Rumos Legado Teatro: Grupo Bagaceira de Teatro
11/02/2015 - 19:11
Com sede em Fortaleza (CE), o Grupo Bagaceira de Teatro foi fundado em 2000. Inspirado no teatro autoral e experimental, criou sua própria linguagem, trazendo um novo olhar sobre a produção teatral cearense.
Esta entrevista foi cedida pelo ator e produtor Rogério Mesquita.
Observatório: O Grupo Bagaceira de Teatro participou do edital Rumos Teatro, do Itaú Cultural, em 2010. A premissa do edital era o envio de projetos que visassem ao convívio, ao compartilhamento de formas de criação entre dois grupos de teatro e ao desenvolvimento de pesquisas na área. Assim, surgiu o projeto chamado Abuso, que vocês desenvolveram com o Coletivo Angu de Teatro (PE). A proposta desse projeto é o estudo de situações abusivas, sejam elas abusos comuns do cotidiano ou abuso sexual, vivenciados por pessoas da sociedade. Esse processo envolve teatro, vídeo e performance. Você poderia comentar um pouco mais sobre o resultado dessa pesquisa e as influências, se houve, na atuação do grupo?
Grupo Bagaceira: O Coletivo Angu e o Bagaceira se encontraram pela primeira vez na edição de 2004 do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (CE). Desde então, sempre houve uma vontade de estar trocando em sala de ensaio. Com o Rumos, isso foi possível e vimos o quão somos semelhantes, principalmente na abordagem do tema e nas escolhas estéticas, e o quão somos diferentes, na maneira de produzir e na organização interna dos grupos. Os dois grupos têm suas pesquisas elaboradas na prática de ensaio, não teorizamos, portanto foi natural a montagem das seis pequenas cenas para o projeto Abuso. Para nós, foi um enorme aprendizado. Aprendemos a fazer intercâmbio de fato nessa experiência com o Coletivo Angu e, desde então, sempre incluímos nos nossos processos de criação artistas variados, como a coreógrafa cearense Andrea Bardawil, Danilo Pinho (CE), Georgette Fadel, Maurice Durozier (Theatre Du Soleil) e Juliana Galdino.
Você acredita que mais editais que estimulam esse tipo de conexão coletiva e a experimentação ajudam no processo de formação dos integrantes do grupo? Como?
Claro. Grupo de teatro é um espaço de formação de fato. Nós do Bagaceira não temos formação acadêmica em artes cênicas; tudo o que sabemos, tanto em atuação quanto em direção, dramaturgia, iluminação, sonoplastia, cenotécnica, foi em horas de salas de ensaio e palco. Editais como o Rumos Teatro e experiências como a escola Porta Iracema das Artes do Ceará, que estimulam a troca entre diferentes artistas, ampliam e muito nosso escopo em relação ao nosso ofício. Ter na sala de ensaio profissionais de diferentes gerações, como o francês Maurice Durozier e a paulista Juliana Galdino, tem um grande impacto na nossa maneira de produzir e criar. Tudo muda. Tudo acrescenta.
No projeto Interior, o grupo visitou quatro cidades do interior cearense no período de um ano e apresenta na peça essas percepções dos costumes, das pessoas, enfim, dessas realidades. Do ponto de vista artístico, como o grupo relaciona as realidades das grandes capitais nordestinas com essas cidades interioranas?
O Nordeste tem hoje grandes metrópoles: Recife, Salvador e Fortaleza são cidades que estão cada vez maiores, e com isso os grandes problemas surgem. Fortaleza hoje é uma cidade de difícil locomoção. A mobilidade urbana é uma necessidade urgente. Mas, enfim, mesmo em cidades grandes a precariedade no nosso fazer artístico ainda é predominante. Não tem essa de só trabalhar em condições perfeitas, ainda esbarramos em dificuldades básicas de fomento ao nosso setor. No projeto Interior, escolhemos trabalhar com quatro agrupamentos artísticos em cidades sem nenhuma estrutura, para entender as motivações daquelas pessoas em resistir e qual era a relação delas com a cidade e com a população. Esbarramos em situações ainda mais precárias, mas com uma força capaz de resistir a qualquer situação. Falta tudo. Menos informação e vontade de ir em frente. E isso foi uma grande lição de vida.
O Ministério da Cultura aprovou o benefício Vale-Cultura, no valor de 50 reais mensais. Com base nos frequentadores da Casa da Esquina, que é um espaço administrado pelo Grupo Bagaceira e pelo Teatro Máquina, você já consegue perceber a geração de um novo público que utilize esse recurso?
Ainda não. Nem em outros espaços em que costumamos entrar em temporada. Entre inúmeros fatores, deve ser pelo fato de que hoje o teatro enfrenta mais uma crise: a desconexão entre a bilheteria e os custos de produção. O espectador de teatro vem perdendo o hábito de pagar para ver teatro. São inúmeros projetos de “formação de plateia” com sessões de espetáculos gratuitos. Nas escolas, não existe a construção de um pensamento de apreciação artística. Portanto, creio eu, o teatro é uma das últimas opções nas quais os trabalhadores investem o Vale-Cultura, já que muitas vezes eles podem ver de graça.