Roberto Carlos, músicas e memórias: os 80 anos do Rei
19/04/2021 - 00:00
por Fernanda Castello Branco
Há 80 anos nascia Roberto Carlos, em Cachoeiro de Itapemirim (ES). O cantor mais popular do Brasil já é recluso, mesmo antes da pandemia. Fez live em 2020, obviamente um sucesso de audiência, mas segue avesso a entrevistas. Para marcar o aniversário do artista que é chamado de Rei há décadas, três livros sobre sua vida e obra serão lançados: Roberto Carlos outra vez (Record), de Paulo Cesar de Araújo; Querem acabar comigo – da Jovem Guarda ao trono, a trajetória de Roberto Carlos na visão da crítica musical (Máquina de Livros), de Tito Guedes; e Roberto Carlos – por isso essa voz tamanha (Todavia), de Jotabê Medeiros.
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Aqui no site do Itaú Cultural, a festa de Roberto Carlos reúne convidados apaixonados. Chamamos artistas de várias áreas e jornalistas (entre eles, o próprio Jotabê Medeiros, já citado) para nos contar duas coisas simples, mas nem por isso menos importantes: qual é sua música favorita e/ou qual a lembrança mais marcante de Roberto Carlos. Cada um com uma memória afetiva particular, mas todos unidos por esse amor que marca vidas.
Eu tenho tanto pra lhe falar...*
Ronnie Von, cantor e apresentador de TV
A música que mais gosto do Roberto é “Outra vez”. E, quando penso nele, duas palavras me vêm à mente: perseverança e vitória.
Jotabê Medeiros, jornalista
É difícil escolher uma música favorita apenas, mas eu fico com “As curvas da estrada de Santos”. É um motivo muito pessoal: essa canção tem uma vibração de liberdade em sua onda metálica, com os teclados e a voz berrada de Roberto, como se contivesse um desejo de se manter preservado das coisas mais duras da vida com uma estratégia de movimento contínuo. Sua versão original contém também um arranjo ardido, desafiador. Gosto muito dela.
Gabriel Leone, ator, interpretou Roberto Carlos no filme Minha fama de mau (2019), de Lui Farias e Alonquel Uchôa
A música que mais gosto do Roberto é a que mais me emociona, pelas imagens da letra, pela melodia cortante e pela interpretação magistral. “Traumas”, do disco de 71 (meu favorito, por acaso). Conheci ainda menino, numa versão ao vivo feita pelos Los Hermanos, bem antes de mergulhar mais profundamente na obra do Roberto. Não é um megahit do Rei, mas merece ser ouvida com bastante atenção.
Beatriz Milhazes, artista plástica
“O calhambeque” é minha música favorita. Tenho lembranças da infância de quando com minha irmã Marcia dançávamos e cantávamos ouvindo os discos da Jovem Guarda, enquanto meus pais nos assistiam! Ele é o nosso Rei!
Zeca Baleiro, cantor e compositor
Escolher apenas uma música favorita de Roberto Carlos é difícil. Escolho três, pode ser? “Palavras”, “O divã” e “Traumas”, porque, sempre que as ouço, me emocionam. Quando penso nele, antes de qualquer coisa, penso em como é bom cantor o Roberto, afinado, preciso, econômico. E lembro das férias que passávamos em Arari, interior do Maranhão, ouvindo os discos que saíam sempre em dezembro.
“Meu querido, meu velho, meu amigo” é minha música favorita de Roberto Carlos. Porque ela conta a trajetória de uma vida e faz a gente refletir sobre a infância, os sentimentos e sobre valorizar as pessoas enquanto as temos. Penso que o título de Rei é muito pouco para ele. Uma pessoa que consegue levar sua arte para o mundo e tocar tanta gente é mais que um rei.
Tom Zé, músico e compositor
“Detalhes” é uma música interessante. Lembro-me de estar com Augusto de Campos e Lygia, num final de ano há muito tempo, e a música nos fazer silenciar para ouvi-la. A observação de Augusto, “é uma música bonita”, está no meu ouvido até hoje. Que orgulho termos um cantor popular que atuava sem afetação, com uma voz delicada.
Mauricio Pereira, cantor e compositor
Meio que acho “Detalhes” a canção perfeita. A letra, a música, o arranjo, o canto, o espírito. É simples, fala de coisas que podem acontecer com todo mundo. E o jeito que ele canta, especial como sempre. Impressionante como bate, né? E o mais espantoso – e aí eu falo como músico profissional – é o cara fazer isso dentro da indústria. Não tem nada mais comercial que o Roberto Carlos. Então, quando o sublime da arte se atraca com a frieza do business e abraça um público enorme, para além de diferenças de classe, cultura, ideologia, eu sinto um momento especial acontecendo, uma sensação de comunidade.
Quando penso nele, penso no canto. Ali não é força, é jeito. Muito natural. Sempre que escuto a voz do Roberto Carlos, especialmente nos clássicos, eu entro num estado diferente, a voz dele me leva para longe, eu sinto a presença do sagrado, do coletivo. É a voz de um rei, né? Ele e o Pelé, os nossos reis… Sempre um me remeteu ao outro. Reis que são reis porque fazem a gente se sentir feliz, especial, merecedor. Que transportam a gente para esse lugar de espanto que a arte é capaz de provocar, nem que seja por um breve momento.
