Por Patrícia Colombo
Entre idas e vindas por tantos lugares, a realidade de quem vive na estrada pode ser dura, mas também enriquecedora. Foi em uma de suas andanças que Brunna Laboissière conheceu a caminhoneira transgênero Fabiana, e essa aproximação deu origem a um dos projetos de documentário selecionados pelo programa Rumos Itaú Cultural 2015-2016.
Nascida em Goiás, Brunna migrou para São Paulo há dez anos para trabalhar e estudar. Ela conta que a rigidez da cidade nunca fez muito sua cabeça e, sempre que podia, juntava uns trocados para cair fora e conhecer outros locais do país, sempre de carona. “Acredito que o percurso é tão importante quanto o destino”, explica. “A gente acaba conhecendo pessoas muito diferentes, dispostas a conversar por horas a fio sobre a vida.”
Acostumada com o contato com caminhoneiros homens que curtiam oferecer carona para bater papo e sentir o tempo passar mais rápido, surpreendeu-se ao ver um mulherão dirigindo uma imensa carreta. Era Fabiana, e com ela Brunna foi de São Paulo a Brasília, num passeio que durou dois dias e meio. Há 30 anos na estrada e prestes a se aposentar, a caminhoneira se mostrou à cineasta como um símbolo de resistência num meio tão machista e conservador.
“Sempre me incomodaram essas divisões que nos impõem entre masculino e feminino, e me instigava entender o que seria esse ‘ser mulher’”, diz. “Aprendi que existem possibilidades múltiplas de identidade de gênero e que, portanto, há mil formas de ser mulher, cada uma com sua singularidade.”
O convite para o projeto emocionou Fabiana, que enxergou nele o reconhecimento de sua batalha ao longo dos anos. Para a realização do filme, as duas percorreram juntas 11 mil quilômetros, os últimos da personagem antes de sua aposentadoria. Nos primeiros 18 dias, foram de Goiânia a Fortaleza, passaram por Mossoró (RN), Rio de Janeiro, São Paulo e novamente Goiânia. No trecho, outra pessoa embarcou na viagem: a companheira de Fabiana, Priscila. Nos dez dias seguintes, foram a Belém, para depois retornar à capital de Goiás.
A vida na estrada
Brunna decidiu rodar um documentário de imersão, retratando sua personagem no cenário em que há tantos anos esta vive. Sobre a rotina de Fabiana, a diretora diz ver “uma mistura de vício e prazer, certa paixão que essas pessoas têm por viver em constante movimento”.
Distanciar-se não foi fácil. “Como não haver envolvimento emocional quando você fica em contato com uma pessoa durante 28 dias sem intervalos, passando a maior parte do tempo em um espaço reduzido, como é a boleia de um caminhão? Ao final, isso também fez parte da construção do trabalho, já que parto da premissa de que se trata de um filme sobre as relações humanas”, diz Brunna. O convívio também foi marcado por alguns desentendimentos, mas a cineasta relata que as reconciliações acabaram se tornando elementos que deram ainda mais profundidade e poesia à obra.
No caminhão de Fabiana só cabiam a motorista, Priscila e Brunna – que, dessa forma, se viu forçada a cuidar de vários aspectos da produção do documentário: fazia as entrevistas, captava as imagens, operava o som... “Foi muito intenso. A princípio, as dificuldades técnicas podem parecer empecilhos, mas, dependendo de como são encaradas, também podem enriquecer o filme”, defende.
“Este documentário é importante”, conclui Brunna, “pois abordando a história de uma pessoa como Fabiana podemos desconstruir estereótipos e adentrar a humanidade universal de um indivíduo lutando por sua autonomia e sua liberdade.”
Atualmente, o filme se encontra em fase de pós-produção e deve ser concluído até janeiro de 2018.