por Fernanda Castello Branco

Há 80 anos nascia Roberto Carlos, em Cachoeiro de Itapemirim (ES). O cantor mais popular do Brasil já é recluso, mesmo antes da pandemia. Fez live em 2020, obviamente um sucesso de audiência, mas segue avesso a entrevistas. Para marcar o aniversário do artista que é chamado de Rei há décadas, três livros sobre sua vida e obra serão lançados: Roberto Carlos outra vez (Record), de Paulo Cesar de Araújo; Querem acabar comigo – da Jovem Guarda ao trono, a trajetória de Roberto Carlos na visão da crítica musical (Máquina de Livros), de Tito Guedes; e Roberto Carlos – por isso essa voz tamanha (Todavia), de Jotabê Medeiros.

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Aqui no site do Itaú Cultural, a festa de Roberto Carlos reúne convidados apaixonados. Chamamos artistas de várias áreas e jornalistas (entre eles, o próprio Jotabê Medeiros, já citado) para nos contar duas coisas simples, mas nem por isso menos importantes: qual é sua música favorita e/ou qual a lembrança mais marcante de Roberto Carlos. Cada um com uma memória afetiva particular, mas todos unidos por esse amor que marca vidas.
 

Eu tenho tanto pra lhe falar...*

Ronnie Von, cantor e apresentador de TV

A música que mais gosto do Roberto é “Outra vez”. E, quando penso nele, duas palavras me vêm à mente: perseverança e vitória.

Homem de aparentemente mais de 60 anos está sentado em uma poltrona bege, em uma sala de estar. Ele usa terno escuro e está de pernas cruzadas. Ele está sorrindo com a mão no queixo.
"Outra vez" é a música de Roberto Carlos que Ronnie Von mais gosta (imagem: Luciano Santos/Talentmix)

 

Jotabê Medeiros, jornalista

É difícil escolher uma música favorita apenas, mas eu fico com “As curvas da estrada de Santos”. É um motivo muito pessoal: essa canção tem uma vibração de liberdade em sua onda metálica, com os teclados e a voz berrada de Roberto, como se contivesse um desejo de se manter preservado das coisas mais duras da vida com uma estratégia de movimento contínuo. Sua versão original contém também um arranjo ardido, desafiador. Gosto muito dela.

Gabriel Leone, ator, interpretou Roberto Carlos no filme Minha fama de mau (2019), de Lui Farias e Alonquel Uchôa

A música que mais gosto do Roberto é a que mais me emociona, pelas imagens da letra, pela melodia cortante e pela interpretação magistral. “Traumas”, do disco de 71 (meu favorito, por acaso). Conheci ainda menino, numa versão ao vivo feita pelos Los Hermanos, bem antes de mergulhar mais profundamente na obra do Roberto. Não é um megahit do Rei, mas merece ser ouvida com bastante atenção.

Beatriz Milhazes, artista plástica

“O calhambeque” é minha música favorita. Tenho lembranças da infância de quando com minha irmã Marcia dançávamos e cantávamos ouvindo os discos da Jovem Guarda, enquanto meus pais nos assistiam! Ele é o nosso Rei!

Obra de arte com fundo azul claro. Coroa formada por colagens de papel dourado e detalhes coloridos, em cor-de-rosa e tons de marrom. A sigla RC 50 aparece ao redor da coroa, em cor-de-rosa.
Detalhes, 2009, colagem de papéis variados sobre papel, 30 x 22,5 cm: obra de Beatriz Milhazes em homenagem aos 50 anos de carreira de Roberto Carlos (imagem: divulgação)

 

Zeca Baleiro, cantor e compositor

Escolher apenas uma música favorita de Roberto Carlos é difícil. Escolho três, pode ser? “Palavras”, “O divã” e “Traumas”, porque, sempre que as ouço, me emocionam. Quando penso nele, antes de qualquer coisa, penso em como é bom cantor o Roberto, afinado, preciso, econômico. E lembro das férias que passávamos em Arari, interior do Maranhão, ouvindo os discos que saíam sempre em dezembro.