Érika Martins, cantora
Minha música preferida do Roberto é “O portão”, que é dele e do Erasmo. Sempre me identifiquei com a letra. Sou uma viajante do mundo, desde cedo, e minha carreira me colocou ainda mais nessa posição. Todas as vezes que volto para casa ou visito algum lugar que já morei, tenho essa mesma sensação de “acho que só eu mesmo mudei, e voltei”. E essa música tem uma das frases mais legais já escritas: “Meu cachorro me sorriu latindo”. Acho genial! Quando penso em Roberto Carlos, já me vem o som do Lafayette, sua assinatura no órgão, tão marcante nos clássicos dele. Era a combinação perfeita para o som dele.
Áurea Maranhão, atriz
Odair José, cantor
O Roberto tem um repertório que se mistura com a vida do povo brasileiro. Mas, para mim, “Quero que vá tudo pro inferno”, do álbum Jovem Guarda, fez a diferença na sua própria história! Pensar no Roberto é lembrar da minha juventude, dos meus primeiros sonhos e de como foram maravilhosas aquelas tardes de domingo [referência ao programa da TV Record apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa].
Fernanda Gentil, jornalista
Conheci o nome Roberto Carlos porque minha mãe é fã e cantava a música “Jesus Cristo” para me colocar para dormir... Então, antes de eu conhecer o Rei, conheci a obra dele, da melhor maneira possível – embalada pelo amor de uma mãe em um momento tão gostoso e forte como é a hora de colocar uma filha para dormir. Essa música sempre tocou diferente para mim por isso. Aí depois, quando cresci, descobri que aquela canção, que para mim era de ninar, na verdade era um clássico nacional fruto do talento de um dos maiores artistas que este país já produziu. Sorte a minha.
Bruna Lucchesi, cantora
Gosto de “Como é grande o meu amor por você” porque ela me traz a sensação de comemoração. Já a vi sendo cantada tantas vezes em ocasiões emocionantes, muitas vezes com uma pegada kitsch que pega fundo no peito e arranca boas lágrimas. Acho impressionante como o Roberto Carlos, assim como outras grandes figuras da nossa música, da nossa história, se expande para além da sua figura pessoal e como a sua obra faz parte de quem somos. Meus avós estão bem velhinhos e senis e já têm dificuldade de lembrar quem eu sou, e nos comunicamos com bastante dificuldade. Nos últimos meses, só tenho conseguido cantar com eles, e uma das nossas preferidas é “Como é grande o meu amor por você”. Sua música já está no nosso inconsciente coletivo.
Val Benvindo, jornalista e produtora
“Além do horizonte” me faz ter a sensação, sobretudo nestes tempos sombrios que estamos passando, de que a bonança chegará. Que de fato viveremos tempos bacanas e bonitos novamente. Acho que como boa parte da população brasileira a primeira coisa que vem à mente quando penso em Roberto Carlos é o Natal, e consequentemente lembro da minha família e de como gostamos de estar juntos e celebrando.
Sarah Oliveira, apresentadora
Ouço com frequência “Se você pensa” e acho “Outra vez” linda (a letra não é dele, quem escreveu foi a compositora Isolda Bourdot, mas ele incorporou total). Uma poesia sem complexidade, bonita e direta: “você foi, dos amores que eu tive, o mais complicado e o mais simples pra mim”. Mas o que está na minha memória afetiva mesmo é meu pai, um dos maiores fãs de Roberto Carlos que conheço, cantando “As curvas da estrada de Santos” bem alto no carro quando íamos para o Rio de Janeiro.
Sérgio Vaz, poeta
A música “Rotina” é um grande poema sobre o amor nosso de cada dia. Simples e profundo. Essa música é para quando nos faltam palavras para falar de amor. A primeira coisa que me vem à mente quando penso em Roberto Carlos é que os discos dele eram o presente preferido do meu pai no Natal. E os bailinhos que meu pai fazia em casa para apresentar o presente.
Iara Rennó, cantora
Gosto muito da fase anos 1960/1970. Difícil escolher uma música, mas deixo aqui a clássica “Sua estupidez”. Roberto Carlos é a voz do romantismo.
Dizin, músico
“Negro gato” é minha música favorita de Roberto Carlos, pela narrativa e pelo ritmo cativante. Pensar nele é pensar no corte de cabelo peculiar e nos icônicos especiais de fim de ano.
Pedro Alexandre Sanches, jornalista, crítico musical e escritor
Minha predileta desde sempre é “Quero que vá tudo pro inferno”. As razões são inúmeras, mas poderia resumir dizendo que de todas as músicas que conheço é a que mais sinto vontade de cantar junto quando escuto. E porque vivi um grande amor por ter cantado ela junto, cheio de felicidade, numa roda de violão em Brasília, na comemoração do impeachment do Fernando Collor. Quando penso em Roberto Carlos, a primeira coisa que me vem à cabeça é minha própria família. Roberto me faz pensar nas famílias brasileiras tradicionais, no que elas têm de bom e de ruim, e minha família se encaixa totalmente nisto: uma mistura de romantismo, repressão, nostalgia, ditadura, melancolia, amor... Uma coisa dolorida e doce ao mesmo tempo.
*Citação à letra de “Como é grande o meu amor por você”, de Roberto Carlos.