por Cassiano Viana

No início da década de 1920, dois jovens arquitetos enviaram a jornais brasileiros cartas-manifestos: Gregori Warchavchik – tema de uma das ocupações do Itaú Cultural em 2019 – e Rino Levi, homenageado neste ano. Essas duas exposições se juntam às ocupações João Batista Vilanova Artigas, em 2015, e Paulo Mendes da Rocha, em 2018.

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Esses dois manifestos, considerados pioneiros e fundamentais, divulgaram no Brasil as ideias do modernismo europeu e a necessidade da renovação do panorama arquitetônico no país.

Tanto Warchavchik quanto Levi são influenciados, naquele momento, pelos artigos publicados por Le Corbusier (arquiteto, urbanista, escultor e pintor de origem suíça e naturalizado francês) na revista L'Esprit Nouveau e pelo arquiteto e urbanista italiano Marcelo Piacentini – que projetaria, em um futuro não tão distante, o edifício Matarazzo, em São Paulo.

Foi graças a Piacetini – segundo Levi, um professor que "gozava da simpatia dos estudantes mais irriquietos" – que os conceitos de Le Corbusier, entre outros que propunham uma reformulação da arquitetura, chegaram até os estudantes italianos, através de suas resenhas na revista Architettura ed Arti Decorative – principal publicação do meio arquitetônico italiano dos anos 1920.

A carta de Warchavchik foi publicada pela primeira vez no dia 14 de junho de 1925, no Il Piccolo, jornal italiano de São Paulo, atingindo um público bastante limitado, tanto que o arquiteto decide republicá-la em 1° de novembro do mesmo ano, traduzido para o português e intitulado "Acerca da arquitetura moderna", no Correio da Manhã do Rio de Janeiro. Warchavchik tinha 29 anos.

Retrato de Rino Levi (imagem: Gregori Warchavchik)

Nascido no dia 31 de dezembro de 1901, Rino estava prestes a completar 24 anos e ainda cursava o quarto ano na Scuola Siperiore di Architettura di Roma quando envia para o Brasil "A architectura e a esthetica das cidades", carta publicada no dia 15 de outubro de 1925, no jornal O Estado de S. Paulo.

No texto, Levi anuncia um novo espírito, uma "arquitetura de volumes, linhas simples, e poucos elementos decorativos".

"É digno de nota o movimento que se manifesta hoje nas artes e principalmente na architectura. Tudo faz crer que uma éra nova está para surgir, se já não está encaminhada", escreve, de Roma.

E afirma que "é mister que o artista crie alguma coisa de novo" e que "não há arte onde não há artista". Vai além: afirma que o jovem, nos anos que se forma e adquire uma personalidade, deve ser posto em contato com necessidades modernas para que se eduque no espírito do seu tempo e possa constituir uma "alma sensível e correspondente ao gosto dos seus contemporâneos".

Em sua carta-manifesto, Levi expressa, desde já, sua preocupação com as cidades, em pleno desenvolvimento – na época – no início do século XX.

A partir da Itália, o jovem estudante de arquitetura pregava a modernização das cidades, mas com alma brasileira, e a adequação do que se produzia em termos de arquitetura, em outros países, de forma coerente no Brasil evitando a simples transposição de estilos. Uma arquitetura com bases nacionais.

"É preciso estudar o que se fez e o que se está fazendo no exterior e resolver os nossos casos sobre esthetica da cidade com alma brasileira", escreve, utilizando a expressão "alma da cidade", conceito adotado por Le Corbusier para se referir ao caráter poético das cidades.

Mas o que está acontecendo no Brasil, e mais especificamente em São Paulo, no final de década de 1920?

É nessa década que São Paulo começa a se transformar na cidade cosmopolita que é, sofrendo modificações urbanas influenciadas por olhos estrangeiros, pela diversidade cultural das nacionalidades formadoras da cidade: imigrantes italianos, sobretudo, alemães, franceses, portugueses, espanhóis – retratados em Operários, de Tarsila do Amaral, quadro que retrata, inclusive, Warchavchik.

Voltando ao início dos anos 1920, temos ainda a Semana de Arte Moderna e o surto de industrialização paulista.

Em sua volta ao Brasil, em 1926, Levi substituiria Warchavchik na Companhia de Construção de Santos, de Roberto Simonsen, e teria um papel fundamental na construção da São Paulo industrial, simbolicamente materializada no projeto do cinema e em sua relação com Simonsen: a pedido do empresário, Levi projeta vários prédios industriais importantes no ABCD Paulista, motivo de muitos considerá-lo o arquiteto da industrialização de São Paulo.

Outra curiosidade: é projeto de Levi o Cine UFA Palácio, na Avenida São João, marco e um dos ícones arquitetônicos da cidade de São Paulo: "O UFA-PALACIO, o novo cinema de São Paulo, parece que saiu de algum livro de WeIIs. As suas linhas lisas e moderníssimas, o seu sistema de iluminação que, não fazendo sombra nos rostos, torna todo mundo mais bonito e mais jovem. As duas cores escolhidas para a decoração, o creme e o brique, tudo numa harmonia deliciosa torna o UFA uma sala de diversão como antes só fora vista nos próprios filmes", descrevia, na época da inauguração do cinema, o jornal Correio Paulistano.

Voltando à carta-manifesto e a buscar por uma arquitetura brasileira adequada à natureza e aos costumes de seus habitantes, o jovem Levi escreve: “Creio que a nossa florescente vegetação e todas as nossas inigualaveis bellezas naturaes podem e devem suggerir aos nossos artistas alguma coisa de original dando ás nossas cidades uma graça de vivacidade e de côres, unica no mundo".

Curioso que tudo já estava ali, naquela carta-manifesto de Levi.

Um pensamento por demais coerente com aquilo que viria a acontecer no futuro: sua morte no interior da Bahia em 1965, durante uma das expedições botânicas de Burle Marx, de investigação da vegetação em busca de novas espécies com potencial ornamental – forma, volume, textura, cores –  e que pudessem ser utilizadas em jardins e parques no Brasil.

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