Homem magro e franzino aparece sorrindo, sentado em uma escada de madeira. Ele usa tênis, calça jeans, camiseta e jaqueta. Na cabeça, ele usa um chapéu de lona. Suas pernas estão meio abertas e ele está com uma mão em cima de um joelho e com a outra mão em cima da própria perna.
Zeca Baleiro aponta que "Roberto Carlos é bom cantor, afinado, preciso, econômico" (imagem: Silvia Zamboni)

Véio, escultor

“Meu querido, meu velho, meu amigo” é minha música favorita de Roberto Carlos. Porque ela conta a trajetória de uma vida e faz a gente refletir sobre a infância, os sentimentos e sobre valorizar as pessoas enquanto as temos. Penso que o título de Rei é muito pouco para ele. Uma pessoa que consegue levar sua arte para o mundo e tocar tanta gente é mais que um rei.

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"Penso que o título de Rei é muito pouco para ele", afirma Véio (imagem: Galeria Estação)

Tom Zé, músico e compositor

“Detalhes” é uma música interessante. Lembro-me de estar com Augusto de Campos e Lygia, num final de ano há muito tempo, e a música nos fazer silenciar para ouvi-la. A observação de Augusto, “é uma música bonita”, está no meu ouvido até hoje. Que orgulho termos um cantor popular que atuava sem afetação, com uma voz delicada.

Tom Zé está em movimentação, com os braços levantados. A roupa branca com algum tom cinza presente está manchada de tinta colorida. O fundo da imagem é cinza.
“ Que orgulho termos um cantor popular que atuava sem afetação, com uma voz delicada”, diz Tom Zé (imagem: André Conti)

Mauricio Pereira, cantor e compositor

Meio que acho “Detalhes” a canção perfeita. A letra, a música, o arranjo, o canto, o espírito. É simples, fala de coisas que podem acontecer com todo mundo. E o jeito que ele canta, especial como sempre. Impressionante como bate, né? E o mais espantoso – e aí eu falo como músico profissional – é o cara fazer isso dentro da indústria. Não tem nada mais comercial que o Roberto Carlos. Então, quando o sublime da arte se atraca com a frieza do business e abraça um público enorme, para além de diferenças de classe, cultura, ideologia, eu sinto um momento especial acontecendo, uma sensação de comunidade.

Quando penso nele, penso no canto. Ali não é força, é jeito. Muito natural. Sempre que escuto a voz do Roberto Carlos, especialmente nos clássicos, eu entro num estado diferente, a voz dele me leva para longe, eu sinto a presença do sagrado, do coletivo. É a voz de um rei, né? Ele e o Pelé, os nossos reis… Sempre um me remeteu ao outro. Reis que são reis porque fazem a gente se sentir feliz, especial, merecedor. Que transportam a gente para esse lugar de espanto que a arte é capaz de provocar, nem que seja por um breve momento.

Homem aparece sentado em uma cadeira, sem almofada. A cadeira está perto de uma janela, em um compartimento vazio, sem outros móveis. O homem é grisalho, tem cabelos curtos, usa óculos escuro. Uma de suas mãos está no queixo. Ele usa sapato preto social e está de calça escura e paletó bege aberto, sem gravata.
"Sempre que eu escuto a voz do Roberto Carlos, especialmente nos clássicos, eu entro num estado diferente, a voz dele me leva pra longe, eu sinto a presença do sagrado, do coletivo", diz Mauricio Pereira (imagem: Gal Oppido)

Érika Martins, cantora

Minha música preferida do Roberto é “O portão”, que é dele e do Erasmo. Sempre me identifiquei com a letra. Sou uma viajante do mundo, desde cedo, e minha carreira me colocou ainda mais nessa posição. Todas as vezes que volto para casa ou visito algum lugar que já morei, tenho essa mesma sensação de “acho que só eu mesmo mudei, e voltei”. E essa música tem uma das frases mais legais já escritas: “Meu cachorro me sorriu latindo”. Acho genial! Quando penso em Roberto Carlos, já me vem o som do Lafayette, sua assinatura no órgão, tão marcante nos clássicos dele. Era a combinação perfeita para o som dele.

