obra: Laboratório Clowns / Clowns de Shakespeare
selecionado: Clowns de Shakespeare
“Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
− Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.”
É do trecho final de “Poética”, de Manuel Bandeira que jovens estudantes de Natal (RN) tiraram a inspiração para se autodenominarem. Nascia ali, mesmo que ninguém entendesse de fato o que significava aquela nomenclatura, o grupo de teatro Clowns de Shakespeare. Isso foi lá no distante ano de 1993. Agora, após mais de duas décadas de trabalho consolidado em todo o país, a trupe se prepara para um novo desafio: a criação de uma escola livre de teatro.
Para chegar a esse projeto organizacional e pedagógico, o grupo promoverá, com o apoio do Rumos do Itaú Cultural, “O Laboratório Clowns”, uma iniciativa que tem a duração de um ano e que prevê o intercâmbio com outros grupos da América Latina e do Brasil, além de seminários, oficinas e da implementação da escola em si.
Antes de detalhar essa proposta, no entanto, é preciso voltar à origem dos Clowns de Shakespeare, cujo embrião surgiu quase como uma brincadeira nas salas do Colégio Objetivo, na capital potiguar.
Fernando Yamamoto, César Ferrario e outros alunos que se preparavam para o vestibular foram instigados pelo professor Marco Aurélio Barbosa a montar uma peça que abordasse as escolas literárias brasileiras. A ideia era que o exercício servisse como suporte para os estudos. “Era, principalmente, uma compilação de trechos de obras nacionais, com algumas cenas que a gente criou a partir de situações hipotéticas, como as mulheres de Brás Cubas se encontrando no velório dele”, conta Yamamoto.
A experiência foi marcante para muitos deles e, no ano seguinte, em 1993, remanescentes daquela turma de 92, ao lado de novos vestibulandos, resolveram montar uma peça. Naquele ano, fazia sucesso no país o espetáculo de Shakespeare “Sonhos de uma Noite de Verão”, encenado pela companhia Teatro do Ornitorrinco.
Foi inspirado neles que os estudantes decidiram encenar a mesma peça do dramaturgo inglês. Como precisavam nomear o grupo e gostavam muito do poema “Poética”, que fazia parte do primeiro projeto de interpretar obras literárias brasileiras, resolveram se batizar de Clowns de Shakespeare. Yamamoto conta que eles realmente não tinham muita ideia do que era clown e do que era Shakespeare. “Mas aí passamos o resto da nossa trajetória correndo atrás de resolver esse enigma”, relata.
Além de Fernando Yamamoto e César Ferrario, Renata Kaiser também é uma das fundadoras e permanece até hoje como integrante. O grupo se profissionalizou no início dos anos 2000 e ficou conhecido nacionalmente com o espetáculo Muito Barulho por Quase Nada.
Escola livre
Quando se olha para os primeiros anos da trupe parece óbvio que o caminho natural resultaria na formatação de uma escola livre de teatro. Isso porque uma das características mais fortes do grupo é a busca constante por capacitação, aprendizado.
Em princípio, como não tinham a perspectiva da profissionalização, os integrantes não se preocupavam com uma formação formal em artes cênicas. Eram das mais diversas áreas, como arquitetura, biologia, jornalismo. Eles sabiam, no entanto, que precisam de informação e conhecimento para dar prosseguimento às atividades do grupo. Como conseguir isso? Por meio de palestras, oficinas e intercâmbio com profissionais da própria cidade, de outros estados e, mais tarde, até mesmo de outros países.
Yamamoto destaca que o grupo tem muito forte essa lógica de fazer teatro a partir da troca, do compartilhamento. E é justamente esse processo que estará no centro da formação da escola de teatro.
A primeira etapa do “Laboratórios Clowns” é a residência teatral. Três equipes de cinco pessoas irão morar e acompanhar as atividades de três grupos de teatro latino-americano, que desenvolvem projetos pedagógicos de referências: Yuyachkani (Peru), Malayerba (Equador) e Teatro de Los Andes (Bolívia). Haverá também três equipes que visitarão os grupos brasileiros Terreira da Tribo/Ói Nóis Aqui Traveiz (Porto Alegre/RS), Grupo Galpão (Belo Horizonte/MG) e as escolas paulistas, SP Escola de Teatro, e Escola Livre de Santo André.
A partir dessas experiências e de seminários e oficinas, o grupo chegará ao projeto completo da escola. Na sequência, um semestre letivo será implementado e a ideia é que, depois disso, o projeto tenha já tenha condições de caminhar por si só.