Por Adriana Ferreira Silva
A manauense Danielle Nazareno Silva se lembra com detalhes do dia em que promoveu uma sessão de cinema ao ar livre para indígenas Yanomami que habitavam as margens do Rio Cauboris, no interior do Amazonas. “Ver todas aquelas pessoas sentadas embaixo de uma cobertura de palha, fascinadas pelo telão, foi mágico”, diz ela.
A aldeia é um dos endereços na trilha do projeto Cinema de Fronteira Itinerante no Rio Negro – Cine Alto Rio Negro, que realiza exibições de filmes em comunidades indígenas existentes ao longo do Rio Negro. Curtas, médias ou longas-metragens de ficção, animações e documentários são projetados num telão inflável de 7 metros de altura por 8 metros de largura, numa iniciativa que começou a tomar forma em 2010, quando a publicitária e o marido trocaram a capital amazonense, onde ela atuava como produtora cultural e em agências de comunicação, por São Gabriel da Cachoeira.
Localizado na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, o município tem a maior quantidade de indígenas do país, população que vive em comunidades espalhadas nas calhas do Rio Negro e de seus afluentes. “São 22 etnias e 4 troncos linguísticos, além de uma forte influência do espanhol por causa dos países vizinhos”, conta Danielle.
“O cineclube nasceu por puro prazer”, conta ela. “Em Manaus, eu era associada ao cineclube Baré e desenvolvia programas audiovisuais. Quando cheguei a São Gabriel, passei a visitar escolas e a conversar com os professores sobre como o cinema pode ser utilizado como ferramenta educativa e sociocultural”, explica. Sua intenção era plantar a semente do cineclubismo: “Qualquer lugar pode ser um cinema: uma praça, uma rádio, uma escola, um ginásio. Todo mundo pode exibir um filme e criar um cineclube”, acredita.
Em 2014, Danielle colocou pela primeira vez seu telão dentro de um barco e seguiu o curso do rio rumo à comunidade Yanomami que vive na região de Maturacá, a 150 quilômetros de São Gabriel. “Quando cheguei lá, acompanhei uma assembleia em que se falava sobre luta por território, demarcação de terras e a criação da Kumirayoma – associação de mulheres Yanomami. Era um caldeirão efervescente de cultura”, lembra ela. Em três dias de imersão, ela entreteve jovens e crianças da aldeia com filmes de animação com temática indígena. Empolgada com a reação dos espectadores, decidiu levar seu cineclube flutuante a todos os povos das margens fluviais.
Colocar isso em prática, contudo, custa caro. “É preciso considerar o valor gasto com gasolina, estar sempre acompanhada de um prático [assistente]. Além disso, precisamos de energia elétrica para alimentar o gerador do telão por, no mínimo, duas horas. Já aconteceu de passarmos o dia numa comunidade e voltar às 10 da noite, de barco. Atravessar o rio à noite é muito difícil”, afirma ela.
Para arrecadar recursos, Danielle fundou em sua casa o Cacuri Espaço Cultural, local onde cria e vende artesanato feito por ela e por povos indígenas e promove oficinas artísticas. Mas foi sobretudo o apoio do programa Rumos Itaú Cultural que impulsionou o Cine Alto Rio Negro. “O Rumos tornou o cineclube mais atraente”, explica. “Ele me deu visibilidade para realizar parcerias para além do Amazonas. Agora, quando apresento a ideia, as pessoas compreendem sua importância cultural. Eu me sinto uma profissional capaz de escrever outros projetos.”
Enquanto isso, Danielle sobe e desce o rio com seu telão, com a intenção de levá-lo a pelo menos outras sete comunidades até o fim deste ano. Cada etapa é registrada em vídeo, e esses registros darão origem a um documentário. “Quero voltar a muitas dessas comunidades. As pessoas adoram: fica sempre um gostinho de quero mais.”