Mulher branca está de perfil, olhando para o alto. Ela usa roupa preta e seus olhos estão com cílios postiços e sombra azul. Seus cabelos são longos e castanhos.
Do repertório de Roberto Carlos, "O portão" é a música favorita de Érika Martins (imagem: Red Produção Audiovisual)

Áurea Maranhão, atriz

Odair José, cantor

O Roberto tem um repertório que se mistura com a vida do povo brasileiro. Mas, para mim, “Quero que vá tudo pro inferno”, do álbum Jovem Guarda, fez a diferença na sua própria história! Pensar no Roberto é lembrar da minha juventude, dos meus primeiros sonhos e de como foram maravilhosas aquelas tardes de domingo [referência ao programa da TV Record apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa].

Homem aparece em close, olhando de frente e sério. Ele tem cabelos lisos, escuros e aparenta ter mais de 60 anos. Ele usa camisa branca e colete preto.
Odair José: "O Roberto tem um repertório que se mistura com a vida do povo brasileiro" (imagem: Vinicius Denadai)

Fernanda Gentil, jornalista

Conheci o nome Roberto Carlos porque minha mãe é fã e cantava a música “Jesus Cristo” para me colocar para dormir... Então, antes de eu conhecer o Rei, conheci a obra dele, da melhor maneira possível – embalada pelo amor de uma mãe em um momento tão gostoso e forte como é a hora de colocar uma filha para dormir. Essa música sempre tocou diferente para mim por isso. Aí depois, quando cresci, descobri que aquela canção, que para mim era de ninar, na verdade era um clássico nacional fruto do talento de um dos maiores artistas que este país já produziu. Sorte a minha.

Mulher loira, de cabelo comprido, está de pé, com os braços cruzados. Ela usa camisa branca e calça jeans.
Fernanda Gentil era colocada para dormir ao som de "Jesus Cristo" cantada pela mãe (imagem: GLIN + MIRA)

Bruna Lucchesi, cantora

Gosto de “Como é grande o meu amor por você” porque ela me traz a sensação de comemoração. Já a vi sendo cantada tantas vezes em ocasiões emocionantes, muitas vezes com uma pegada kitsch que pega fundo no peito e arranca boas lágrimas. Acho impressionante como o Roberto Carlos, assim como outras grandes figuras da nossa música, da nossa história, se expande para além da sua figura pessoal e como a sua obra faz parte de quem somos. Meus avós estão bem velhinhos e senis e já têm dificuldade de lembrar quem eu sou, e nos comunicamos com bastante dificuldade. Nos últimos meses, só tenho conseguido cantar com eles, e uma das nossas preferidas é “Como é grande o meu amor por você”. Sua música já está no nosso inconsciente coletivo.

Mulher aparece com os dois braços erguidos, na altura da cabeça. Ela tem cabelos lisos, longos e pretos, com uma única mecha loira. Ela usa um cropped (blusa curta) cor-de-rosa choque, decotada.
"Roberto Carlos, assim como outras grandes figuras da nossa música, da nossa história, se expandem para além da sua figura pessoal e como a sua obra faz parte de quem somos", diz Bruna Lucchesi (imagem: Gio Soifer)

Val Benvindo, jornalista e produtora

“Além do horizonte” me faz ter a sensação, sobretudo nestes tempos sombrios que estamos passando, de que a bonança chegará. Que de fato viveremos tempos bacanas e bonitos novamente. Acho que como boa parte da população brasileira a primeira coisa que vem à mente quando penso em Roberto Carlos é o Natal, e consequentemente lembro da minha família e de como gostamos de estar juntos e celebrando.

