por Um Por Todos - Fernanda D´Umbra
Vivo em São Paulo e estou sendo observada. Querem me pegar em flagrante, mas isso não será possível. Não há delito, não estou a matar, roubar, machucar, humilhar ou explorar. Estou só flutuando com graça e indo o mais longe que posso de transporte público. Eu quero mesmo é andar por aí. E farei isso.
Porque, para além da repressão que andou mordendo nossos calcanhares, há muita coisa boa acontecendo, é só chegar. Em 2017 muitas histórias que já existiam continuaram na superfície, nadando com força. E há belos episódios de salvamentos, desistências importantes e alterações de rotas decisivas.
Foi preciso muita tenacidade neste ano peculiaríssimo de sol e sombra. E várias pessoas apresentaram sinais de força. Uma gente quase anônima, que decide fazer, marca o lugar, a hora e faz: festivais de música, dança, teatro, quadrinhos, literatura, publicações independentes, ilustrações, roupas, acessórios, comida, moda, tatuagem, maquiagem, eu sei lá.
Fui a dezenas de feiras, shows, escolas, festivais, temporadas, ocupações e apresentações em 2017. As pessoas ainda saem de casa. Eu as vi, ninguém me contou. Existe de fato uma gestão cultural de bairro, um baile produzido por três amigos, uma feira de LPs que saiu da cabeça de duas pessoas, uma peça de teatro feita em parceria com artistas de várias áreas, enfim, a vida continuou a explodir em muitos lugares.
O risco não é pequeno, mas tem gente disposta a corrê-lo. E aos poucos o investimento retorna em forma de bilhetes, o público volta a ocupar a rua. Isso é muito importante, senhoras e senhores: pessoas circulando sem medo. Em contato com o que lhes enche os olhos, o coração e a alma. Vivendo in loco o fabuloso poder transformador da ficção.
O planeta é nosso e não queremos menos do que todas as possibilidades de circulação. Ou de não circulação, se for o caso. Cada um escolhe o que quer. O mundo tem quase 7 bilhões de pessoas. É evidente que sempre haverá alguém pronto a fazer o que ama. Isso não é só romântico, é bom mesmo!
Um show de música pode mudar sua vida. A minha mudou. Várias vezes. Uma feira de quadrinhos e publicações independentes pode ser revolucionária e abrir uma caixa infinita de ideias. Uma padaria pode ter a pizza mais legal num raio de quilômetros, o que não é pouco em São Paulo.
Tem um monte de gente caprichando, é só sair por aí. A vida é deliciosamente imprevisível. Você não sabe o que vai acontecer. Só sabe que vai começar. O que pode ser melhor que isso?