por André Bernardo

"Um avô da flauta transversa." É assim que o musicólogo Daniel Magalhães, de 47 anos, descreve o pífano – uma flauta simples, sem chaves e com seis orifícios, trazida para o Brasil nas caravelas portuguesas no século 16. “As chaves foram incorporadas aos poucos, ao longo do tempo, até se chegar à moderna flauta transversa”, explica. As bandas de pífano, tema do projeto Pífanos: do mapeamento à salvaguarda, se caracterizam por conjuntos instrumentais formados, essencialmente, por flautas e percussão. Na maioria das vezes, os instrumentos usados são dois pífanos, um zabumba e uma caixa. “Dependendo do local, outros instrumentos podem ser somados, como pandeiro, reco-reco e pratos. Em algumas regiões, o pífano é substituído pela gaita, outro tipo de flauta, prima do pífano”, acrescenta o musicólogo.

A ideia do projeto começou a ganhar vida em 2010, durante o II Encontro de Bandas de Pífano, em Olinda. Na ocasião, pifeiros, estudiosos e produtores culturais, entre outros entusiastas da cultura do pífano, elaboraram um documento em favor do reconhecimento das bandas de pífano como Patrimônio Cultural Brasileiro. Logo, a produtora Página 21 começou a inventariar as principais bandas de Pernambuco e contabilizou 70 em atividade.

Duas das mais famosas, aliás, são de lá: Banda de Pífano de Caruaru e Dois Irmãos. “Historicamente, o pífano existiu em todo o Brasil, mas, foi no sertão do Nordeste e no norte de Minas que as bandas se perpetuaram e, ainda hoje, marcam presença na cultura contemporânea”, afirma Daniel. “Isso se deve, em parte, pelo isolamento dessas regiões, seja pelo difícil acesso rodoviário, seja pelo tardio acesso à energia elétrica e aos meios de comunicação."

Pelo Brasil afora, estima-se que o número de bandas de pífano, numa projeção conservadora, seja de aproximadamente 500. “O movimento em torno do pífano nos grandes centros urbanos vem crescendo enquanto o número de grupos tradicionais tem decrescido nas últimas décadas”, avalia Daniel. Nesse universo tão amplo de bandas, tocadores e mestres, a Banda de Pífanos de Caruaru se destaca como uma das mais importantes. “Primeira banda tradicional a adentrar no mercado fonográfico, nos anos 1970, foi vencedora, em 2004, de um prêmio Grammy. Além disso, Sebastião Biano, seu pifeiro, acaba de completar 100 anos, em plena atividade artística”, orgulha-se Daniel.

Até o momento, a Página 21 já realizou o mapeamento de 51 bandas do agreste pernambucano e dos sertões do Moxotó, Pajeú e Central, que resultou na publicação de dois livros direcionados aos jovens: Pífanos do Agreste (2014) e Pífanos do Sertão (2016). Em março, a produtora realizou pesquisa de campo nos sertões do São Francisco – em Santa Maria da Boa Vista, há uma banda que criou a Festa das Águas, em homenagem ao Velho Chico! – e do Araripe, onde foram encontradas 14 bandas ativas.

“No momento, estamos transcrevendo as músicas para partituras e outras formas mais simples de ensino e aprendizagem”, explica o historiador Eduardo Monteiro, de 32 anos. Em agosto, a Página 21 segue para o sertão de Itaparica, onde será realizada a última parte do mapeamento. Lá, vai visitar comunidades quilombolas nos povoados de Buenos Aires, Quitimbú, Conceição das Crioulas, Leilão da Carapuça e Travessão do Caroá, que abrigam um importante acervo material e humano. Em dezembro, o conteúdo produzido, entre textos, vídeos e partituras, será disponibilizado no site tocandopifanos.com.

Além de catalogar as bandas, o projeto prevê, ainda, ações de salvaguarda, como a realização de uma exposição, a edição de um livro e a produção da 6ª edição do projeto Tocando Pífanos – a 5ª edição foi realizada em 2015. Batizada de Pífanos, a exposição vai reunir, entre outros itens, indumentárias e instrumentos de bandas de pífanos. “A abertura vai contar com a presença do mestre João do Pife. Ele vai reger uma apresentação musical realizada com parte das bandas pesquisadas”, adianta a produtora cultural Cláudia Lisboa, de 52 anos.

Já o livro vai apresentar informações de todas as bandas pesquisadas, com direito a artigos de pesquisadores e a partituras das músicas. “Infelizmente, não temos como precisar quando editaremos o livro ou realizaremos a exposição e a 6ª edição do Tocando Pífanos. Essas ações dependem de investimento e, lamentavelmente, os editais públicos têm diminuído. Os programas de governo não dão destaque a essas iniciativas e poucas empresas se interessam pelo assunto”, afirma Cláudia.

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