Mulher negra usa cabelos curtos e está séria. Ela usa camisa branca, brincos grandes de miçanga e está atrás de um cacto, em frente a uma parede cor de barro.
"Acho que como boa parte da população brasileira a primeira coisa que vem à mente quando penso em Roberto Carlos é o Natal", conta Val Benvindo (imagem: Magali Morais)

Sarah Oliveira, apresentadora

Ouço com frequência “Se você pensa” e acho “Outra vez” linda (a letra não é dele, quem escreveu foi a compositora Isolda Bourdot, mas ele incorporou total). Uma poesia sem complexidade, bonita e direta: “você foi, dos amores que eu tive, o mais complicado e o mais simples pra mim”. Mas o que está na minha memória afetiva mesmo é meu pai, um dos maiores fãs de Roberto Carlos que conheço, cantando “As curvas da estrada de Santos” bem alto no carro quando íamos para o Rio de Janeiro.

Mulher está sorrindo, com uma das mãos tocando a lateral do queixo. Seus cabelos são longos e lisos, e ela usa uma blusa laranja.
Quando pensa em Roberto Carlos, Sarah Oliveira lembra do pai. "Um dos maiores fãs de Roberto Carlos que conheço", conta a apresentadora (imagem: Charles Motta)


Sérgio Vaz, poeta

A música “Rotina” é um grande poema sobre o amor nosso de cada dia. Simples e profundo. Essa música é para quando nos faltam palavras para falar de amor. A primeira coisa que me vem à mente quando penso em Roberto Carlos é que os discos dele eram o presente preferido do meu pai no Natal. E os bailinhos que meu pai fazia em casa para apresentar o presente.

Imagem mostra o poeta Sérgio Vaz, com óculos e camiseta preta. Ele está com um olhar sério e direcionado à camera. A foto está em preto e branco.
"Rotina" é a música de Roberto Carlos que o poeta Sérgio Vaz mais gosta (imagem: Jairo Goldflus)

Iara Rennó, cantora

Gosto muito da fase anos 1960/1970. Difícil escolher uma música, mas deixo aqui a clássica “Sua estupidez”. Roberto Carlos é a voz do romantismo.

Mulher aparece de lado com um galho na boca. Ela usa calcinha dourada e uma blusa de alça e cor clara. Seus cabelos são crespos, curtos e grisalhos.
"Roberto Carlos é a voz do romantismo", diz Iara Rennó (imagem: José de Holanda)

Dizin, músico

“Negro gato” é minha música favorita de Roberto Carlos, pela narrativa e pelo ritmo cativante. Pensar nele é pensar no corte de cabelo peculiar e nos icônicos especiais de fim de ano.

Jovem rapaz aparece sentado no chão, na entrada de um túnel. Ele usa tênis, calça jeans, camiseta preta e uma camisa verde de botão aberta por cima. Seus cabelos são escuros e cacheados, e ele usa óculos de grau.
Dizin, músico de 18 anos, é a nova geração também com memória afetiva sobre Roberto Carlos: "Pensar nele é pensar no corte de cabelo peculiar e nos icônicos especiais de fim de ano" (imagem: Tiago Calazans)

Pedro Alexandre Sanches, jornalista, crítico musical e escritor

Minha predileta desde sempre é “Quero que vá tudo pro inferno”. As razões são inúmeras, mas poderia resumir dizendo que de todas as músicas que conheço é a que mais sinto vontade de cantar junto quando escuto. E porque vivi um grande amor por ter cantado ela junto, cheio de felicidade, numa roda de violão em Brasília, na comemoração do impeachment do Fernando Collor. Quando penso em Roberto Carlos, a primeira coisa que me vem à cabeça é minha própria família. Roberto me faz pensar nas famílias brasileiras tradicionais, no que elas têm de bom e de ruim, e minha família se encaixa totalmente nisto: uma mistura de romantismo, repressão, nostalgia, ditadura, melancolia, amor... Uma coisa dolorida e doce ao mesmo tempo.

 

*Citação à letra de “Como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos.

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