervo Banco Itaú
Imagem: Sergio Guerini/Itaú Cultural
por Duanne Ribeiro
Os prédios históricos nessa fotografia, grandes retângulos de pedra, metal, vidro, têm no primeiro plano da imagem competidores humildes: pequenas caixas de madeira pintadas, casinhas como que de cachorro ou de boneca. O que você sentiria ao se deparar com tais residências diminutas ao caminhar pela cidade? Casa Própria, da fotógrafa e artista multimídia Rochelle Costi, consiste tanto nessas construçõezinhas quanto na relação com a cidade que a obra permite ou modifica.
Esse trabalho, conta Rochelle, deriva de outro, Condomínio, “uma instalação com cerca de 40 casinhas em ‘escala canina’, feitas a partir de sucatas encontradas nas ruas de São Paulo”. Para a galeria mexicana Nina Menocal, a artista reelaborou o projeto em dois aspectos. Primeiro, claro, fez as edificações em miniatura com materiais que pôde recolher nas ruas da Cidade do México. Nisso, já há uma diferença significativa em relação à experiência nas ruas paulistanas:
Em se tratando de cidades de portes semelhantes, São Paulo e Cidade do México, em países com nível de desenvolvimento similar, pareceu-me óbvio que encontraria material em abundância pelas ruas para a construção das casinhas. Para minha surpresa, foram necessários três dias para encontrar um simples sarrafo. Isso foi em 1999, quando por aqui ainda não havia grande interesse pela reciclagem, enquanto lá já existia uma rede de negócios movida apenas pelo que é dispensado pela população.
O que destacamos é como a execução da “mesma” ideia mobiliza, somente pela modificação do contexto, fatores outros: a cidade, por ser como ela é, produz a obra de arte com outros valores – fazer algo de sucata não significava o mesmo nas duas capitais. Além disso, explica o curador Ivo Mesquita, esse procedimento marca o estilo da artista, que com frequência faz “apropriação de imagens impressas, de objetos e materiais banais, de autorretratos e fotografias, estereótipos e desejos da cultura material, coletados e colecionados ao acaso”.
Em segundo lugar, Rochelle quis constituir uma intervenção urbana, “levar as casinhas a locais conhecidos da cidade e fotografá-las”. Casa Própria circulou por pontos relevantes: Chapultepec, Torres de Satélite, Xoximilco – e Zócalo, que aparece na foto que trouxemos aqui.
A Praça da Constituição, ou El Zócalo, é uma das maiores do mundo e tem uma história de mais de cinco séculos. Na América Pré-Hispânica, nesse local estava Tenochtitlán, capital do Império Asteca, construída à beira do Lago Texcoco. Os espanhóis a destruíram e aterraram o lago para ampliar o território (o que legou problemas infraestruturais). Em 2017, arqueólogos revelaram ruínas próximas à praça, de um templo dedicado ao deus Ehecalt e de uma quadra de jogos.
O nome atual da praça (já foi Plaza de Armas, Plaza Principal, Plaza Mayor e Plaza del Palacio) vem de 1813, em memória da primeira carta magna da Espanha, a Constituição de Cádiz – que vigorou no Brasil por pouco mais de um dia. Já o apelido Zócalo – que significa pedestal – aparece depois de 1843, quando foi ordenado um monumento para comemorar a independência do país. Essa obra nunca chegou a ser realizada – só o pedestal foi posto no lugar...
El Zócalo, palco de grandes acontecimentos, espaço de manifestações políticas até hoje, não foi gentil durante a visita de Casa Própria. “Imaginei que muitas pessoas se aproximariam curiosas”, Rochelle relata, “apenas uma mulher perguntou-me onde ficavam os banheiros”. Que força pode ter o pouso dessas casinhas em um lugar de tanto peso quanto esse? Talvez responder a essa pergunta peça menos atenção ao grandioso, mais sensibilidade para acontecimentos pequeninos. É por aí o que diz o escritor Bernardo Mosqueira – em Rochelle a banalidade não existe:
Manipulando e/ou assinalando frações da cultura com a intenção de compartilhar sua forma de percepção, Rochelle parece lutar contra o desencanto do mundo e querer alterar a durabilidade de suas experiências de percepção poética. Há, no interesse de Costi pelos fragmentos do mundo, um certo elogio à diversidade e uma angústia pela manutenção da coexistência com o diverso. Rochelle Costi, inconformada, parece entender que tudo pode se transformar, mas nada precisa acabar.
Rochelle Costi é formada em comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), tendo frequentado ateliês de arte da Escola Guignard (MG) e cursos na Saint Martin School e na Camera Work, na Inglaterra. Além dos projetos artísticos, atua como fotógrafa para jornais e revistas. Em 2004, compôs a exposição Tudo É Brasil, feita no Itaú Cultural e no Paço Imperial (RJ). Saiba mais na Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.